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Capítulo 4

— Ah, querido... o que há de errado? Você não deveria estar na escola? —Ele me apertou com muita força, o máximo que pôde. Chorei desesperadamente, porque ninguém poderia me tratar assim. Minhas lágrimas não eram de desespero, mas de pura e simples raiva. Todo aquele ódio, aquela resignação do povo, subiu ao meu cérebro como um sinal vermelho piscante. Eu não poderia ficar parado assim, com as mãos cruzadas.

— Amor de mãe... por que você está chorando? Você discutiu com Zack? — Pouco depois minha mãe entrou com minha irmã nos braços, ela também não a tinha mandado para a escola naquele dia. A loirinha olhou para mim e esfregou levemente os olhos vivos que ainda estavam levemente adormecidos.

— N-não mãe, não discutimos. Eles me expulsaram da escola, sabe? Fui chamado ao salão e eu, junto com outros dois meninos, fomos expulsos apesar de ter pago as mensalidades e financiado todas as viagens do ano seguinte. O-o que eu fiz de errado, o quê?! M-Michelle não fala mais comigo, P-as pessoas me olham mal na rua. M-Só me resta você e Zack... — Chorei mais sem problemas, minha família foi a única que mereceu minhas lágrimas, toda minha sinceridade. Meu pai e minha mãe se entreolharam levemente, de repente meu irmão apareceu, levemente ofegante.

— Preparei tudo, até as coisas da Viktoria. Os documentos estão na mala pequena, enquanto os diversos suprimentos estão na mala grande. —Ele não me notou a princípio, mas assim que me viu empalideceu um pouco. Malas? Documentos? Estávamos indo embora? Não entendi. Eu não queria sair de Berlim, minha casa. Eu nem queria me afastar de Zack, o garoto por quem eu estava apaixonada e que sempre me respeitou e deu tudo baseado em seus sentimentos.

- O que diabos está acontecendo?! P-Alguém pode me dizer uma coisa? D-diga-me a verdade, por favor. - Estava cansado. Cansado de todo aquele silêncio, de seus olhares astutos e agora disso. Ele queria saber tudo, mesmo que a verdade fosse dolorosa. Esperei por algum sinal, algumas palavras.

— Lohan traga sua irmã Rose, seu pai e eu precisamos conversar com Viktoria. — Minha mãe se aproximou enquanto meu irmão fazia o que lhe pediam. Pouco depois ouvi a porta da cozinha fechar e sentei-me a convite do meu pai. Olhei para eles com os olhos inchados, ainda sem fôlego por causa da correria e da raiva.

— Um amigo meu de Budapeste me ligou. Não sei se você se lembra, Rubert Clandford, aquele que tem uma filha da sua idade. Depois ele me contou que os judeus húngaros vivem numa atmosfera de medo e terror. Atos de antissemitismo acontecem todos os dias: nas ruas, nos trens. Os fascistas atacam lojas, sinagogas e todos os nossos negócios judaicos. A situação está começando a ficar muito grave, minha filha. — Ela juntou as mãos e olhou para baixo, amarga e decepcionada. Engoli várias vezes preparado para as más notícias. Minha mãe olhou para nós em silêncio, com os olhos brilhando.

—Fizemos um acordo com a família do Zack. Entramos em contato com um amigo próximo de Rubert e ele nos deu documentos, com identidades falsas, para nos permitir cruzar a fronteira. Como Zack é seu noivo, não podemos e não queremos separar você dele, ficaremos todos juntos e iremos com uma família italiana para a ilha de Capri. Tudo vai ficar bem, você verá amor, ficaremos bem. —Ele apertou minha mão gentilmente, eu agarrei-a com firmeza. Balancei a cabeça rapidamente deixando algumas lágrimas caírem, eu não queria sair da Alemanha, dos lugares onde nasci e cresci, mas se isso significasse sobreviver, eu teria que fazer isso. A ideia de ter minha família e meu namorado ao meu lado aqueceu meu coração, não pude deixar de aceitar sem protestar.

