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5. Protegida

||Nápoles, Itália

Lucrezia Lovato apressou os passos e se xingou mentalmente por usar justamente aquele par de escarpins que apertavam seus dedos sem piedade, mas, ainda que fossem desconfortáveis, eram lindos. Vermelho, sua cor favorita. Combinavam com seu terninho preto. Ela chegou atrasada à aula e pediu licença ao professor, antes de entrar e se sentar ao lado de sua melhor amiga.

— Se atrasou novamente. — Sua amiga disse.

— Eu sei, Michele. — Lucrezia disse, abrindo sua apostila.

— Foi o despertador? — Michele perguntou.

Lucrezia riu, balançando a cabeça.

— Não. Adalio.

— Oh. — Michele ficou vermelha, e Lucrezia achou engraçado.

— Desculpe? É que me esqueço que você é… Virgem. — Lucrezia disse. — Como você consegue, sendo tão gata?

— É uma escolha. — Michele apertou o crucifixo que trazia em seu pescoço.

— Eu tentei ao máximo me manter como você, mas… Acho que fiz por amor. — Lucrezia disse.

 Ela era uma moça bonita, com cabelo castanho claro, com uma franja, e olhos azuis. Parecia segura de suas atitudes, mas era um poço de insegurança e incerteza. Estava no segundo ano de Direito, mas começava a se arrepender por não ter escolhido Jornalismo.

Seu namorado, Adalio, era um idiota, mas ela se negava a enxergá-lo como ele verdadeiramente era.

Lucrezia era ingênua, mas estava longe de ser uma mulher fútil. Sempre envolvida com causas nobres e comunitárias. Ela não perdia a fé nas pessoas, e a esperança de um mundo melhor. Mas se ela cuidava dos outros, não cuidava de si mesma como deveria.

Michele e ela eram colegas de quarto, e se davam muito bem. Lucrezia dividia todos os seus sonhos, planos e medos com a amiga.

Michele era doce e com uma aparência angelical. O cabelo castanho escuro e longo emoldurava seu rosto de traços finos. Seus olhos eram azuis e serenos. Mesmo que a primeira vista não convencesse como estudante de Direito, bastava lhe ver em ação, para concluir que nunca haveria uma futura advogada tão boa.

Michele era o tipo de moça que muitas mães adorariam ter como filha. Não ia a festas. Não bebia, nem fumava. Jamais dizia um palavrão. Ia a missa todos os domingos, e passava o tempo lendo um livro após o outro, quando não ajudava Lucrezia em trabalhos comunitários.

Lucrezia e Michele se encontraram mais tarde no quarto, e Michele não pode deixar de notar que Lucrezia estava distraída.

— Você está bem? Se estiver com algum problema, sabe que pode confiar em mim. Não sabe?

— Como católica, você acredita em anjos, não acredita? — Lucrezia disse, encarando Michele.

— Sim, claro que sim. Os anjos existem e estão entre nós. — Michele sorriu.

— Eu não quero que pense que sou uma pervertida, ou que vi muitos filmes bobos, mas noite passada, tive um sonho estranho. Sonhei com o arcanjo Miguel. — Falou Lucrezia.

— E o que há de pervertido nisso? — Michele perguntou sem entender.

Lucrezia sorriu com certa malícia, a qual pouco abalava Michele.

— Ele era um homem lindo, moreno, alto, com olhos azuis e cabelos negros, e usava um terno.

Michele riu.

— Então é assim que você imagina um arcanjo? Sim, com certeza é pervertido. Não sei se quero saber dos detalhes.

— Ah, para. — Lucrezia riu. — Não aconteceu nada. Quer dizer…

Michele mordeu o lápis, com uma expressão confusa no rosto.

— Ele disse que eu era uma boa moça, que me preocupava mais com os outros que comigo mesma, e que eu podia fazer ainda mais por meus semelhantes, que poderia trazer um pouco de luz a esse mundo, se aceitasse dar à luz a um anjo. — Contou Lucrezia.

— E você aceitou? — Michele perguntou.

— Claro que sim. Disse a ele que faria qualquer coisa que me pedisse porque confio plenamente nele, e é verdade. — Lucrezia sorriu e tocou a própria barriga. — Pode achar que estou louca, mas eu acredito que esse sonho foi real. De alguma forma, fui escolhida.

Miguel veio outras vezes nos sonhos de Lucrezia e passou a lhe dar instruções que não deveriam ser ignoradas. A primeira foi romper com Adalio, o que ela fez sem lamentar, afinal, seu coração já tinha um novo dono, Miguel.

Tanto os pais de Lucrezia, quanto seus professores e colegas da universidade, notaram um certo desequilíbrio mental, pois ela mudou da água pro vinho, e desenvolveu uma obsessão por anjos, colecionando bibelôs e livros sobre eles.

