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Capítulo 3

- Bem, vamos lá repetir. - O tipo continuava a não se acalmar, - diz que ele o seguiu desde o bar? Ele estava a seguir-te e não conseguiste livrar-te dele?

- Sim, é verdade. Seguiu-me quase todo o caminho até casa e, de repente, caiu na lama e não se mexeu.

Guy acenou com a cabeça em concordância silenciosa e pegou num pedaço de omeleta com o garfo. Mastiguei o biscoito com tristeza, sabendo exatamente onde ele queria chegar. Ontem não tínhamos falado do estranho, mas agora, ao pequeno-almoço, o meu marido fazia um interrogatório sofisticado. E não que fosse ciumento, acho que toda a gente teria perguntas dessas nesta situação. Até eu. Na verdade, gosto quando ele se zanga ou tenta esconder os seus ciúmes. Quando é que foi a última vez que ele teve ciúmes de mim? Nunca! Não há ninguém de quem ter ciúmes nesta zona da floresta. É por isso que agora me sinto um pouco bem.

- O que era suposto eu fazer, deixá-lo na estrada?

- Sim, foi exatamente isso que fez. - Guy sorriu largamente, - Então alguém o teria encontrado.

- E se ele tivesse morrido?

- Bem, não morreu.

Bufei, espantado com a sua lógica férrea. Tudo nele era tão simples e fácil. Bebemos chá em silêncio durante alguns minutos, e eu tentei lembrar-me do nome da velhota dos subúrbios. Hannah parecia ser um nome estranho e obscuro. Só se podia encontrá-la por acaso na mercearia do Mikola - mais parecida com uma loja caseira, onde havia uma seleção mínima de produtos para o turista pouco sofisticado. Nunca ia a supermercados e, em geral, nunca ninguém a via a passear na rua ou a conversar com um vizinho num banco. Reservada, silenciosa e discreta, Hanna mais parecia uma bruxa, e as crianças da região inventavam histórias assustadoras sobre ela. Há dois anos, a velha morreu, mas ninguém percebeu porquê. Claro que foi imediatamente chamado um carro da cidade, mas ninguém explicou nada - Hannah foi levada, apenas murmuraram algo como “ela está aqui há seis meses?”. Talvez seis meses, quem sabe? Afinal, ninguém a foi ver e ela não deixava ninguém entrar em casa. A pouco e pouco, foi sendo esquecida e as pessoas evitavam a casa - era tão sombria e hostil como a antiga proprietária. Então, de repente, Nathan, de quem nunca ninguém tinha ouvido falar, apareceu e disse que vivia na casa da colina!

- Bem, que se lixe, ele foi-se embora e fugiu. Espero que não voltes a estar na companhia dele. - Não estás nada interessado em saber como correu a reunião?

- Estou, e mal posso esperar para ouvir os agricultores a queixarem-se das suas perdas. De certeza que foi só disso que falaram toda a noite.

- Bem, não podemos sentar-nos todos em bares e depois carregar os homens dos outros. - A situação está a piorar”, disse Guy, bebendo um gole da sua caneca. Foram abatidas quinze cabeças de ovelhas na quinta central. Claro que não são touros nem vacas, mas se perdermos essa percentagem do rebanho todas as semanas, daqui a quatro meses já não resta nada.

- Vivemos perto de uma floresta, o inverno está a chegar, não admira que haja um aumento dos ataques. Sabe, estes casos não são raros, desde que vivemos aqui, nunca conseguimos salvar todo o gado.

- Sim, já aconteceu, mas não com tanta frequência nem com tantos. Mas não é isso que é preocupante. As ovelhas são maltratadas, mas não há sinais de que sejam comidas aqui perto. A carne foi rasgada e os pedaços de carne foram arrastados para a floresta. Provavelmente para uma toca. Isso significa que são muitos, cheiram a presa fácil e, se nada for feito, os ataques serão regulares. Só há uma saída - este fim de semana vamos reforçar as vedações, vamos esticar a vedação ao longo de toda a fronteira, não é de excluir que façamos uma corrente. O que significa que temos de fazer uma vedação dupla. Quem quer que esteja a fazer isto está a encontrar uma brecha algures.

- Serão os lobos? - Essa sugestão fez-me saltar o coração.

- Muito provavelmente. Um urso comporta-se de forma diferente, e não vai atrás de pessoas.

- Irá se tiver raiva.

- Já o teríamos apanhado há muito tempo. Mas aqui não é assim, os lobos são astutos e só algumas vezes é que um dos nossos conseguiu detetar alguém escondido na floresta. É verdade”, franze o sobrolho Caio, ”o animal era grande, muito grande. Os cães não o apanharam. Não quiseram.

- Não comeces com os lobisomens, por favor. Não acredito nessa história.

O rapaz apenas riu em resposta e começou a fazer a omeleta.

