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Capítulo 4

A polícia estava apurando as causas do sequestro de Hugo que haveria de ter uma solução rápida e feliz, bastando o pagamento do resgate, afirmavam, visando tranquilizar a família e amigos do bancário.

Miguel fora designado pelo banco e pela seguradora para conduzir uma investigação paralela. Ouvir seus principais clientes era uma de suas principais estratégias. Olhando fixamente nos olhos de Karina, após revelar o real motivo de sua visita, o investigador prosseguiu.

— O senhor Hugo foi dado como morto em circunstâncias trágicas e de modo violento, no dia seguinte ao pagamento do resgate. O corpo foi identificado e reconhecido por familiares, após ter sido encontrado em uma estrada vicinal totalmente carbonizado e com sinais de tortura. A identificação difícil foi feita por intermédio dos documentos que foram encontrados alguns metros adiante do corpo carbonizado, incluindo seu crachá de identificação, parcialmente derretido e do exame da arcada dentária, tal qual apontou o laudo que atestou seu óbito.

Karina estava perplexa.

— Caralho! Isso que o senhor está me dizendo é horrível. Lamento por ele, pela sua família, mas só não entendo o motivo de sua vinda até aqui, uma vez que não é para me oferecer seu prestimoso serviço.

— A senhorita vai entender — Sorriu cinicamente — sua empresa movimenta grandes quantias naquele banco. A senhorita e seus outros sócios também. Nos últimos meses houve grande volume de remessas e transferências de valores entre contas e bancos. Ele chegou a conversar com a senhorita e seus sócios sobre isso?

— Não estou entendendo aonde o senhor quer chegar. As finanças da empresa são assunto meu e dos meus sócios e nossa movimentação é sigilo bancário. — Karina demonstrou certa irritação com as tais alegações e virou-se para o computador, para concluir alguma coisa.

Miguel sorriu novamente.

— O sigilo bancário não impede que todos saibam do potencial de determinado cliente. O banco todo conhece o potencial da Cores & Brilho. As pessoas conversam umas com as outras. Os funcionários conversam entre si, fazem comentários, fofocas, contam casos. É notória a discussão que houve entre ele e seu sócio, o senhor Jonas. Ele está aqui? Indagou Miguel, acariciando o bigode, enquanto conferia algumas anotações em seu bloco e fazia outros rabiscos.

— O senhor está insinuando que nós temos alguma coisa a ver com esse sequestro?

— Bem, quem está dizendo isso é a senhora. Eu apenas narrei alguns episódios e depoimentos que colhi. A senhorita sabe, informação é tudo. — Sorriu. — Seu sócio está aqui na empresa?

— Ele está viajando. O senhor sabe, negócios. — Sorriu, devolvendo o sarcasmo, embora demonstrando estar tensa e apreensiva.

Miguel fizera outras perguntas e diversas anotações. Por fim se despediu de Karina, fitando-a em seus olhos e observando cada ponto da sala.

Horas depois, Alice adentrou a sala nervosa e chorando muito.

— Calma Alice, o que houve? Vou te arrumar um copo com água.

— Jonas está desaparecido há três dias e estou preocupada. Não consigo falar com ele, não responde aos recados, não liga e não manda notícias.

Karina lembrou de ter sentido a falta de Jonas logo na chegada ao escritório. Também preocupada, procurou acalmar Alice.

— Vocês brigaram?

— A gente tem discutido muito ultimamente, por conta de minha insegurança, você sabe.

— Não, não sei, me conta.

— Sempre achei que ele e você estavam se encontrando, pois ele sempre arrastou asa para você.

— Deixa de besteira, Alice, porque eu me envolveria com Jonas, sabendo que ele é seu noivo. Pirou? — Karina ofereceu um copo com água a Alice que, trêmula, aceitou e agradeceu a gentileza. — Somos amigas, esqueceu? Aliás, ultimamente, eu vinha estranhando seu comportamento em relação a mim. Fica calma. Você sabe que não é a primeira vez que ele desaparece. Quantas vezes você me disse que quando vocês brigam, ele sai do ar por uns tempos.