— Vou verificar se Lohan esqueceu alguma coisa minha, com licença... — Dei um beijo na bochecha dos meus pais, logo saí e me refugiei no meu quarto, sabendo que essa seria praticamente a última vez. Eu teria visto. Acariciei lentamente as paredes e os móveis até sentar na minha amada cama, meu coração afundou. Eu chorei baixinho, me abraçando. Eu pulei com o som alto de um tiro que foi ouvido diretamente no prédio vizinho ao nosso, levantando-me imediatamente e saindo do meu quarto com pressa. Meu pai saiu da cozinha com minha mãe, mas meu irmão apareceu com minha irmã nos braços. Foi um pesadelo cego.

—É tarde demais, não podemos escapar agora! —Minha mãe começou a chorar, agarrando meu pai com muito desespero. Tremi muito, naquele momento eu queria muito ficar transparente, mas não consegui. A porta do meu prédio abriu-se violentamente, um grande turbilhão de vozes regressou à rua, um caos terrível. Vários homens gritavam à porta da Sra. Senders e à nossa. A frase usual para todo condomínio.

—Gibt Juden está nesta casa?! — Agarrei minha irmã, imediatamente assustada ao ouvir — Tem judeus nesta casa? — . Não podíamos nos esconder todos juntos, os homens batiam no aço com seus punhos poderosos. Eles nos pegaram desprevenidos, zombaram de nós. Os soldados alemães alojados em famílias judias pretendiam apenas controlar-nos. Pobres de nós, enganados.

"E-esconde..." minha mãe murmurou em voz baixa, enquanto meu pai se preparava com muita dignidade para abrir a porta e receber aqueles malditos desgraçados.

— Vamos, pelo menos você e sua irmã... — ela nos deu um beijo rápido e nos empurrou para dentro do meu quarto, saí para a varanda para não ser ouvida, segurei Rose perto de mim que obviamente estava soluçando . Cobri nossas figuras com a cortina cinza, para não sermos encontrados, meu pai abriu.

— Sim. Eu, minha esposa e... meu filho. —Meu pai comentou com a voz quebrada. Meu irmão nunca se esconderia conosco, tentei mais uma vez acalmar minha irmãzinha.

— V-Vik.. — ele murmurou baixinho, desejando que sua mãe, ela não precisasse mais chorar, eles nos encontrariam. Eu me escondi para ela, para mantê-la segura. Quando os soldados alemães partiram, eu teria tentado recuperar a minha família. Após alguns segundos de silêncio, um homem falou, enquanto eu sinalizei para a garota permanecer em silêncio.

— Você tem a obrigação de descer e sentar com os demais no caminhão, pode trazer uma sacola, um pouco de comida e roupas. Pertences pessoais como ouro e joias, você deve entregá-los aos soldados. — Olhei para o meu broche ainda no uniforme escolar, recuperei-o rapidamente tirando-o e escondendo-o debaixo de uma laje elevada. Ela era preciosa demais para ser encontrada. Eu engasguei quando a janela se abriu e ficamos cara a cara com um homem alto e corpulento, com cabelos loiros e olhos castanhos. Um soldado. Eu vi escuridão, um pesadelo ao ar livre. Eu teria pulado da varanda se não estivesse segurando minha irmã nos braços, pensei nela e na minha família. Vendo isso, Rose começou a soluçar novamente, eu a abracei com mais força. O homem agarrou meu braço e notei as inúmeras tatuagens em seu pescoço, engoli várias vezes, me contorcendo o melhor que pude.

—Encontrei mais dois. — Ele me empurrou lentamente contra meu pai que fechou os olhos e nos apertou o melhor que pôde. O outro soldado olhou para mim lentamente, ele tinha cabelos ruivos e olhos azuis. Ele cerrou a mandíbula e nos apressou para sair enquanto meu irmão pegava a mala. Tremi muito quando vi a Sra. Senders conversando com alguns guardas, depois ela olhou para mim.

