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Capítulo 5

—Tudo vai ficar bem, ok? Eu prometi a você, vamos conseguir, você vai ver, voltaremos para nossa casa, para nos acariciarmos e nos beijarmos como dois jovens inocentes. Então você será toda minha, teremos uma família...- ele me beijou novamente e eu sorri de volta. A ideia de ter uma família me entusiasmava, certamente não aos dezesseis anos, mas eu sabia que mais cedo ou mais tarde isso teria que acontecer, as mulheres da minha época se casaram e formaram família por volta dos dezoito e vinte anos. A partir daí, talvez em alguns anos, eu teria me juntado a eles, junto com Zack. A única coisa que você quer é que ele esteja ao meu lado. Balancei a cabeça gentilmente e quando minha família voltou nós limpamos e esperamos pelo novo sinal de partida.

Finalmente, por volta das doze horas, foi entregue. Houve alegria. Sem dúvida pensávamos que não havia sofrimento maior do que ficar sentado na calçada, entre trouxas no meio da rua e sob um sol escaldante. A van voltou a se mover e da minha posição consegui mover a cortina traseira para ver um pouco da paisagem. As horas se passaram e só vi terras desoladas, desconhecidas da minha casa. As ruas abandonadas sob as rodas e as casas abandonadas, os jardins chatos e as lápides. Por toda parte há salas abertas, janelas abertas e lugares profanados. Na rua encontrava-se de tudo: malas, toalhas, sacos, facas, pratos, notas, folhas de papel e livros amarelados, tudo o que as pessoas pensavam que podiam carregar mas imediatamente preferiram deixar ali devido à dureza do solo. os soldados, todos os objetos agora sem valor. Tudo pertencia a todos, nada mais pertencia a ninguém. Aos olhos dos outros, um sofrimento, cheio de lágrimas.

Não tínhamos comido sabe-se lá o quê o dia todo, como o resto das pessoas próximas a nós. Não queríamos consumir tudo e depois passar fome. Estávamos simplesmente exaustos, minhas costas doíam muito, não reclamei, pelo contrário imaginei o quanto doíam meus pais, que eram mais velhos que eu. Tentei não pensar em nada, então me dediquei a abraçar meu namorado e conversar tanto com minha família quanto com a de Zack, que também estavam muito assustados e tristes. Tínhamos chegado a Dresden há algumas horas, novamente na mesma noite sem dormir. Vi a lua nascer e depois desaparecer, não consegui pregar o olho. Na minha van o ar agora estava péssimo, alguns idosos não conseguiam se conter e por isso faziam suas necessidades ali, nos cantos. Várias vezes tive que lutar contra a náusea, depois teve o soldado loiro de sempre, que descobri se chamar Kyle. Ele não conseguia tirar os olhos de mim, não conseguia de jeito nenhum, apesar dos meus constantes olhares ardentes tentando incinerá-lo. Muitas vezes, mesmo na companhia do meu namorado, me vi sendo vigiada e despida por aquele ser, isso me dava mal. Não sabia para onde íamos, por volta das sete da tarde parámos em frente a uma linha férrea, onde jaziam numerosos comboios acinzentados, estávamos prestes a viajar, em direcção a um local desconhecido. A ideia de sair da Alemanha me apavorava, já deveria ter esquecido de casa, estava tremendo.

— Vamos, saia! —Levantando-nos, saímos dos caminhões em ordem. Eles nos contaram novamente e depois fizeram o reconhecimento várias vezes. Um por um eles nos revistaram e foi a minha vez de ser o loiro, que em todo o esplendor que o uniforme cinza lhe conferia se aproximou como uma hiena. Lentamente, em vez de me tocar, ele começou a me apalpar, nos ombros, nos seios e nos quadris. Aí ele desceu, com aquelas mãos horríveis nas minhas coxas, deslizando lentamente os dedos por baixo da minha saia. Me movi um pouco, mas ele me parou com os braços.

—Vamos ver o que você tem aqui. —Sua mão se moveu até a altura da minha calcinha, imediatamente olhei para ele. Eu imediatamente me afastei, mais uma vez.

- Não me toque. Duro. — Felizmente os meus pais e o meu namorado não puderam testemunhar nem ouvir, pois também estavam ocupados com os cheques. Ele ergueu os olhos azuis e olhou nos meus, cerrando a mandíbula.

