Capítulo 2
Ele estava certo, aceitar esse pedido de transferência teria acrescentado muitos pontos ao seu currículo. E ser reconhecido como o melhor em sua área não era algo em que ele jamais pensara.
Ronaldo ansiava pela perfeição e sempre tentava ser o melhor no que fazia. Ir lecionar em Harvard, depois de mais de seis anos na Universidade de Oxford, o colocaria no topo da lista dos professores mais conhecidos e qualificados.
-Você está certo quanto a isso. Mas também é verdade que toda a minha vida está aqui, e não do outro lado do Atlântico", respondeu ele, no momento em que seu lado racional decidiu voltar à ativa, acima do desejo de sucesso.
O reitor guardou a caneta e olhou para ele com seriedade. - Então você está me dizendo que prefere permanecer nas sombras, na mediocridade, em vez de se erguer e se tornar conhecido no mundo", continuou ele, levantando-se abruptamente da cadeira e empurrando-a para trás.
- Ouça com atenção, Sr. Turner. Esposas, amor, nunca levaram você a lugar algum. Carreira, fama! exclamou ela, apontando o dedo para ele. - Olhe para mim, por exemplo, eu nunca me casei, nunca me entreguei a esses sentimentos inúteis. E veja onde estou agora", apontou, colocando as palmas das mãos na borda da escrivaninha.
Ronaldo mordeu a parte interna da bochecha, começando a mover a perna para cima e para baixo rapidamente, nervoso. Era um tique que ele sempre teve, quando se encontrava em situações desconfortáveis ou muito estressantes, movia espontaneamente a perna direita.
- Você acha que se eu tivesse colocado o amor antes do trabalho eu teria me tornado...? Lord Chris Pattern, o chanceler desta universidade? Não, eu viajei, estudei o quanto pude e lecionei nas faculdades de maior prestígio; ele continuou imperturbável nesse aspecto.
A verdade é que Pattern não queria pressioná-lo a sair porque se preocupava com sua carreira. Mas porque, se ele tivesse aceitado, isso teria trazido mais fama e reconhecimento para sua universidade. Além disso, ele já havia prometido a cadeira Turner ao filho do primeiro-ministro.
- Um dia, se você jogar bem as suas cartas, poderá ser você no meu lugar, Damien", concluiu ele, suspendendo aquela provocação final.
Todo o discurso que o reitor lhe fez não passou despercebido. Cada palavra tinha ficado em sua mente, colidindo com suas dúvidas e começando a tirar o melhor proveito delas.
A esperança de poder tomar o lugar de Pattern havia despertado nele o desejo de se envolver.
De partir e começar uma nova vida.
- Espero um telefonema seu, amanhã de manhã, o mais tardar, para confirmar ou pedir demissão - com essas palavras, ela o dispensou do escritório, colocando a mão em seu ombro e empurrando-o em direção à porta.
Ronaldo foi até a sala dos funcionários, pegou seu mackintosh bege e estava pronto para ir para casa. Ele acenou para alguns de seus colegas de classe e depois desejou boa noite ao zelador.
No momento em que seus mocassins envernizados pisaram no asfalto molhado, uma rajada de vento o atingiu no rosto, forçando-o a apertar sua jaqueta muito leve.
Ele caminhou pela rua quase deserta, passando pela cafeteria onde geralmente fazia sua pausa para o almoço.
Ao cruzar a rua principal da cidade, encontrou alguns de seus alunos, determinados a ir a um pub e aproveitar a noite com os amigos.
Algo que ele nunca havia sentido antes.
Damien sempre foi uma pessoa muito estudiosa, ansiosa por saber e aprender. Sua paixão pela literatura estava viva desde que ele era apenas uma criança.
Ele sempre preferiu um bom livro a uma saída com os amigos.
