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4. Arrependido

Kayla não deixou o quarto desde que chegou, e aquilo deveria ter incomodado Uriel, no entanto, ele sabia que a garota precisava de um tempo para absorver as coisas. Tudo ainda era recente, e por isso, assustador, a gravidez, a mudança, etc. Ele sabia que deveria esclarecer as coisas, porque ela estava assustada por acreditar que agora se tornara algum tipo de escrava sexual, mas ele precisava ir com calma, ou ferraria com a sanidade mental dela.

Kayla se acalmaria quando fosse levada ao deserto porque lá estaria em boas mãos, e em contato com outras jovens como ela, bem… Isso se ela não pensasse que terminara como vítima de um esquema sombrio. Mas não era isso mesmo? Um esquema sombrio? Sim, era isso mesmo.

Uriel jantava, quando Lisariel veio, nervosa, e disse que Kayla não estava no quarto e em nenhum outro lugar da casa.

— Tem certeza? Ela não pode ter fugido! — Uriel se levantou e procurou a garota por toda a casa. Lisariel o ajudou, ainda que tivesse certeza de que só perdiam tempo com a busca, porque a garota fugira de fato. Se separaram para procurar e se reencontraram embaixo da escada, quando não obtiveram êxito em sua busca.

Uriel passou a mão na cabeça, irritado. Lisariel notou que os olhos dele assumiram uma coloração violeta, e recuou, temendo sofrer alguma retaliação por não ter vigiado a garota.

— Onde essa tola pode ter ido? — Uriel perguntou-se, e então se lembrou que só havia um lugar onde Kayla se sentia segura. — Eu já sei! — Uriel subiu as escadas, rapidamente, tirando a gravata.

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Kayla tremia embaixo da tempestade que caia com força. Estava assustada, e achava que a qualquer momento, Uriel apareceria e a arrastaria de volta para sua casa, onde, mesmo que ela gritasse, ninguém a socorreria, porque não a ouviriam gritar. Kayla voltou para o trailer da mãe, mesmo que soubesse que aquele seria o primeiro lugar onde Uriel procuraria por ela. A garota tinha esperança de que encontraria sua mãe arrependida, e elas se abraçariam e chorariam juntas, antes de fugirem daquela cidade maldita, mas a visão que teve ao se aproximar, fez seu coração disparar e as lágrimas verterem como nunca. O trailer fora destruído e a sua mãe estava caída a alguns metros, a encarando com uma expressão congelada que era um misto de terror e dor. A garganta cortada.

— Não! Mãe? — A garota veio correndo e tropeçou, caindo de joelhos na grama. Engatinhou rapidamente, sujando-se com grama, lama e sangue, e abraçou o corpo da mãe. Inconsolável.

Houve um estalo no trailer e a garota virou a cabeça, rapidamente. O trailer se agitou como se estivesse sendo empurrado e então se aquietou. Houve o som de asas batendo, seguido por uma lufada fria de vento. Kayla ergueu a cabeça instintivamente e viu um homem na casa dos vinte, com cabelos longos e negros, e olhos vermelhos. O homem estava sem camisa, e em suas costas tinha um par de grandes asas negras. Kayla não saberia dizer se ele era um anjo ou um demônio, e não se importava. Ele não era humano. Era a única "coisa" no local da morte de sua mãe, o que o tornava no mínimo, suspeito de ter cometido aquela atrocidade, então, Kayla não perdeu tempo admirando ou tentando se convencer de que o que via era inofensivo ou surreal. Se levantou e correu tão rápido quanto suas pernas permitiam. O homem alado a perseguiu, voando.

Kayla olhou para cima duas vezes e quando notou que ele estava a ponto de alcançá-la, se jogou no chão. Ele passou por ela e disse uma palavra que ela não entendeu porque não soava como inglês ou como qualquer idioma que ela conhecesse.