Quando ela surpreendeu com a novidade da gravidez, todos ficaram curiosos para descobrir quem era o tal Miguel, digno de ostentar o título de anjo. Imaginavam que era um homem lindo, e provavelmente, de outro curso. Foi o que pensaram, até se convencerem de que, talvez, não fosse alguém especial, apenas alguém.

Lucrezia passou a ser vista falando sozinha e rindo do nada. Faltava a maior parte das aulas, e estava quase sempre aérea. Michele se preocupou, claro.

— Acho que você não estava pronta para ser mãe. — Michele disse ao se aproximar da amiga, que estava parada em frente à janela, observando as nuvens.

Lucrezia encarou Michele por um tempo e tocou sua face, antes de sorrir, e abraçá-la, emocionada.

— Quando Miguel disse que eu podia confiar em você, pensei que fosse porque você é uma pessoa de fé, a única que não me olha como se eu estivesse maluca, mas ele só disse isso, porque ele… É você. — Lucrezia recuou, encarando Michele.

A mãe de Michele, que estava parada na porta, balançou a cabeça, chateada. Certa de que a filha enlouquecera de vez. Michele encarou a mãe de Lucrezia, antes de se voltar a amiga e avisá-la da presença da mãe.

— Ah, mamãe! — Lucrezia recebeu a mãe com um abraço caloroso.

Michele saiu do quarto para deixar as duas à vontade, mas não foi longe. Sentou-se no banco no corredor, com fones nos ouvidos. Lilium era o que ouvia. Ópera era a perfeição em forma de música.

Rosália gostou de encontrar Michele, logo, após deixar o quarto da filha, e foi até onde ela estava e sentou-se ao seu lado. Michele tirou os fones e se voltou a Rosália.

— Meu marido e eu tomamos uma decisão por Lucrezia. Vamos interná-la em um hospital psiquiátrico, e depois que a criança nascer, a entregaremos a adoção. Nossa filha ainda é jovem, e caso se cure, tem toda uma vida pela frente. Não acho certo que desperdice por um bastardo. Amanhã, viremos buscá-la. Você poderia ajudá-la a arrumar suas coisas?

— Sim, claro. — Michele disse.

— Peço que seja discreta, por favor? Ninguém precisa saber, e ela passará alguns dias conosco antes de a internarmos. — Rosália disse.

— Sim, senhora Lovato. Pode contar com a minha discrição. — Falou Michele.

— Ah, como eu queria que a minha filha fosse como você. — Rosália disse, antes de se levantar e ir.

Michele voltou ao quarto e encontrou Lucrezia fazendo a mala enquanto cantava uma das músicas de Elvis Presley, animada. Ótimo. Isso pouparia muito tempo.

— Eu te ajudo. — Falou Michele.

Lucrezia sorriu para ela.

Depois de ajudar Lucrezia com sua mala, Michele também fez a sua, apressada.

— Você também vai a algum lugar?

Michele se aproximou de Lucrezia e a segurou gentilmente pelos ombros, encarando-a.

— O quanto você confia em mim?

— Você sabe… Anjo. — Lucrezia tocou o rosto dela, totalmente encantada. — Com todo o meu ser.

— Você está certa, eu sou Miguel, e preciso levá-la para um lugar seguro, agora mesmo. — Falou Michele.

— Eu vou com você, mas só se me deixar tocar nas suas asas? — Lucrezia disse.

— Não temos tempo para isso! Preciso tirá-la daqui enquanto posso. — Michele disse.

— Não vou a lugar algum se você não me provar que é quem diz ser. Miguel me alertou sobre os anjos caídos que poderiam vir atrás de mim. — Falou Lucrezia.

Michele suspirou e recuou, irritada, então, o quarto se iluminou com uma luz ofuscante e Lucrezia teve de espiar por entre os dedos, mas viu as asas de Michele. A luz diminuiu de intensidade até Lucrezia afastar a mão do rosto, e se aproximar, maravilhada com a visão que presenciava. Devagar tocou a asa branca e macia do arcanjo e apreciou a sensação. Michele envolveu a cintura dela, delicadamente. Seus rostos ficaram tão próximos que podiam sentir a respiração uma da outra. Michele sorriu de forma doce e moveu as asas, cobrindo Lucrezia com elas.

— Feche os olhos? — Pediu Michele num sussurro, encostando a testa na dela.

Lucrezia fechou os olhos e deixou-se dominar pela paz que a envolveu como em um doce sonho. A luz vinda do arcanjo se intensificou a ponto de causar a ilusão que todo o quarto fora tragado por uma imensidão branca. E em menos de um minuto a luz se apagou. Lucrezia e o arcanjo já não estavam mais lá.

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