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Capítulo 3

Ronaldo olhou para aquele rosto, marcado por belas linhas de expressão. Seus olhos azuis tinham o cuidado de não encontrar o olhar dela enquanto ele mastigava nervosamente a comida que havia preparado. Seu rosto oval era emoldurado por longos cabelos loiros ondulados, que lhe davam uma falsa aparência angelical.

- Eu me esqueci, me desculpe", disse ele, sinceramente arrependido. - Mas foi um dia muito agitado", ele acrescentou, ansioso para iniciar aquela conversa fatídica.

Adelaide sorriu amargamente e balançou a cabeça levemente. Ela sempre o provocava por causa de seu trabalho, dizendo que ele não sabia o que significava sair de casa e quebrar as costas. Como seu avô havia feito, para construir o império da família.

Então, quando o ouvia dizer que estava cansado no final do dia, ele ignorava ou discutia.

- Recebi uma carta da Universidade de Harvard", revelou ele de repente, limpando a boca com o guardanapo branco.

A esposa levantou uma sobrancelha, fingindo interesse. - Eles estão me oferecendo um cargo de professor de literatura em um de seus resorts mais famosos", continuou ela, e foi nesse momento que Adelaide deixou cair os talheres com força no prato.

- Inacreditável", disse ela, balançando a cabeça e colocando um pouco de vinho tinto em sua taça. - Você passa os dias perambulando pelos corredores de Oxford, fingindo ensinar alguma coisa, e eles até ligam dos Estados Unidos para lhe oferecer um emprego", disse ela, finalmente decidindo olhar na cara dele.

-Adelaide, você nunca se preocupou com o que eu faço. Então, por favor, pare de menosprezar meu trabalho sem conhecer os fatos", disse ele, cansado das constantes acusações.

Ele não suportava ser tratado daquela forma, também não estava satisfeito com sua vida amorosa, mas isso não significava que ele descarregasse suas frustrações nela.

E então ele adorava seu trabalho.

Ele tinha orgulho de poder ensinar essas crianças que eram consideradas o futuro do país. Ele gostava da ideia de deixar algo bonito em suas mentes, de fazê-las se apaixonar pela literatura que havia iluminado todos os momentos sombrios de sua vida.

- Bem, quando você vai embora? -perguntou ele com um sorriso falso nos lábios. Ele nem sequer se deu ao trabalho de pedir qualquer informação a ela, de começar a discutir a possível opção de ir com ele.

Ela não tentou impedi-lo, mas metaforicamente fez as malas e abriu a porta da casa dele.

Ele se sentiu estúpido por ter perdido todo aquele tempo remoendo, imaginando o que ela pensaria. Ele achava que ela se importava um pouco com o fato de ele estar em casa. E, em vez disso, ele estava muito enganado.

Ele se levantou, colocou o prato na máquina de lavar louça e saiu da cozinha, sem dizer uma palavra. Ele foi para seu escritório no sótão, não querendo ver o rosto de sua esposa novamente, pelo menos durante toda a noite.

Parado em frente à janela redonda, ele olhou para o jardim dos fundos. A grama agora estava muito alta e as flores murchas estavam molhadas pelas gotas de água que caíam do céu.

Outro dia chuvoso estava passando por sua vida. Mais um cigarro, mantido entre seus lábios, tentava afastar a tristeza.

E lhe ocorreu que, talvez, a única maneira de dissipar aquelas nuvens cinzentas sobre sua cabeça fosse realmente aceitar o emprego e ir embora.

- Com licença, você pode me indicar a direção da Medford Street? - ele perguntou educadamente, parando um rapaz do lado de fora do campus da universidade.

Ele havia chegado a Cambridge, Massachusetts, há uma semana, mas ainda não havia se adaptado. Era confuso com as ruas e os diferentes meios de transporte. E mais vezes ele se viu perdido em algum lugar do que conseguiu encontrar o lugar que estava procurando.

