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Capítulo 2

*Sienna*

- Nick?

Ele para e se vira para mim, em câmera lenta, com a testa franzida.

- O que foi?

- Preciso de ajuda.

A expressão de satisfação nos seus olhos me faz ter vontade de voltar atrás no que eu acabei de dizer. Nick abre um sorriso de ponta a ponta, que faz surgirem covinhas ao redor da boca.

Ele leva uma das mãos a orelha em forma de concha e a raiva borbulha no meu estômago.

- Não entendi. Você pode falar mais alto? A distância não ajuda e, hoje, caiu água no meu ouvido quando eu estava no banho...

- Preciso. De. Ajuda.

O sorriso enorme no seu rosto me faz lembrar o gato da Alice. Nick corre os dedos pelo cabelo, mandando os fios pretos e grossos de volta para trás. Mas eles caem de novo na sua testa e ele não parece se incomodar. Meu cabelo também é escuro, muito mais longo do que o dele, e quase sempre eu o mantenho preso em um rabo de cavalo. Acho que tenho um total de zero paciência comparado ao de Nicholas.

Enquanto caminha para mim, propositalmente devagar, os meus olhos percorrem seu corpo contra minha vontade.

Nick é esguio e musculoso. Tem pelo menos vinte centímetros a mais do que eu, mas apesar dos braços e pernas inacreditavelmente longos, não parece nem um pouco desajustado. É o estereótipo perfeito do músico boa pinta e fracassado, que se vale dos seus atributos físicos para não precisar fazer qualquer esforço.

O que, na minha opinião, é burrice. Porque, convenhamos, algm dia, todos nós vamos envelhecer e para onde sua beleza vai, afinal? Um buraco fundo a sete palmos da terra. Só que ele não pensa assim, é óbvio. Está na cara que se julga superior aos meros mortais. Um deus contemporâneo da guitarra elétrica.

Outra vez, tenho vontade de desistir e voltar atrás no que eu acabei de dizer. Última chance, neu cérebro apita. Mas a verdade é que só a ideia de atravessar a noite naquele corredor asqueroso me dá arrepios. Qualquer coisa é melhor do que aquilo. 

Qualquer coisa.

Eu engulo em seco. Minha cara deve estar mesmo péssima, porque o gelo nos olhos dele se derrete um pouquinho.

- Sei que você não gosta de mim, nem tem motivos para gostar. Não temos nada em comum e é óbvio que não somos amigos. Mas eu gostaria de saber quais as chances reais de você me ajudar a abrir essa porta e não passar uma noite horrível que vai me dar pesadelos pelo resto da vida.

Nick fica calado por tanto tempo que eu levo em consideração a possibilidade de ter explodido seu único neurônio com o meu discurso imenso.

Quando ele, finalmente, abre a boca, sua voz sai baixa e vacilante.

- Não tem outro lugar para ir mesmo?

Eu balanço a cabeça em silêncio.

Ele faz uma careta, coçando o rosto coberto por uma barba rala. Eu podia apostar que aquilo pinicava no calor. London tem uma queda por caras de barba. Ela diz que faz cócegas... lá embaixo.

Não quero saber. Não ligo a mínima, desde que ele me ajude.

- Então, linda – ele começa e eu trinco os dentes, me controlando ao máximo. – Eu faço um péssimo serviço de chaveiro. E, apesar da cara de mau, que as garotas adoram, eu nunca arrombei uma porta em toda a minha vida, juro por Deus.

- Então, você não pode me ajudar.

Não é uma pergunta, mas a constatação de um fato.

Eu me encosto na porta, arrasada, e escorrego até o chão. Sentada, pernas encolhidas, encaro o carpete com manchas de umidade. Eu sabia que deveria ter investido uma grana maior ao decidir alugar um apartamento. Mas a verdade é que mesmo dividindo o aluguel com mais duas pessoas, aquele era o único lugar que eu podia pagar.

