6. A escolha
||Avignon, França
Laure Lavigne tinha vinte e sete anos, a pele branca, olhos azuis, e cabelos louros e longos. Fisicamente, era a imagem idealizada da mulher francesa, mas ela era mais que um rostinho bonito.
Se casara aos dezoito, com seu primeiro amor, mas o casamento não durou mais que quatro anos, quando ela descobriu que não poderia ter filhos, por ser estéril. Seu marido não lidou bem com isso, e pediu o divórcio. Ela não tentou convencê-lo a mudar de ideia, nem propôs qualquer tratamento alternativo ou adoção.
Se dedicou por completo a sua carreira como enfermeira. Já que nunca teria um filho, seria como uma mãe para todas as crianças que tivesse de cuidar. Infelizmente, nem todas resistiam ao câncer e faleciam. Algumas, abandonadas pela própria família, outras, eram órfãs. Laure sempre sofria quando uma delas perdia para a doença, assim, como sorria quando uma delas conseguia se recuperar.
A doutora Rafaela Arcangeli presenciou Laure sofrendo, certa vez, por um garotinho que não resistiu. Rafaela se aproximou e tocou o ombro da enfermeira.
— Não fique triste? Ele está em um lugar melhor, agora. — Rafaela disse, sorrindo. — Deus quis que essa criança, como o anjinho que era, fosse para o céu. Vamos sentir falta dela, é verdade, mas ela está nos braços do Pai, agora, e está segura e feliz. Não se sente mais abandonada.
— Eu sei, mas, ainda assim, não posso deixar de lamentar pela vida que ela poderia ter tido, as coisas que poderia ter feito. — Laure disse.
— E como você sabe se ela já não fez tudo o que estava destinada a fazer? Os caminhos de Deus são misteriosos, mas uma coisa, eu lhe asseguro, nada é por acaso. As pessoas surgem em nossas vidas para nos ensinar algo, ou então, aprender… E quando nos deixam, é porque já cumpriram esse papel. — Rafaela disse. — O que você aprendeu com o Simon?
— Ele estava sempre sorrindo e brincando, mesmo quando se sentia fraco. — Laure respondeu.
— O que acha que ele te ensinou? — Rafaela perguntou.
— Acho que… A sorrir sempre, se não por mim, pelos outros. — Falou Laure.
— Porque se, com seu sorriso, você puder iluminar alguém, já terá feito algo bom. Um sorriso é mais do que parece. Para essas crianças é tudo. — Rafaela disse.
— Tem razão. Elas não podem me ver chorando. — Laure enxugou as suas lágrimas com as costas das mãos.
— Você tem filhos? — Rafaela perguntou.
— Não, infelizmente, não. — Respondeu Laure chateada.
— Oh, é claro que não. Que pergunta mais boba, a minha. Você é jovem, ainda. — Rafaela riu, sem graça. — Mas tenho certeza de que, algum dia, será uma boa mãe.
— Eu gostaria muito, doutora, mas não posso ter filhos próprios. Sou estéril. — Falou Laure.
— Quem disse? — Rafaela inquiriu, incrédula.
— Os médicos, quem mais?! — Laure disse.
Rafaela riu e balançou a cabeça.
— E então, você aceitou isso, simplesmente?
— O que eu podia fazer? Inseminação artificial? — Laure deu de ombros. — Talvez, recorra a isso.
— Não. Você confia muito nos homens, quando deveria confiar mais em Deus, porque para o Senhor, nada é impossível. Ele fez Sara, que era estéril, conceber aos noventa anos, por que não poderia lhe conceder também a graça da maternidade? — Rafaela disse. — Você pediu para Deus? Porque se não pediu, deveria tentar.
— Acha que eu preciso mesmo? Que Deus não vê minha aflição? — Laure disse.
— Sim, ele vê, mas não interfere no seu livre arbítrio. Pedir ajuda é uma escolha SUA! Ele sabe o que você precisa, mas só te dará, se você pedir. Porque se você não pedir, é porque não deseja, realmente. — Falou Rafaela.
A doutora saiu, e deixou a enfermeira, pensativa. Será que Rafaela tinha razão, e que Laure deveria tentar?
||Tóquio, Japão
Imada Keiko ficou muito assustada quando o anjo Jofiel tentou convencê-la a gerar um anjo. Ela o interpretou errado e, pensou que ele fosse um anjo caído ou um demônio a tentar enganá-la, e tentou expulsá-lo, com uma prece. A garota nem era do tipo que rezava, exceto, quando ficava assustada, como estava naquele momento. Ela era jovem, ainda, quatorze anos, mas estava longe de ser ingênua. Era membro de uma gangue feminina. Órfã, fugira do orfanato e cometera alguns crimes, até ser encontrada pela líder de uma gangue, que a achara bonitinha e, com potencial para ludibriar idiotas e bater suas carteiras.
Jofiel se aproximou de Imada, disfarçado como uma garota de nove anos, e apresentou-se como Okakura Miyoko. Keiko sempre comprava pão e doces para dar a "garotinha", que era uma órfã como ela, e dessa forma, elas se aproximaram.
