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Capítulo 3

Um brinde a mim e foda-se.

Não paro nem quando o vejo voltar, encostado nos móveis em frente à cama, com as mãos nos bolsos, os pés cruzados e uma expressão estranha no rosto.

Cético.

Confuso.

E não o culpo, porque é a primeira vez que me deixo levar assim e talvez eu também faça papel de boba, com certeza.

Mas é quando percebo que o canto de seus lábios se levanta e seu pé esquerdo bate no ritmo da música que sorrio de volta para quem me deu tantos hoje.

Estou exausto.

E brilha um pouco.

Mas muito mais leve.

A última vez que dancei assim tinha vinte e dois anos.

Eu tinha acabado de me formar e, pouco antes de entrar em casa, passei para comprar uma garrafa de vinho.

Dancei a noite toda, sozinho com meu aparelho de som, naquelas quatro paredes do meu quarto.

Deus, que memória vergonhosa.

E bastante deprimente.

- Aqui. -

Levanto a cabeça acima do travesseiro e vejo uma caneca grande cheia de café.

- Exatamente o que precisávamos, obrigado. - agarro-o, sentando-me e apoiando os ombros na cabeceira da cama.

Ele não fala nada e senta no sofá enquanto acende outro cigarro e também toma seu café.

Em uma hora você terá pelo menos seis vapores.

Do sorriso dele?

Apenas uma memória distante.

A única coisa que fez foi sair até a varanda e ver as horas.

- Está nervoso? - pergunto sem pensar.

Ele levanta os olhos do copo que cobre seus lábios e, depois de lambê-los lentamente, coloca-o de volta no móvel, me ignorando.

O oposto me pareceu estranho.

Trago os joelhos até o peito e coloco a cabeça entre eles, bufando.

- Um pouco'. - ele finalmente responde, me surpreendendo.

Faça ou pare.

- Como? - Me atrevo.

Ele levanta uma sobrancelha e franze a outra, como se quisesse me fazer entender que eu seria um tolo se esperasse sua resposta.

Mas não desta vez.

Imitei a própria expressão dele - Não adianta me olhar desse jeito, eu também estou nessa situação e realmente acho que é hora de você me dar algumas explicações. -

Encontramo-nos durante alguns segundos, ou minutos, com o olhar fixo no outro.

Como o suspense dos cowboys antes de pegarem na arma.

Sinto muito, mas não vou perder esse desafio.

E me alegro internamente quando o vejo bufar e fechar as pálpebras.

- O que você quer saber? Por que você está nervoso ou por que estamos aqui? - ele pergunta apagando o cigarro no copo agora vazio.

Na verdade, ambos.

- O que é este lugar? -

Levante um lado dos lábios, apoiando os cotovelos acima dos joelhos abertos.

- É uma espécie de refúgio, a casa de todos aqueles que acabariam na prisão ou numa clínica psiquiátrica. - Ele me olha, cruzando as mãos sob o queixo.

Ele parece estar esperando pela minha reação.

E para ser sincero, essas palavras me incomodaram um pouco, mas não quero que ele saiba.

- E o que eles estão fazendo... aqui? - estico a voz para esconder o tremor.

- Eles dão rédea solta à sua loucura, ao seu lado perverso, aos seus vícios. Eles se sentem livres para fazer isso. -

Eu franzo a testa - Mas não é ilegal? -

- É, mas graças ao Yoshida, nos últimos dez anos, a criminalidade no Japão diminuiu %. -

Isso me parece muito ridículo.

- Alguém sabe sobre isso? - Caramba, ainda é um hotel acessível a todos!

- Na recepção existem funcionários qualificados que permitem a estadia apenas a quem esteja acompanhado por alguém que dela faça parte. -

Abro minhas pálpebras.

Ele me acompanhou, então...

- V-você faz parte disso? - Gaguejo e desta vez não me importo de parecer preocupado.

- Até alguns meses atrás, sim. -

Oh.

Bom.

Muitas, muitas perguntas começam a girar na minha cabeça.

Um viciado em drogas, uma pessoa depravada, uma pessoa louca.

Em quais categorias ele se enquadrará?