Isso não quer dizer que não era horrível. Um prédio de três andares caindo aos pedaços do lado ruim da cidade. O elevador estava quebrado pelo menos desde que eu me mudei e, há algumas semanas, quase caí nas escadas quando o corrimão desmoronou.

Sempre que os meus pais tentavam marcar uma visita, eu inventava uma desculpa. Eles achavam que eu vivia em algum lugar simples, mas minimamente decente. Só que morar em um lugar minimamente decente exigiria abrir mão de guardar o dinheiro necessário para a faculdade de enfermagem.

E eu não estava disposta a abrir mão daquele projeto de jeito nenhum.

Os segundos vão se passando lentamente. Não preciso olhar dentro da bolsa para saber que a bateria do celular está quase descarregada. Portanto, sei que não vou ter companhia a não ser as vozes dentro da minha cabeça.

- Levanta daí - a voz arrastada de Nick me obriga a levantar o rosto.

Ele está me encarando, os braços ainda cruzados, e um ar de quem acabou de ter a bagagem trocada no aeroporto. Não está nada satisfeito. Só que quem está com a bunda encostada na umidade sou eu, por isso não tenho a menor pena dele.

- Por que? Por que tenho que levantar?

- Porque vou fazer uma coisa por você.

- Que tipo de coisa?

- Presta atenção - ele suspira, entediado. - Não vou deixar você passar a noite ao relento, tudo bem? Nem sentada nessa relíquia fedorenta de duzentos anos.

A generosidade dele é tão grande que, aliado ao fato de que estou de TPM, sinto até vontade de chorar.

- E em que você pensou?

Nick leva a mão fechada a boca e emite um pigarro com ar solene.

- Vou deixar você passar a noite comigo no meu apartamento.

Depois do choque inicial, a irritação reverbera pela minha coluna. Não posso acreditar no que acabei de ouvir. Que idiota! Como fui acreditar que Nicholas Russel seria capaz de oferecer seus préstimos sem tirar algum proveito disso?

- Então é essa é a sua solução?

- E o que mais você esperava?

- Não sei. Alguma coisa mais original? É assim que arrasta essas pobres coitadas para a sua cama, com essa conversa fiada de "vou ajudar você e blá blá blá"?

Os olhos dele se acendem. Ele abre aquele sorriso torto arranca calcinhas que eu acho tão irritante.

- Poxa vida, gata! Você partiu o meu coração legal, agora. Quanta ingratidão. Achei que a gente teve uma conexão profunda de verdade aqui. Uma coisa incrível rolando.

- Não teve coisa nenhuma rolando - eu resmungo.

- Você anda meio tensa, não é? Mas sexo comigo é muito relaxante, vai ficar tudo bem.

- Jura? Eu dispenso.

Nick revira os olhos com um ar de tédio mortal.

- Eu estava só brincando, Sienna. Você não entende mesmo a diferença entre uma verdade e uma piada?

- Eu sei o que é uma piada. Você é uma piada - digo, com raiva e vergonha. - E obrigada de novo pela sua encenação teatral de alguém decente disposto a me ajudar de verdade. Agora, com licença.

- Com licença por que? Vai entrar na sua casa? - que ódio! Por que eu quis pedir mesmo a ajuda dele? - Então não vai aceitar minha oferta?

- Não.

- Que pena - ele suspira. Então gira sobre os calcanhares na direção do seu apartamento. - Tenham uma boa noite... você e o senhor Mofo.

Mal posso acreditar quando vejo que ele está mesmo entrando no seu apartamento.

Quando a porta bate e eu fico sozinha, abraçada aos meus joelhos, uma sensação horrível me invade. Fecho os olhos para não ver as sombras de uma árvore, que entram pelas janelas, dançando pelas  paredes.

London e Amberly têm razão. Sou mesmo uma medrosa.

E vou passar a pior noite da minha vida. 

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