Mas ele se esforçou para não ceder à melancolia.

Afinal de contas, ele não estava acostumado a viver em nenhum outro lugar além de Londres ou Oxford. E Massachusetts não tinha nada a ver com a Inglaterra.

As ruas eram enormes, cheias de trânsito. Todos os prédios eram modernos e excessivamente altos. As pessoas andavam apressadas, como se estivessem sempre atrasadas para o compromisso mais importante de suas vidas.

E seu sotaque inglês, somado à sua característica falta de humor e adaptabilidade, não o ajudava muito quando se tratava de socializar com alguém.

- Hum... Sim, mas fica a cerca de trinta minutos a pé daqui", respondeu o rapaz, ajustando o boné de beisebol na cabeça.

- Não tem problema, eu gosto de caminhar - ele apontou, começando a sentir o sol batendo em suas costas, cobertas por aquele moletom preto, que era definitivamente muito pesado.

- Ei!", uma terceira voz chamou a atenção dos dois. Damien se virou e se viu diante de um garoto, um pouco mais baixo que ele, vestido com shorts esportivos e uma camiseta de tecido técnico.

Ele tirou os fones de ouvido, parou a corrida e se aproximou deles com um sorriso encantador no rosto. -Você é o professor Turner, o cara novo? -perguntou ela, apontando o dedo para ele.

Ronaldo franziu a testa, sem entender quem era esse garoto e por que ele o conhecia. Olhou para os dentes perfeitamente brancos e alinhados, para a pele morena, sem uma única mancha, e para aquele físico tonificado, que sugeria uma paixão por esportes.

Ele poderia muito bem ter sido um modelo para tudo o que ele conhecia.

- Sou Carter Stewart, a pessoa que deve mostrar a você o campus e o apartamento", ela se apresentou, aproximando-se dele.

E então tudo ficou claro na mente de Ronaldo. Ele se lembrou das palavras do Reitor Pattern, quando ele lhe explicou que, no final daquela primeira semana, quando ele deveria se instalar, ele finalmente começaria sua nova vida.

Naquela mesma manhã, de fato, ele havia deixado o hotel onde estava hospedado. Com a mala nas mãos, caminhou pelas ruas largas da cidade, procurando a rua que abrigava seu prédio de apartamentos.

- Desculpe-me, mas me disseram que teríamos que nos encontrar em frente à entrada da universidade em - o rapaz interrompeu suas palavras, olhando para o relógio em seu pulso - quarenta e cinco minutos - concluiu, coçando a nuca.

Gotas de suor se acumulavam em sua testa, fazendo com que sua pele brilhasse ainda mais sob a luz do sol do início de setembro.

Ronaldo sempre se considerou um homem bonito. Alto, com um físico magro, mas treinado, com aqueles olhos cinzentos magnéticos e traços faciais quadrados.

Entretanto, nos últimos anos, quando nunca recebeu um reconhecimento ou uma carícia daquela que deveria ter sido sua cara-metade, ele começou a duvidar de si mesmo.

- É verdade... mas eu me levantei mais cedo do que o planejado e pensei em continuar", ele se justificou.

- Não tem problema", Carter sorriu novamente, tentando ser amigável. - Vamos, tenho o carro estacionado aqui atrás", convidou com um aceno de mão.

Ronaldo rapidamente pegou a mala e o seguiu. Ele não imaginava que faria tanto calor aqui em Massachusetts, por isso sua bagagem estava cheia de roupas quentes e, naquela manhã, ele havia decidido usar roupas que não eram apropriadas para aquela temperatura.

- Então, o que você acha desta humilde cidade? - perguntou o rapaz, tirando as chaves do carro do bolso do calção verde do Boston Celtics.

- Não tem nada a ver com Londres, mas talvez seja uma coisa boa", respondeu ele, deixando Carter pegar sua mala e colocá-la no porta-malas do belo carro esportivo.

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