Capítulo 3
*Sienna*
Esperar por London no corredor é a coisa mais triste e deprimente que já fiz. E, também, a mais assustadora.
Apesar de trabalhar em um hospital, sessenta horas por semana, tem uma coisa que eu nunca vou conseguir superar: o medo de gente morta.
É isso aí, sou do tipo deplorável de ser humano que vê um filme de terror e não consegue dormir sozinha durante uma semana. Amberly e London sabem muito bem disso, já que eu acabo sempre parando na cama de uma das duas.
Meu irmão mais velho, Jack, é quem adora filmes assim. Talvez, por isso, eu carregue todo esse passado traumático. Quando éramos crianças, Jack me obrigava a ver os filmes com ele e, depois, passava dias me dando sustos pela casa.
Ele era uma peste. Ainda é. Só que é uma peste de vinte e quatro anos contra os meus vinte e dois.
Sigo evitando filmes de terror a todo custo. Ainda assim, posso jurar que eles me perseguem. A culpa não é minha. Faço questão de evitar qualquer livro, filme, série, qualquer tipo de história que beire o suspense. Mas Hollywood está cheia disso e, com uma frequência alarmante, acabo sendo surpreendida por um psicopata mascarado carregando um machado.
Ou pior ainda, por um fantasma.
Odeio fantasmas.
Por isso, quando ouço um rangido, seguido de passos pelo corredor, estou pronta para chorar e implorar misericórdia. Então vejo Nick parado na minha frente, os pés descalços no carpete, e a minha raiva dele se transforma em uma espécie de fúria assassina.
- O que você quer, agora? Me matar de susto, peste?
Ele revira os olhos verdes incríveis.
- Você é tão mulherzinha assim? Juro que nunca imaginei. Esperava mais de você, linda.
Minha indignação explode. Não sou a pessoa mais calma no mundo. Depois de dez horas de plantão, em pé, correndo de um lado a outro para atender pessoas gemendo de dor, confesso que minha paciência já escassa foi para escanteio.
- Para de me chamar de linda. Não sou uma dessas pobre coitadas derretidas que frequentam o seu apartamento.
- Sério que você é mesmo uma dessas garotas preconceituosas? - ele balança a cabeça fingindo decepção.
- Preconceituosa, eu?
- Sim, você fica pré julgando, o tempo inteiro, as mulheres que vêm aqui. Por que elas incomodam tanto você, Sienna? Aquelas garotas são livres para fazer o que quiserem, livres para escolher como se divertirem. E com quem.
Fecho os olhos, por um breve momento, e deixo meu coração ir retomando a frequência cardíaca.
Eu poderia dizer como acho que Nicholas se aproveita da carência daquelas garotas para satisfazer o próprio ego machucado ou como é conveniente para ele se esconder atrás de uma fantasia de superstar para não ter que encarar a própria realidade. Mas não vou entrar nessa com ele, não mesmo. Seria o tipo de discussão interminável que não leva ninguém a lugar nenhum.
Além disso, estou aliviada por ter sido Nick e não um morto vivo todo desfigurado a aparecer naquele corredor.
- Deixa para lá - eu estico os músculos do meu pescoço sob o olhar taciturno dele. - O que você veio fazer aqui?
- Vim perguntar se você quer companhia - ele esclarece. - Consigo ouvir você chorando lá de dentro.
- Eu não estava chorando - nego, olhando para a tela apagada do celular na minha mão. A bateria descarregou há cerca de trinta minutos. - Era um vídeo de bebês fofos.
- Um o que?
- Vídeo de bebês fofos. Do YouTube.
Nick aperta o osso do nariz entre os dedos, quando ri.
- Certo, não importa. Por acaso, você mudou de ideia?
- Sobre ser a sua nova groupie apaixonada? Não.
- Sobre entrar no meu apartamento de maneira amigável e cem por cento não sexual - ele corrige, erguendo um dedo. - E ninguém mais diz groupie, Sienna.
Fico grata por ele ter parado com aquela história de "linda". O que me faz perceber que o meu nome na sua boca possui uma certa sonoridade, que me deixa arrepiada.
Ah, não.
De jeito nenhum.
Que horror!
A presença tóxica de Nick Russel está me contaminando. Isso ou todas essas horas de plantão estão detonando o meu cérebro. Me fazendo pensar em coisas que eu não sinto de jeito nenhum.
- Eu agradeço sinceramente, mas prefiro ficar aqui mesmo. Não é tão ruim e faltam apenas... - confiro o relógio de pulso e toda a minha convicção se esvai - ... três horas para London chegar.
Ele assente com as mãos enfiadas nos bolsos da calça. Ele trocou o jeans por um moletom folgado de cós baixo e tecido leve. Está usando uma regata preta que faz os bíceps saltarem e há uma pequena tatuagem em letras pretas: love is suck.
O amor é uma droga?
Uma onda de curiosidade me invade. O que leva alguém a tatuar algo assim? Será que ele tem outros desenhos espalhados pelo corpo?
Dou outra conferida, agora só de relance, mas não consigo encontrar nada. E eu imaginava que fosse um pré requisito básico de todo aspirante do rock ter o corpo coberto por tatuagens.
Mas a pele de Nick é uma tela em branco. Ou quase isso.
- Batatas fritas? - sua voz me traz de volta a realidade.
- O que você disse?
- Você gosta de batatas fritas?
- O que isso tem a ver? - eu olho para ele, exasperada. Os amplificadores só podem ter derretido o cérebro do sujeito.
Nick esfrega o rosto, impaciente.
- Só responde a pergunta pelo amor de Deus.
Eu suspiro, com vontade de chorar de novo.
Droga de TPM.
- Tudo bem, eu adoro batatas fritas. Satisfeito? Elas são quentinhas, salgadas e crocantes. Que ser humano normal não adoraria?
- Mas não estamos falando de um ser humano normal - ele sorri, calmo. - Estamos falando de você, linda.
Dirijo a Nick um olhar mortal, mas sua expressão é leve e descontraída. Ele está só brincando.
De repente, percebo que fiquei completamente sem alternativas. E desesperada. Porque estou prestes a tomar minha segunda decisão ruim da noite e ela está na frente de "pedir ajuda a Nicholas Russel " no ranking das péssimas ideias.
- Por acaso tem batata frita na sua casa?
O sorriso que ele abre poderia iluminar o mundo todo.
- Ah, tem, sim.
Fico olhando para ele, relutante, até que Nick estende a mão na minha direção. Sem outra opção, eu a seguro, enquanto ele me ajuda a levantar.
Depois de um plantão monstro, com um acidente de ônibus e duas ambulâncias lotadas, tudo o que eu queria era poder tomar um banho e cair na cama.
Como fui passar da segurança do meu próprio quarto para um ambiente hostil e inóspito, como o apartamento daquele projeto de subcelebridade? Era algo que eu não conseguia entender.
Paramos na porta e ele se vira para mim, com um certo ar de curiosidade.
- Por que está fazendo essa cara?
- Não acredito que estou prestes a entrar aí dentro - admito, mais envergonhada do que imaginava.
Ele me olha de cima.
- Acredite, não é o fim do mundo. Poderia ser bem pior.
- Eu duvido.
- Essa poderia ser a porta do meu quarto.
Ai.
Nick está certo.
Poderia mesmo ser muito, muito pior.
Mas tem uma outra questão nessa história. Eu estou mais do que levemente curiosa para saber os segredos que ele esconde por detrás dessa porta.