Kayla se levantou e correu na direção oposta à que o ser seguira ao ser ludibriado. Foi para a cidade e o ser a seguiu até que ela se aproximasse de um estabelecimento comercial que estava aberto. Um pub de quinta. O homem alado sabia que não deveria chamar a atenção para si, por isso, pousou a alguns metros em um parque, e quando saiu de trás das árvores, suas asas haviam sumido. Ele caminhou em direção ao pub, e logo na entrada, conseguiu chamar a atenção por sua beleza, ouvindo assobios e cantadas tanto de mulheres quanto de homens. Ele sorriu, convencido, e piscou para um homem.

 Kayla deixou o pub pelos fundos e fugiu, dobrando uma esquina e outra, como se aquilo pudesse de alguma forma, despistar seu perseguidor. Chegou a casa de Auriel e bateu à porta com desespero. A porta destrancou e Auriel surgiu. Kayla entrou, e bateu a porta atrás de si. Auriel recuou, a encarando.

— Você tem que me ajudar! Tem um cara atrás de mim, e a minha mãe está morta! Acho que foi ele que a matou! — Kayla disse.

— Não se preocupe? Não vou deixar que ninguém te machuque ou a essa criança! — Auriel disse e foi até a janela, e espiou por uma fenda entre as cortinas. Recuou, e foi até a mesinha de centro e a virou. Então pegou um punhal dourado que estava fixado a madeira por fita adesiva e o empunhou.

O teto estalou como se tivessem atirado uma pedra nele, e Auriel e Kayla olharam para cima.

— Está aqui! — Auriel disse.

— Você sabe o ele é? — Kayla perguntou ao notar que Auriel não estava com medo e parecia saber com o que estava prestes a lidar.

— Sim. Vá para o meu quarto e só saia de lá quando eu mandar! Não chame a polícia! — Auriel disse.

Kayla obedeceu.

Auriel abriu a porta da frente e recuou até o centro da sala, esperando. Um homem saltou de modo gracioso do teto até a entrada e entrou, encarando Auriel.

— Kasyade? — Auriel pareceu surpresa, mas só por um instante. — Confesso que eu esperava alguém do alto escalão, como Lilith, Samael ou Amitiel! Mas é claro que aqueles covardes não seriam tolos em me enfrentar!

— Ainda é o pau mandado do Miguel? — Kasyade provocou e riu. — Auriel? Você não me assusta com toda essa marra!

Auriel riu, antes de avançar na direção dele. Kasyade desviou por pouco e, também sacou um punhal, lutando com Auriel. Ele era habilidoso, ela reconhecia, afinal, aprenderá com a melhor, ELA. Mas o aluno jamais superaria o mestre. Auriel era rápida, silenciosa e implacável. Só prolongou a luta por tempo suficiente para aquecer o seu sangue, afinal, ela era uma guerreira e amava o calor de uma batalha. Kasyade foi facilmente vencido, mesmo tendo lutado como nunca. Auriel o derrubou no chão e subiu em cima dele, encostando a lâmina do punhal em sua garganta. Um par de asas surgiu nas costas de Auriel, atravessando suas vestes como se elas não existissem. Seu olhos azuis assumiram um tom violeta, e Kasyade viu a morte refletida nos olhos de Auriel.

— Arrependa-se agora de seus pecados? De sua rebeldia, de sua luxúria e ganância? De sua queda? Arrependa-se! — Auriel disse.

— Não! — Disse Kasyade.

— Você traiu o nosso pai! Desprezou o seu amor! E pelo que? Por que perdeu a si mesmo, irmão? — Auriel disse.

— Eu não sei. — Kasyade chorou, tocado pelo arrependimento. — Samael! Ele me seduziu como seduziu a Lilith e Amitiel!

— Não. Você foi fraco! — Auriel disse.

— Sim, eu sei. Fui fraco e trai nosso pai! Mas eu sinto muito, sinto tanto. E imploro perdão! — Kasyade disse.

— Infelizmente, o perdão lhe é negado, irmão. — Falou Auriel e rasgou a garganta dele, matando-o.