— É, ele tem essa mania. Mas, agora parece que tem alguma coisa diferente. Não sei. Intuição feminina.

— Eu entendo Alice. Também venho tendo pressentimentos ruins. Mas, me conta sobre a gravidez, você nem barriga tem garota?

Alice, um pouco mais calma resolveu abrir seu coração para a amiga.

— Esse é um outro assunto delicado, mas, por favor, que isso fique entre nós duas.

As duas amigas conversaram um bom tempo. Agora, compartilhavam a mesma preocupação em torno de um problema ainda mais grave.

Filha de operários, Alice mudara-se com os pais para Goiás, ainda criança. Fora educada para ser mãe e esposa de alguém bem empregado no serviço público ou então, um militar das forças armadas.

Contrariando o desejo de seus pais, preferiu estudar e trabalhar. Rapidamente conseguiu progredir sem medir esforços para alcançar o que queria, ora se fazendo de humilde, ora arquitetando situações de conflito com as quais pudesse levar alguma vantagem.

O expediente na Cores & Brilho já se encerrava. Vários funcionários deixavam a empresa, vislumbrando o merecido descanso após um dia de trabalho.

Alice despediu-se de alguns colaboradores em uma das alas da empresa, um pouco mais aliviada pela conversa tida com Karina. Dirigiu-se até a garagem, com o celular nas mãos em mais uma tentativa inútil de contato com Jonas.

Assim que seu carro apontou na rua, saindo da garagem, passou à frente de um veículo ocupado por Miguel. O investigador certificou-se de que era o carro de Alice. Ajeitou-se no banco e deu partida na ignição, arrancando em seguida.

Miguel atuava como investigador particular, depois de ter deixado o cargo de agente da Polícia Federal. Chegara a participar, dentre outras ações, de uma operação secreta investigando políticos acusados de ligação com esquemas de corrupção e prática de "caixa 2".

A operação ocorrera em sigilo, sem maiores alardes por parte da imprensa. Políticos influentes no cenário nacional vinham sendo investigados e os dados levantados pela polícia federal, se revelados à opinião pública, poderiam causar certa instabilidade política.

Coordenara parte das investigações em parceria com a ABIN, Agência Brasileira de Informações, cujas ações foram parcialmente patrocinadas pelas forças armadas.

O próprio Presidente da República fora investigado, mediante utilização de grampos telefônicos. Participara, ainda, de investigações sobre o envolvimento de políticos com o narcotráfico e o contrabando.

Obviamente, Miguel seria uma pessoa que sabia demais, detentor de informações privilegiadas e merecedor de cuidados especiais, fato que o tornou persona non grata nos meios políticos.

Por conta disso recebera todo o tipo de presentes e também de pressão até que resolvera se afastar em definitivo, desligando-se da polícia após ter recebido uma boa ajuda financeira. Atuar no ramo de investigações criminais e segurança armada para proteção de políticos e pessoas influentes fora uma escolha acertada, principalmente no aspecto financeiro, uma vez que sua empresa saíra vencedora de diversas licitações para cuidar da segurança de políticos influentes por todo o país.

O sucesso empresarial não o afastara daquilo que mais gostava de fazer, ou seja, investigar a origem de crimes aparentemente banais que encobriam ações de organizações criminosas diversas.

Há algum tempo vinha se interessando por assuntos ligados a contrabando de minérios e pedras preciosas e suas possíveis ramificações.

A curiosidade em relação a isso já havia lhe colocado em situações difíceis dentro da polícia, como das vezes em que, ao conduzir uma investigação, identificou a ligação de políticos com tais atividades, nos vários escalões do governo e fora dele.

◆◆◆

Simão se esbaldava em um quarto de motel com duas garotas da boate em Copacabana, quando novamente o celular tocou. O display do aparelho jogado ao chão sobre o tapete espesso da suíte presidencial, mostrava o nome de Abdul.

Simão apressou-se em atender a ligação. O chamado interrompeu uma seção de sexo entre ele e duas garotas de programa.