Depois de colocar os cachorros-quentes com queijo numa caixa, fui à batedeira para fazer um batido. O dia de trabalho tinha começado há meia hora e eu já me sentia estranhamente cansado e com dores. É o que acontece ao primeiro sinal de uma constipação. Não quero ficar doente! De certeza que se deve ao aguaceiro de ontem à noite. Depois do pequeno-almoço, o Guy levou-me a uma estação de serviço à saída da cidade, onde tinha sido recentemente construído um café de fast-food à beira da estrada. Uma pequena fila de habitantes locais, na sua maioria pessoas que tinham de se deslocar para a grande cidade para trabalhar, juntou-se rapidamente ao balcão. Conheço toda a gente da nossa cidade de vista, e é provavelmente por isso que o meu local de trabalho tem uma atmosfera amigável e me sinto confortável.

- Ah, e não me digam que ele apareceu só para deitar a mão à herança e que, antes disso, nem sequer cá vinha.

Ao ouvir a voz, virei-me e olhei para a Tia Mania, a velha fabricante de lembranças de cabelo inchado que vivia na Third Street. Ela tinha encomendado rissóis de couve e, agarrada a um enorme saco axadrezado de lembranças esculpidas (os símbolos do meio esquecido Togius) à perna, falava com Agafya, outra vendedora ambulante. As “namoradas” compravam frequentemente pirozhki para comer na estação de comboios. Toda a gente sabe que, numa grande cidade, os preços são duas vezes mais elevados e que é melhor abastecer-se de comida com antecedência.

- Devias ter vindo quando a Hannah era viva! - Agafya resmungou com ar de censura: “E pensar que a minha avó mal conseguia andar, ninguém sabia que ela tinha parentes. Ela estava sempre escondida em casa, não deixava ninguém aproximar-se dela. E é assim que acontece - quando ela morre, toda a gente vem partilhar os seus bens!

- E dizem que ela não morreu por vontade própria. É preciso pensar em quem é que beneficiou com isso. - A Tia Manya reparou no meu interesse e semicerrou os olhos, - Ouviste, Ami? Temos um novo residente, e o seu nome é invulgar. Como é que ele se chama?

- Nathan. - perguntei eu, com toda a amabilidade.

- É isso mesmo. Vivemos toda a nossa vida e não sabíamos que Hannah tinha alguém da grande terra. O Togius inteiro está a pensar no que ele quer, a andar pela cidade como se sempre tivesse estado aqui. Ele é todo arrogante, e é óbvio que não é nosso. Eles estão habituados a exibir-se por lá, eu devia metê-lo na mina durante uma semana para o deixar de rastos.

- Disseste que a Hannah não morreu de causas naturais? O que é que a faz dizer isso? - Orientei gentilmente a tia Mania na direção certa. Por alguma razão, as palavras dela sobre “não ter morrido por si própria” deram-me uma sensação desagradável e inquietante.

- Foi isso que o nosso Agap deu a entender. Ele entrou na casa como médico e viu a avó. Toda rasgada, torcida, seca como uma múmia. - A tia Manya fez uma cruz supersticiosa.” ”Podem não acreditar em mim, claro, vocês, jovens, já nem sequer acreditam em vocês próprios. Mas a Hanna não morreu sozinha, teve ajuda. Arrancaram-lhe o peito, por isso nunca a encontraram.

- Nunca encontraram quem?

- Não encontraram a caixa torácica, tonto. É uma história negra. Há outras coisas a acontecer em Togius, mas eles não falam, não estão habituados a falar pelos cantos. Dizem que é melhor abater o gado antes do inverno, senão matam-nos a todos. Já ouviste falar? O Gaio sabe tudo. Deve ter-te sussurrado muitas coisas ao ouvido, incluindo sobre os lobos. Mas eles não são lobos, são lobisomens! Lobisomens a sério! Se eles se fartam de brincar com as ovelhas, vêm atrás de nós.

Entreguei à Tia Mana um saco de tartes e fingi estar distraída com o próximo pedido - de qualquer modo, não devia acreditar nela, porque todos os boatos em Togius crescem instantaneamente com pormenores espantosos e adições “de mim própria”. Toda a gente aqui sabe isso. E quanto a “tagarelar pelos cantos” - talvez seja a única ocupação de que os residentes como a Tia Manya nunca se aborrecem.

Assim me tranquilizei até ao fim do turno. Mas, de vez em quando, o meu pensamento voltava à casa dos arredores. Agora estava preocupada com outra coisa - se Nathan tinha fugido ontem, onde é que ele estava agora? Estaria escondido na casa? E se ele ainda estivesse doente e morresse, tal como a Hannah? Não acreditei no peito rasgado, parecia demasiado louco. A tia Mania é uma fantasista. Assim que fechei a mini praça de alimentação, o telemóvel na minha bolsa vibrou.

Elka. Podes crer que sim! Esperou que eu acabasse o trabalho e já me está a ligar. O que é que ela queria? Ainda estava zangada com ela por causa de ontem, mas atendi o telefone.

- O que é que se passa?

- Estás a perguntar-me isso?! - Estou à espera que me ligues desde esta manhã e nem sequer te lembraste de mim! Deixaste o bar a meio da noite e achas que isso é normal?! Sabes que está tudo a arder? O bar teve de fechar uma hora mais cedo porque alguém atirou uma ovelha rasgada para a frente da porta. Fiquei assustada, pensei que podias ter encontrado um lobo no caminho, aconteceu alguma coisa.

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