Um grito abafado atraiu a atenção de Auriel e ela levantou a cabeça, encontrando Kayla parada ao pé da escada. A garota a encarava, atônita, e não à toa. Auriel suspirou e saiu de cima de Kasyade.

— Quem é você? — Kayla perguntou.

— Alguém que acabou de salvar a sua vida, a propósito, de nada. — Auriel sorriu.

— Você é o diabo? — Kayla perguntou, e tocou a própria barriga, apreensiva.

— Só quando comparada a minha irmã mais velha. — Auriel respondeu, e após alguns minutos seguidos de um silêncio que para Kayla foi perturbador, disse: — Sou um arcanjo e fui encarregado de proteger você e seu bebê.

— O que você fez comigo? Você… Quando? Como? — Kayla precisava entender como engravidara.

— Não foi obra minha. Não encostei em você. Eu juro! — Auriel disse. — Você já ouviu falar dos Nefilins? O Dilúvio? A arca de Noé?

— Pouca coisa. — Kayla respondeu.

— Dois mil anjos desceram à Terra e se uniram aos humanos, tomando esposas para si, e gerando híbridos, que chamamos de Nefilins. Esses anjos perverteram os humanos com a luxúria, a ganância e a idolatria. Deus enviou o dilúvio para apagar essa mácula na humanidade, e muitos morreram ou foram capturados posteriormente, mas outros conseguiram escapar, e deram continuidade a seus planos insidiosos. — Auriel fez uma pausa, esperando que Kayla absorvesse a informação.

Kayla parecia tranquila, mas Auriel conseguia ver através daquela expressão e sentir o desespero da garota. Ela estava aceitando o que ouvia, mas se sentia amaldiçoada. Impura.

— O número de Nefilins infiltrados entre os humanos triplicou, e pelo que você pode observar, a violência aumenta a cada dia. Os caídos estão destruindo os humanos, e Deus não está de braços cruzados como muitos imaginam. Ele está enviando anjos celestes encarnados como humanos para salvar esse mundo. O seu bebê é um desses anjos. — Falou Auriel.

Kayla apertou sua barriga e sentiu a paz preenchê-la. Seu bebê brilhava dentro de sua barriga. Ela observou, encantada. Auriel sorriu.

— Você acha que pode confiar em mim, agora? — Auriel perguntou.

Kayla a encarou e meneou a cabeça, afirmativamente.

— Mas tem um homem… Uriel. Minha mãe me entregou a ele, antes de…

— Sim, eu sei. — Auriel disse, desviando o olhar por um instante, como se estivesse envergonhada. — Eu sou ele.

— Como? — Kayla perguntou.

— Foi o meu primeiro disfarce para me aproximar de você, mas não deu muito certo, por isso, eu tentei de novo, e ainda bem, porque você confia mais em Auriel que em Uriel, mas eu sou os dois. — Falou Auriel. — E, agora que esclarecemos as coisas, devo te levar para um lugar seguro, antes que outros caídos venham.

Kayla apenas assentiu, movendo a cabeça. Não se permitia questionar nada, e não se importava com quem era Auriel na verdade, desde que ela a mantivesse a salvo, e não assumisse novamente a forma de Uriel.

— Tudo bem para você se, se sente mais confortável com a minha forma feminina. Posso continuar assim, sem problemas. — Falou Auriel.

Auriel pegou suas coisas e as colocou em uma mala, então causou um incêndio na casa, e voltou para a casa onde vivia como Uriel, com Kayla. Lisariel ficou feliz em ver que a garota estava bem. Kayla suspeitou que Lisariel também fosse um anjo e confirmou que estava certa, quando de alguma forma, reconheceu a aura celestial da mulher, que sorriu docemente.

— Vamos partir agora mesmo, Lisariel. Não podemos esperar mais, outros caídos virão atrás dela. — Auriel disse.

— Sim senhor. SENHORA. — Lisariel disse, se retirando, apressada.

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