- E você foi embora... por que motivo? - pergunto, colocando um cadeado atrás da orelha.

Ele me encara enquanto permanece em silêncio.

- Quando percebi que não era o lugar certo para mim, saí, -

Não foi exatamente o que eu pedi.

- Porém, você também pode descansar se quiser, ainda faltam três horas para a consulta. - ele me informa, levantando-se.

Ele quer encerrar a conversa.

Eu também me levanto, meio sem jeito, mas ainda consigo bloquear seu braço antes que ele saia para a varanda.

Ele vira a cabeça franzindo a testa e o cigarro preso entre os lábios - O que é isso? -

- Ainda não terminamos. - Eu aperto meus olhos.

- Escute - ele se vira, apoiando um ombro na parede - acho que você entendeu que não sou um amigo, nem mesmo um conhecido com quem você possa bater um simples papo. -

- Estou errado ou foi você quem me disse para confiar em você, Rui? – Endureço o olhar – Como você espera que eu me importe se não me permite ter uma “simples conversa”. - mime entre aspas.

Ele chega perigosamente perto do meu rosto, mas não desisto.

Antes que ele possa falar, tiro o cigarro de seus lábios, jogo na cama e me aproximo dele também, erguendo o queixo para mostrar-lhe minha determinação - Quem é Ikeda? -

Inicialmente eu o vejo alargar as narinas por causa do cigarro roubado e depois suas íris se arregalam.

Eu não esperava essa pergunta, mas desde que ouvi Nakamura chamá-lo, ela tem me assombrado.

- Ninguém importante. - começa a se afastar.

Agora isso realmente me quebrou.

Agarro-o pela camisa e faço-o encostar os dois ombros na parede - Diga-me por que aquele canalha te chamou assim. -

Ele me agarra e aperta meus pulsos com força - Porque essa é a porra do meu sobrenome! - ele sibila entre os dentes.

Eu afrouxo meu aperto e deixo meus braços caírem ao lado do corpo - C-como? - Eu sussurro.

Agora ele tem a mesma confiança que eu tive recentemente.

- Então? O que mais você quer saber, hein? - Ele cospe toda a sua raiva em mim.

Coloco minhas mãos em seu peito e levanto meus olhos para encontrar os dele, mais negros do que nunca.

- Por que você mudou? -

Aperte a mandíbula – porque isso me deixa doente. - ele diz olhando para seus antebraços.

Observo também aquele ponto que ele começou a esfregar com a ponta dos dedos e aí encontro a resposta.

Nas veias.

Eu pego suas mãos nas minhas e as aperto com força, embora ele esteja olhando para mim com sua carranca irritada.

Começo a acariciar seus dedos e fico fascinado.

Castanho, longo, áspero e o bisel branco é bem visível nas unhas.

Cheio de anéis.

Elas são bonitas.

- Se você quer dizer o seu sangue, eu te entendo muito bem – digo olhando para ele.

Respiro fundo - também sinto o mesmo, sabendo que aqui corre o mesmo sangue daquele que escolheu me abandonar - balanço a cabeça, fazendo uma careta - Isso me perturba. -

Sinto-me sendo empurrado para frente e ele se senta na cadeira e dá tapinhas nos joelhos.

Ele está me convidando para sentar nele?

Bipolaridade: evitar.

Não sei por que, mas me pego obedecendo e, colocando uma mecha atrás da orelha, sento de lado em cima dele.

- Aos onze anos foi para uma clínica para alcoólatras. - Marquei um ponto na sala.

As palavras saem de mim automaticamente.

E eles não estão tão mal quanto eu pensava.

- Ele não suportou a perda da minha mãe e é como se eu também tivesse morrido por ele. - Olho para baixo, cerrando os punhos acima das coxas.

Ok, pensei errado.

Apoie o cotovelo em cima do apoio de braço e uma mão sob o queixo.

Ele olha para mim.

Espere que ele continue.

Eu nem deveria falar certas coisas para ele, porque ele é o primeiro a calar a boca e não merece.

Mas a diferença é que eu quero e tenho vontade de fazer isso.

Pare de lembrar com dor.

E é o calor do seu corpo sob o meu, a sua presença e o seu silêncio que me levam a continuar.

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