— Vamos nos divertir muito com você pequeno, então pelo menos talvez você consiga mudar esse lindo personagem. — Fiz uma careta perceptível, como que para fazê-lo entender que não deveria me tocar, nem olhar para mim, muito menos me mencionar. Eu não era dele, não era de ninguém. Ele tinha que entender isso, caso contrário eu também teria me rebelado contra ele. Eu não me importava se morresse, agora estava privado da minha identidade. Eu vivia apenas para meus pais e meu namorado. Eu não tinha medo de ninguém. Não tive tempo de responder porque ele mudou para outra mulher. Finalmente o pedido chegou.

- Depois de você! —Meu pai estava chorando. Foi a primeira vez que o vi chorar. Sua alma estava falhando, assim como a nossa. Minha mãe se aproximou do meu irmão e segurou a mão da minha irmã. Com o rosto fechado, sem expressar nenhuma palavra, muitas vezes ele olhava para mim que caminhava atrás dele com Zack. Eu, por outro lado, abracei meu coração olhando para minha irmãzinha Rose, seus cabelos loiros ainda bem penteados, um casaco vermelho nos braços. Uma menina de seis anos que já tinha um peso enorme nos ombros, mas infelizmente minha irmã não era a menor do grupo, tinha recém-nascidos e até algumas gestantes.

- Mais rápido! — Não tive mais forças, a viagem estava apenas começando e já me sinto muito fraco.

- Mais rápido! Vamos, preguiçoso, mais rápido! — gritaram os gendarmes alemães. Foi nesse momento que comecei a odiá-los, eram os nossos opressores, a primeira face do inferno e da morte. Eles nos mandaram correr e nós corremos. Finalmente, fomos instruídos a embarcar em cada comboio com cerca de oitenta pessoas de cada vez. Eles nos deixaram alguns pães e alguns baldes de água. Obviamente nos recusamos a nos separar. Os carros foram fechados e para cada carro foi designada uma pessoa; se alguém tivesse escapado, teria sido responsável por isso com a morte. Dois policiais da Gestapo caminhavam pela calçada sorrindo. Um longo assobio perfurou o ar. As rodas começaram a chacoalhar, abracei minha família. Assim começou a viagem. Cada um de nós tinha uma pedra no coração que sabíamos que permaneceria pelo resto de nossas vidas.

Novembro Estugarda

Não foi possível deitar ou mesmo sentar. Decidimos nos revezar para fazer isso. Havia pouco ar. Quem estava perto de uma janela teve sorte: viu passar a paisagem florida. Depois de dois dias de viagem, a sede começou a nos torturar. Depois o calor tornou-se insuportável. Livres de qualquer censura social, os jovens deixaram-se levar abertamente pelos seus instintos e, na calada da noite, acasalaram-se entre nós, sem se preocuparem com ninguém, sozinhos no mundo. Os demais agiram como se nada estivesse acontecendo, para não vê-los. Ainda tínhamos algumas provisões, mas ninguém comia de acordo com a fome. Economizar era o nosso princípio mais importante, ou seja, poupar para os dias que viriam. Havia entre nós uma senhora Acender, de cerca de cinquenta anos, com o filho de dez anos enrolado no peito. O marido e os dois filhos mais velhos foram deportados por engano no primeiro transporte. Esta separação a destruiu completamente. Minha mãe a conhecia bem, já havia conversado muitas vezes com ela na rua ou nas lojas. Uma mulher calma, com um olhar ardente e penetrante. O marido dela era um bom homem e trabalhava todos os dias como professor em uma prestigiada universidade da minha cidade. Professor de Sociologia.

Dona Acender havia enlouquecido, desde o primeiro dia começou a gemer, perguntando por que havia sido separada dos pais, depois seus gritos tornaram-se histéricos. Na segunda noite, enquanto todos dormiam sentados uns em cima dos outros e alguns em pé, um grito estridente quebrou o silêncio.

- Incêndio! Eu vejo um incêndio! — Seguiu-se um momento de pânico. Foi ela, a senhora, quem gritou. Ele apontou o braço para as barras e gritou.