- Eles não! Sou uma família de gente muito boa, por favor! — Ela olhou para o homem à sua frente que em vez de ouvi-la a empurrou com força e em alemão disse claramente para ela não atrapalhar, que se o fizesse sofreria as consequências. Agradeci com os olhos, porque era a única coisa que nos restava, o silêncio dos cordeiros. Meus lábios tremeram quando vi a tristeza em seus olhos. Um segundo depois entramos na caminhonete.

— Como você é linda, bonequinha... — o soldado de antes acariciou suavemente meu rosto, me fazendo sentir seus dedos frios e gelados. Cerrei minha mandíbula, abraçando minha irmã com mais força. Meu pai olhava tudo com uma expressão indescritível, se pudesse ter dado um soco nele ele teria dado. Movi meu rosto olhando ferozmente em seus olhos.

- Não posso dizer o mesmo. — Cuspi amargamente, fazendo rir metade das pessoas ao nosso lado, o loiro cerrou a mandíbula.

"Vamos precisar de alguém como você." — Ele fechou a cortina e a última coisa que ouvi foi sua risada pesada, uma risada teatral e feliz. Partimos naquele mesmo dia para um destino desconhecido, mas meu coração ficou feliz quando meu namorado se juntou a mim. Ele não me deixou por um segundo.

Vanda

Os gendarmes alemães batiam com as coronhas das suas espingardas e dos seus bastões em quem os atravessasse, sem motivo, para a direita ou para a esquerda, os idosos, as mulheres, as crianças e os doentes. Havíamos viajado uma noite inteira por campos e avenidas horríveis cheias de pedras, pedras que, sob as poderosas rodas da van em que viajávamos mais de trinta de nós, nem sequer permitiam descansar adequadamente, de forma digna. Não podíamos deitar, nem mesmo esticar as pernas, tão apertadas que dariam inveja às sardinhas em lata. Havíamos parado algumas horas em uma praça cheia de casas e gente, minha família se permitiu descer para alongar os músculos por um momento, enquanto eu permanecia observando os acontecimentos. As casas esvaziaram-se uma após a outra e as ruas encheram-se de pessoas e pacotes. Às dez horas, todos os condenados já haviam partido. Os gendarmes fizeram novamente a chamada, desta vez continuamente. Uma vez, duas vezes, vinte. Já havia perdido a conta de quantas vezes se mostrou ali, eles não desistiram. O suor inundou rostos e corpos, seu cheiro pungente agora ocupando a maior parte do meu espaço, fazendo-me curvar os lábios em desgosto várias vezes. Perfume certamente não era minha primeira ambição na época, mas depois de viajar com trinta pessoas, você não consegue deixar de querer um banho quente. Alguns senhores mais velhos pediam muitas vezes para parar para se aliviarem, pelo menos lhes era permitido, enquanto as crianças, instáveis e ainda presas nos seus mundos de sonho, brincavam e pediam às mães que bebessem. Olhei para eles com tristeza. Nesse período só comia um pouco de pão com queijo, preferia dar para meus pais. Eles precisavam muito mais disso.

— Partiremos em breve… você está com medo, pequenino? — Meu namorado se aproximou acariciando meu rosto com ternura. Ele tinha acabado de ajudar alguns colegas judeus. Eles secretamente encontraram água suficiente e estavam distribuindo para todos, aliviando um pouco a sede. Suspirei pesadamente balançando a cabeça, me aproximei e dei um beijo em seus lábios. Tirei uma mecha de sua testa e olhei em seus olhos. Linda, da cor do chocolate amargo.

— Não tenho medo por mim, tenho medo pela minha família, minha irmãzinha é tão pequena... e por você amor... não quero que te machuquem. — Inclinei um pouco o rosto, segurando com ternura seu queixo entre minhas mãozinhas. Eu só queria que alguém me dissesse que foi só um sonho e que acordaríamos imediatamente. Mas no fundo eu sabia que o que estava acontecendo não era o pior. No fundo do meu coração eu sabia muito bem que uma ameaça ainda maior pairava sobre nós e é por isso que temia pelos meus entes queridos.

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