Keiko tentava ensinar Miyoko a se tornar uma ladra, com a promessa de integrá-la na gangue, mas sempre que mandava a menina roubar algo, ela simplesmente se aproximava de seu alvo e lhe pedia educadamente por um pouco de dinheiro. Algumas pessoas negavam, claro, mas outras, lhe davam algumas moedas. Miyoko dizia que roubar era errado. Keiko dizia que ela era estúpida, e que nunca deixaria a caixa de papelão em que dormia, se não abrisse o olho e pegasse a “manhã”.
Keiko não entendia como ninguém, nunca tentou abusar da garotinha, mas o que não imaginava, era que, a garotinha era um anjo e podia escolher como se mostrava a qualquer pessoa. Dessa forma, ela seria um velho repugnante para uns, um gangster perigoso para outros, e uma garotinha para Keiko.
Uma noite, Keiko foi levar algo para a garotinha comer, e a flagrou lutando com dois homens. Os homens eram adolescentes. Um tinha os cabelos azuis, e o outro, vermelhos. Mas cabelos coloridos eram comuns no país, o que chamou a atenção de Keiko, foram as asas que os homens possuíam. Eles saltavam, giravam no ar, e se moviam tão velozes quanto o vento enquanto tentavam ferir Miyoko com adagas prateadas. Miyoko lutava com a mesma habilidade que eles, e também possuía asas.
Keiko se escondeu atrás de uma lata de lixo, e assistiu a luta, estupefata. Miyoko derrotou os dois homens e os matou. Keiko recuou, devagar, sem olhar para trás, pensando em fugir, mas pisou em uma lata de refrigerante, e o barulho atraiu a atenção de Miyoko, que agitou as asas e virou o rosto, antes de saltar como um foguete, desaparecendo no ar. Keiko se virou para correr, e deu de cara com Miyoko.
||Avignon – França
Laure voltava da casa, depois do trabalho, quando passou em frente a uma igreja e se lembrou da conversa que teve com Rafaela. Entrou na igreja, acendeu uma vela, fez o sinal da cruz, diante da imagem de Jesus Cristo, e se ajoelhou, orando com todo o seu coração, pediu pelo milagre de se tornar mãe. Disse que não se importava se seu filho não fosse perfeito, nem que não chegasse a idade adulta, ela só queria a chance de amar uma criança, que poderia chamar de sua.
O arcanjo Rafael apareceu atrás dela e tocou seu ombro, ela não o viu, apenas o sentiu em forma de Paz.
— Você terá uma filha, e a verá crescer e trazer paz, cura e esperança a todos a seu redor. Ela será linda e bondosa como você, eu juro. — Rafael a abraçou, sorrindo, e ela teve a certeza de que sua prece, não apenas foi ouvida, como seria atendida.
O padre veio, mas parou ao ver a jovem enfermeira, ajoelhada diante do altar, sorrindo, emocionada. E ao redor dela, havia uma luz com o contorno perfeito de um ser alado a abraçando. O padre não teve dúvidas de que aquilo era obra do divino, e fez o sinal da cruz, recuando.
||Tóquio – Japão
Miyoko tentou explicar a Keiko que era um anjo do Senhor, e que só queria lhe dar um propósito, tirá-la da miséria e violência em que vivia, e em troca, só pedia que ela concordasse em se tornar a mãe de um anjo celeste. Keiko não aceitou, disse que não estava preparada para a responsabilidade, e que o anjo não poderia obrigá-la. Ele disse que ela estava certa, que ele respeitaria o seu livre arbítrio, mas pediu que ela o deixasse fazer algo para ajudá-la. A garota se sentiu tentada a aceitar, mas seu medo falou mais alto, e ela fugiu.
Voltou para a base de sua gangue, e se trancou em seu quarto chorando. Sua líder, Amitiel, veio ver o que ela tinha, mas quando lhe perguntou, a garota mentiu, dizendo que fora assediada por um pervertido. Amitiel a agarrou pelo pulso, com força, e a confrontou:
— Não pode mentir pra mim! Eu fui o arcanjo da verdade, antes de cair!
Keiko arregalou os olhos, alarmada.
— Você foi estúpida em dizer "não" a Jofiel. Ele, realmente te daria o paraíso, e você seria a mãe de um adorável querubim, mas sabe? — Amitiel sorriu, com malícia. — Talvez, tenha sido o destino. Você não será a mãe de um querubim, mas de um nefilim.
— Não! Nem ferrando! — Keiko tentou puxar o braço, mas se deu conta de que Amitiel era mais forte.
Amitiel revelou as asas negras, que até então, mantinha ocultas, e gargalhou.
— Confesso que senti vontade de fazer isso desde a primeira vez que te vi, garotinha. — Amitiel arrastou Keiko até a cama e a dominou, facilmente, rasgando sua blusa. Keiko gritou, mas nenhuma das garotas que a ouviu, se atreveu a tentar socorrê-la, pois a última que a enfrentou, foi esquartejada e teve os pedaços espalhados por todo o prédio, para servir de exemplo as outras.