Nas palavras desses escritores, ele encontrava consolo. Quando lia esses clássicos, ele se sentia em casa. Os livros o ajudavam a fugir da realidade em que fora forçado a viver. Eles o faziam esquecer a doença de sua mãe, a exaustão de seu pai, seu pai trabalhando até a morte para sustentar seus estudos e cuidar de sua esposa. Elas o fizeram esquecer que ele se sentia completamente inútil e desamparado em sua dura situação familiar.
Muitas vezes, porém, ele quis ser como todo mundo. Para poder simplesmente ignorar os estudos e passar a noite em festas e se embebedando com os amigos.
Mas as coisas eram diferentes, impedindo-o de escolher quem ou o que ele queria ser quando crescesse.
Ele conheceu a mulher que mais tarde se tornaria sua esposa quando tinha apenas quinze anos.
A família dela era pobre, lutando para sobreviver. Já a dela era muito influente, proprietária de grandes fábricas que ajudavam a economia do país a funcionar.
Por um momento, ele se sentiu como se estivesse dentro de um daqueles livros, como se sua vida tivesse sido tomada e reescrita pela caneta de um daqueles autores que ele estudou e reestudou.
Ele, o garoto pobre e marginalizado das favelas de Londres, que roubou o coração do filho mais desejado e cobiçado. Que conseguiu enganar todos os pretendentes mais qualificados e corajosos e conquistar o amor dela. Vivendo uma história que transgredia todos os valores da família rica de onde ela vinha. Amando-se em segredo, com medo de serem descobertos por quem tinha o poder, por quem tinha o dinheiro.
Mas a verdade é que essa história clássica tomou um rumo diferente, um final inesperado. Porque a inteligência e as habilidades de Damien se mostraram tentadoras para essas pessoas, que, em vez de desprezá-lo, como era de se esperar, o acolheram em suas casas e cuidaram dele como um pobre animal indefeso.
Ocupado demais desfrutando dos privilégios com os quais sempre e somente sonhava, ele não havia notado que sua própria vida estava fluindo tão rapidamente que estava escapando por entre seus dedos, tornando-se quase inatingível.
Eles haviam decidido tudo. Forçaram o amor a duas pessoas que nem sabiam ao certo o que realmente queriam.
Com apenas 21 anos de idade, Ronaldo casou-se em uma charmosa casa de campo nos arredores de Londres. Com uma esposa que não o amava e por quem ele, por sua vez, não estava apaixonado.
Ao embarcar no trem de volta para casa, ele decidiu parar de pensar no passado. Sentou-se no primeiro assento livre e tirou o computador da pasta.
Foi assim que ele passou aquela hora da viagem, fechado em outra bolha, escrevendo o livro que, no último ano, ocupou todos os momentos livres de sua vida.
- Estou em casa! - exclamou ele, tirando os sapatos e colocando a pasta ao lado da cômoda no corredor.
- Você está atrasado", cumprimentou sua esposa, passando por ele sem sequer olhá-lo.
- O trem parou mais tarde do que o esperado no Village", ele se desculpou, juntando-se a ela na cozinha.
Ele imediatamente notou a mesa perfeitamente posta e a comida já colocada no centro dela.
Olhar para aquela cozinha de estilo inglês o fez sentir-se estranhamente irritado. Olhar para aquela mobília o fez lembrar que ele nunca teve voz ativa em seu casamento.
Ele não havia escolhido a casa, não havia participado da escolha dos móveis, das cores ou da pintura. Ele nunca teve a chance de dizer o que realmente pensava. A família de sua esposa sempre fez tudo por ele.
Porque eles tinham as finanças. Eles permitiram que ele morasse em sua própria casa e saísse daqueles bairros ruins. E também lhe haviam conseguido uma cátedra permanente em Oxford.
Portanto, afirmar-se e dizer o que queria nunca foi uma opção.
Ele se sentou na cabeceira da mesa, no lado oposto ao da esposa. - Pensei que estivéssemos jantando fora", comentou ele, servindo-se de uma porção de batatas.
Ela revirou os olhos e cutucou o assado com o garfo e a faca. - Estaríamos, se você tivesse se dignado a me avisar hoje à tarde", respondeu ela com arrogância.