Simão queria ouvir o que Abdul tinha a dizer. As acompanhantes da empreitada sexual permaneceram trocando carícias entre si, enquanto Simão, enrolado em uma toalha, desceu até outro compartimento da suíte.

A voz do outro lado da linha era pausada e tranquila.

— Tudo pronto em relação à celebridade? — Indagou Abdul, do outro lado da linha.

— Tudo certo.

— Ótimo.

Tanto Simão, quanto Abdul receberam com naturalidade a notícia das prisões realizadas no Amapá e já dispunham do nome do informante, cuja vida estava com as horas contadas.

O plano seria executá-lo tão logo fosse finalizada a ação de sequestro que se desenrolaria em Goiânia e tinha inicialmente como alvo o rapto de um cantor sertanejo famoso.

Entretanto, a opção de livrar a pele do artista colocando em cativeiro um parente próximo pareceu mais adequada, após incansáveis reuniões.

A tática já havia sido usada anteriormente em um caso semelhante. Artistas, jogadores de futebol e outras celebridades vinham sendo aterrorizados com sequestros de parentes próximos, causando comoção junto à opinião pública.

— Tudo já está devidamente planejado e a ação será realizada em menos de quarenta e oito horas.

— Ok Simão, mas, sem falhas.

— Fique tranquilo Abdul. Te mantenho informado. Desligo.

O primeiro objetivo do plano seria extorquir dinheiro via sequestro, envolvendo celebridades, para reforçar o caixa de uma das facções. Por tabela, desviaria o foco da mídia, que se ocupava em apresentar denúncias de corrupção e propina, dentro de estatais e órgãos federais, entre elas, a própria polícia.

◆◆◆

Antes de chegar a seu apartamento, Alice fora surpreendida por um homem que a esperava na portaria do prédio.

Miguel identificou-se, dizendo que precisaria lhe fazer algumas perguntas.

— Pois não. Já sei mais ou menos do que se trata. Pode perguntar aqui mesmo. — Alice, adiantou-se, após ter sido previamente preparada por Karina, em relação os objetivos de Miguel.

— Se a senhorita não se incomodar eu gostaria de poder subir ao seu apartamento. São muitas perguntas, algumas delicadas. Não fica bem serem feitas em um lugar tão público, quanto na portaria do seu prédio. _ Miguel sorriu, coçando o bigode e segurando seu bloco de anotações.

— Tudo bem, pode subir.

Até aquele momento, a polícia não obtivera qualquer informação sobre um possível desaparecimento de Jonas.

Miguel, todavia, iniciara suas perguntas exatamente nesse ponto, tão logo adentrou o apartamento.

— O senhor Jonas então é seu noivo e sócio na Cores & Brilho? Eu estive na empresa mais cedo e não os encontrei. Falei apenas com a senhorita Karina.

— Ela comentou comigo sobre sua visita. É sobre o gerente do banco?

— Desculpe senhorita, mas eu faço as perguntas. O senhor Jonas...

Antes de prosseguir, Alice o interrompeu.

— Respondendo sua pergunta, somos sócios na Cores & Brilho e somos noivos, mas ele não mora aqui. A gente pretende se casar primeiro. Em alguns pontos somos muito conservadores. Além disso, ele está viajando desde ontem pelo interior de Goiás. Acho que respondi a sua primeira pergunta.

Miguel fez alguns rabiscos e anotações em seu caderno. Como de praxe, desfilou os graúdos olhos azuis pelas dependências do apartamento.

Prosseguiu, coletando informações sobre a empresa, suas movimentações financeiras e o sumiço de Hugo.

Alice, respondera às perguntas em tom monossilábico, negando saber a resposta a algumas das indagações, principalmente, sobre um possível desentendimento entre Hugo e Jonas.

— Qual desses é seu noivo? — Miguel perguntou, apontando para uma foto, misturada a outras, que estavam espalhadas em uma mesa, junto a alguns negativos.

Alice aparecia na foto, ladeada por Simão e Jonas.

