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Capítulo 5

Miguel chegara a sua casa motivado com o progresso de suas investigações. Ele estava próximo de obter informações valiosíssimas sobre ligações efetuadas para os celulares dos proprietários da Cores & Brilho, assim como para os seus telefones fixos e também da empresa.

Seu objetivo era identificar alguma informação que pudesse ser útil na condução de suas investigações. Ao longo de sua carreira profissional conseguira descobrir atalhos importantíssimos no sentido de obter as informações certas na hora certa. Sabia sempre a quem procurar.

A experiência profissional ensinou-lhe que toda boa informação tem um custo alto e pagar o preço é uma questão de conveniência. Assim, não se incomodava de, eventualmente, valer-se de pagamento ou recebimento de propina ou mesmo agrados sobre a forma de presentes, para ter acesso a determinadas informações e livrar a pele de alguém.

O preço de seus serviços era sempre alto e tais agrados eram incluídos no pacote oferecido aos seus clientes. Detentor de informações privilegiadas envolvendo falcatruas de políticos poderosos e grandes empresários, Miguel fazia seu jogo sem grandes escrúpulos e tornara-se alvo de perseguições.

Chegara a ser preso quando recém ingressado na polícia federal, por envolver-se em pequenos atentados com motivos políticos.

À custa de boa influência e habilidade política, todos os processos em que fora envolvido, incluindo tráfico de drogas e contrabando, foram arquivados sem julgamento.

Se do ponto de vista profissional sua vida era cheia de incongruências, altos e baixos, o mesmo não se poderia dizer de sua vida afetiva.

Fora casado por cinco anos com Suelen, sua primeira namorada e única paixão. Professora universitária, sempre lamentou a vida irregular do marido, cobrando-lhe atenção. As viagens, as investigações e os sobressaltos decorrentes da profissão, foram um dos motivos para optarem por não terem filhos.

Nos cinco anos que se seguiram ao enlace matrimonial, colecionaram mutuamente casos fortuitos, até o completo desgaste do casamento. Após a separação, tornaram-se grandes amigos, cúmplices solidários das frustrações amorosas obtidas com os relacionamentos seguintes à separação e, até mesmo, as experiências extraconjugais.

Sempre que se reencontravam divertiam-se a valer, relembrando suas desventuras amorosas. Recluso em seu apartamento, à espera das novas informações, sentara-se no chão, próximo a uma mesinha retangular da sala de dois ambientes.

Miguel iniciara uma complicada coleta de dados e informações, ao som de another brick in the wall, da banda Pink Floyd. Com uma pequena tesoura e uma caneta salientadora de textos, ele selecionou alguns trechos de reportagens em alguns jornais e revistas espalhados pelo chão. Tirou de dentro do bloco de anotações uma foto e alguns negativos.

Ligou o computador e fez buscas de outras informações na internet. Fez uma série de rabiscos e diagramas. Balançou a cabeça, coçou o bigode e sorriu.

Um dos passatempos favoritos de Miguel era tentar fazer ligações entre os crimes para identificar seus respectivos mentores. O convívio com a criminalidade e com investigações embaraçosas o fez desenvolver uma tese muito particular sobre o crime organizado.

Supunha haver um ponto de interseção entre facções criminosas. Todo e qualquer tipo de delito, desde a distribuição e venda de produtos piratas, um simples assalto a banco ou até um atentado terrorista, poderiam estar interligados.

O segredo estaria em encontrar esse ponto. O fio da meada. A astúcia e a perspicácia de Miguel o colocaram, por muitas vezes, em posição de destaque nas missões em que atuou à frente da polícia federal e a serviço da ABIN.

Sua eficácia tornou-se ainda maior, com o trabalho na sua empresa de segurança privada e como investigador particular.

◆◆◆

Alice ainda não havia percebido, mas desde que saíra do hotel, após ter se despedido de Simão, estava sendo seguida. Seus perseguidores tinham uma missão a cumprir e estavam decididos a atacar.

Esperavam apenas o momento oportuno, longe dos olhos de possíveis testemunhas. Cantarolando, acessou uma avenida marginal longa e de pouco movimento que daria acesso à sua casa.

Daí em diante sentiu algo de anormal ao olhar para o retrovisor. Notou que o veículo de traz a acompanhava há algum tempo. Acelerou o carro, mas não conseguiu afastar-se. Optou por seguir em frente, no intuito de parar em algum lugar mais movimentado e seguro.

Pressentiu algo ruim. Suas mãos estavam frias e úmidas ao volante, seus batimentos cardíacos aceleraram, e sua boca estava seca. Um suor gélido descia de seu rosto.

Pelo retrovisor, percebeu que quanto mais acelerava, mais rapidamente o veículo de traz se aproximava, até ser ultrapassada.

Em uma manobra radical, digna de filmes de ação, o carro rodopiou à sua frente, propagando fumaça pela pista. Num ato de puro reflexo, ante a colisão iminente, Alice pisou no freio.