—Eles não terão piedade! Há um incêndio terrível, olha! —Os curiosos olharam pela janela, mas não havia nada além da noite calma e silenciosa. O trem estava em movimento e naquele momento fiquei muito apavorado. Permanecemos por muito tempo sob o pescoço daquele terrível despertar. Todo mundo estava tremendo. A cada rangido dos trilhos parecia que um abismo estava prestes a se abrir sob nossos corpos. Sem conseguir adormecer, tentamos nos dar alguma explicação. Minha mãe falou. Rose dormia em seus braços amorosos, cansada demais para sentir a mulher.

"Ela enlouqueceu, coitadinha..." ela sussurrou, olhando para ela, eu suspirei e apertei Zack com mais força. Meu irmão Lohan não falou, ele olhou para o espaço. Seus lindos olhos derretidos não tinham mais brilho. Ele estudou a vida toda para ser médico e por nossa causa não era mais ninguém. Meu pai não largou a mão de minha mãe nem por um segundo, naquela situação ainda mais apaixonada do que antes. Já os pais do meu namorado se separaram de nós, ele não protestou. O filho da senhora chorava e doía-me ainda mais do que a simples visão daquela mulher solitária. Dolce tentou acalmá-la, junto com outras pessoas que molharam suavemente seu rosto. Tudo voltou ao normal. Uma ou duas horas se passaram assim, e consegui fechar um pouco os olhos, mas Morfeu não se atreveu a me receber em seu reino, pulei quando outro grito da mulher me deixou sem fôlego.

— Chamas, chamas por toda parte! — Os jovens que estavam ao lado dela amarraram-na e amordaçaram-na. Seu filho não falava mais nem chorava, simplesmente ficava ao seu lado. Isso me machucou enormemente. Naquele momento eu entendi que as pessoas eram muito ruins, muito ruins. Falavam coisas horríveis dela como - cala a boca, sua maluca - ou - cala a boca, basta - bateram muitas vezes na cabeça dela, no final ela ficou calada. Você cerrou a mandíbula, não encontrando humanidade.

“Que feras...” murmurei, apertei suavemente minha mão com a de Zack e fechei os olhos, arrasada. Eu só queria um pouco de calor. Senti falta do entorpecimento de um banho e do amor diário. Senti falta da minha casa, da minha vida. Finalmente adormeci.

O trem parou em Kashau, uma pequena cidade na fronteira com a Tchecoslováquia. Então entendemos que não ficaríamos na Alemanha. Abrimos os olhos, tarde demais. A porta do carro se abriu. Um oficial alemão avançou, acompanhado por um tenente húngaro que traduzia. Nem todo mundo conseguia entender esse tipo de alemão, uma gíria completamente nova, mas eu entendi muito bem.

— A partir deste momento você está sob a autoridade absoluta da polícia alemã. Quem ainda tem ouro, dinheiro, relógios e tenta ser esperto, deveria entregar tudo agora. Qualquer pessoa encontrada com objetos de valor será baleada imediatamente. Além disso, qualquer pessoa que se sinta mal pode ser transferida para o carro do hospital. Agora você pode descer para atender às suas necessidades físicas, você tem dez minutos, depois sairemos novamente. Esta tarde chegaremos ao nosso destino, só isso. —Então ele continuou, estava frio e distante. Não devemos perder tempo, levantei-me sentindo muitas dores nas pernas e rapidamente saí da carruagem olhando em volta. Eu tinha muita necessidade de urinar, assim como minha mãe e minha irmã. Meu namorado, porém, junto com os outros homens, foi para outro lugar.

— Venha, vamos lá. — Apontei para uma parede não muito longe dos dois. Não havia muita coisa por perto, apenas muitas flores num campo enorme. Suspirei e peguei minha irmã pela mão. Minha mãe assentiu.

— Vik.. — a vizinha da minha irmã parecia gentil.

- Hum? — Ajudei ela a levantar o vestido, e segurei suas pernas para garantir que ela não se sujasse, depois acariciei seus cabelos e assim que terminei, ajudei-a a se vestir. Minha mãe fez o mesmo, curvando-se.

- Aonde vamos..? — Boa pergunta, querido. Olhei para ela, seus enormes olhos azuis arregalados e assustados. Eu li uma pitada de curiosidade nisso. Suspirei e dei de ombros.

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