O ruído dos pneus em atrito com o asfalto ecoou na noite, fazendo-se ouvir à vários metros de distância. Quatro homens encapuzados e bem armados desceram rapidamente, atirando contra os pneus, deixando-a indefesa e em estado de choque.

Um deles, muito forte, aproximou-se. Com uma coronhada de escopeta calibre 12, estilhaçou os vidros laterais de uma das portas. Alice gritava muito, totalmente transtornada.

Rapidamente um dos homens entrou no carro e com uma das mãos agarrou-a pelo pescoço. O golpe, semelhante ao de uma arte marcial, deixou-a imobilizada. Com a outra mão apontou-lhe a arma, cujo cano ainda quente, queimou sua cabeça.

— Cale a boca, senão eu faço sua cabeça explodir. — O homem falou em seus ouvidos, mordiscando sua orelha.

Outro comparsa, valendo-se de uma pequena faca afiada, encarregou-se de cortar o cinto de segurança. A ação, incrivelmente rápida, durou poucos segundos, tempo suficiente para que a amordaçassem, cobrissem seu rosto com um capuz e a retirassem para fora de seu carro.

◆◆◆

A semana se passou. Karina estava decidida a dormir até mais tarde no sábado. Não sairia da cama por nada, afinal os últimos dias estavam muito difíceis, com muito acúmulo de trabalho em função da ausência de Jonas e do destempero de Alice que, pelo menos na sua presença, aparentava-se muito abatida.

A amizade de longa data e o convívio profissional de muitos anos possibilitou conhecer as ações dissimuladas e interesseiras de sua sócia.

Deitada em sua cama e vestindo um pijama curto, acordou com o toque insistente do telefone. Embora seu celular estivesse desligado para não ser incomodada, o aparelho de linha fixa, localizado na sala de seu apartamento, chamava insistentemente.

— Eita ferro! Não se pode mais dormir, caralho! —Resmungou, tampando os ouvidos com um dos travesseiros que colocou sobre sua cabeça.

Insistente, o telefone continuava a tocar, aumentando sua irritação.

— Puta que pariu, é hoje — esbravejou, levantando-se da cama sonolenta e cambaleante. Arrastando os pés descalços pelo piso frio, aproximou-se do aparelho, conferindo as horas e o número discado no display do identificador de chamadas.

Antes de tirar o aparelho do gancho, bocejou e soltou um palavrão.

— Alô! — Um segundo de silêncio e uma voz metálica anunciou o sequestro de Alice. — Alô, quem está falando? — Do outro lado da linha a voz metálica reproduzia uma mensagem gravada, informando do sequestro. — Faremos novas ligações no decorrer do dia de diversos pontos diferentes da cidade para familiares e amigos da garota. Deixem a Policia fora da jogada.

— Alô... Alô...! — Insistiu Karina, mesmo após ouvir o tom contínuo de sinal ocupado. Assustada e incrédula tentou retornar a chamada, sem sucesso.

A indicação de PRIVADO, no display, impediu a identificação do número.

◆◆◆

Alice chegou desacordada ao seu cativeiro, uma pequena casa com dois quartos, um banheiro minúsculo e uma cozinha improvisada num cômodo que servia também como sala de estar.

Os sequestradores não hesitaram em aplicar-lhe uma boa dose de tranquilizante, quando de sua captura. Acordaria apenas no dia seguinte sem ter a noção de onde estava.

Dois homens na casa trataram de acomodá-la em um dos quartos. Um ventilador de teto girava monotonamente e fazia mais barulho do que refrescava.

Um rádio sintonizado em uma emissora evangélica transmitia em AM uma programação repleta de música gospel, celebrações e sermões de pastores.

No quarto, apenas uma cama de solteiro, com um colchão de espuma fina, um penico e uma pequena cômoda com gavetas vazias.

Sobre o móvel, uma jarra e um copo para água. A porta do quarto se ligava a uma cozinha improvisada, onde um dos homens fazia a sentinela.

Alice, ainda desacordada, foi acomodada em seu quarto de cativeiro. Os sequestradores reuniram-se rapidamente na sala para tratarem dos detalhes sobre o tratamento a ser dispensado à vítima e programaram os revezamentos que aconteceriam na casa, enquanto durasse o sequestro.

Após a rápida conversa, o líder do grupo, teclou uma sequência de números em seu celular para efetuar uma ligação. Do outro lado da linha alguém fora informado do sucesso da missão.

— Missão cumprida chefe, a garota já está no cativeiro.

— Quero que a tratem bem, qualquer coisa que acontecer de ruim com ela será culpa sua. — Alertou a voz do outro lado da linha.

— Positivo chefe. Não haverá nenhum ato de violência contra a moça a não ser em último caso.

— Cuide para que ela tenha uma boa alimentação. Tratem-na como hóspede e não como refém.

— Já está tudo providenciado, pode ficar tranquilo.

— Não negocie nada com a polícia. A polícia e a imprensa devem ficar longe do caso. Esse sequestro é assunto somente meu. Está entendendo o que quero dizer?

— Entendido, chefe. Vou desligar.

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