— A fisionomia de algumas pessoas nessas fotos me parece familiar — Miguel continuou — Vocês são conservadores, mesmo. Em plena era da fotografia digital, essa quantidade de fotos impressas e de negativos. Nesse ponto também sou conservador. Se depender de mim, nunca comprarei uma câmera digital. Aliás, agora com os smartfones, câmera fotográfica para que né? — Sorriu debochadamente. — A fotografia é um hobby para mim, mas tem que ser com câmeras convencionais. Colocar o filme na máquina, fotografar e revelar as próprias fotos é um prazer fenomenal.

Alice não se manifestou e nem deu trela à conversa evasiva sobre hobby fotográfico. O telefone tocou. Alice, pediu licença para atender a chamada.

— Oi Alex. Tudo bem sim e você?

Alex, um de seus irmãos estava do outro lado da linha.

Miguel atinou-se ao ouvir Alice pronunciar o nome do irmão. Mais anotações e rabiscos. O dedo polegar e o indicador de uma das mãos esfregavam as pontas do farto bigode meio ruivo.

A conversa por telefone entre os irmãos começou calma e foi tornando-se tensa, sob os olhos atentos e curiosos de Miguel.

— Aquele cafajeste tá em alguma gandaia, minha irmã. Não é a primeira vez que aquele sem vergonha faz isso.

Alan, um outro irmão, tomou o telefone e esbravejou, carregando um sotaque sertanejo.

— Dá um chute nele, ocê não precisa desse cara. Sai dessa merda de sociedade na empresa, ora. Vem trabalhar com a gente, sô. Já te falei. Se ocê quiser te coloco em contato com empresários de São Paulo, procê seguir carreira artística. Ocê pode fazê carreira solo, cantando música pop.

— Larga de ser bobo Alan. Não quero ser artista. Gosto de cantar para os amigos nas festas que fazemos. Essa coisa de fama é pra você e o Alan. Eu tô fora. Nem gosto assim de música sertaneja. Aliás, você e o Alex cantam juntos por grana. Música sertaneja aqui em Goiás é que dá grana. Porra, além do mais eu gosto do cara, apesar... — Alice interrompeu, percebendo que falava demasiadamente na presença de um incomodativo visitante. — Apesar de quê...? — Insistiu um dos irmãos ao telefone.

— Deixa pra lá... esquece.

Para os irmãos, Alice parecia esconder algo. Alice preferiu interromper o assunto sem entrar em detalhes. Mesmo assim, continuaram a conversarem por mais alguns minutos, sobre outros assuntos familiares.

Durante o tempo em que Alice falava ao telefone, Miguel observara a decoração do apartamento, as fotos sobre a mesa e os quadros na parede.

Algumas horas depois de responder a uma série de perguntas feitas por Miguel, Alice deitou-se em sua cama, após um banho relaxante.

O telefone celular tocou e, no display, apareceu o nome de Simão.

— Oi gata, tudo bem? Já encontrou seu futuro maridinho? — Um riso sarcástico penetrou os ouvidos de Alice.

— Vá te foder Simão!

— Calma menina, você tá muito nervosa. Quem sabe uma massagem relaxante vai te deixar mais aliviada? — Insinuou Simão, certo de que ela queria vê-lo.

— Me desculpa. Estou nervosa mesmo. Passe aqui em meu apartamento que estou te esperando, mas tem que ser rápido. Depois a gente vai para nosso local de costume.

— Gostei de ouvir princesa. Você não sabe o que te espera. Estou morrendo de saudades. Dentro de alguns minutos estou aí.

Assim que desligou o celular, Alice vestiu um roupão e foi até a sala pegar as correspondências recolhidas na portaria. Boletos bancários, contas de telefone, energia e algumas fotos espalhadas na mesa da sala.

Alice recolheu tudo, entretanto, teve a sensação de que algo estava faltando. Não conseguia se lembrar do que, mas ficou com uma sensação estranha.

Pouco mais de uma hora depois, Simão anunciou seu nome na portaria do prédio. Esperou alguns instantes até ser anunciado pelo interfone.

Alice ordenou ao porteiro que Simão a aguardasse na garagem do subsolo do edifício, junto a seu carro. O encontro aconteceu num motel da cidade. Como de costume, o encontro dos dois fora bastante rápido, aproveitando o sumiço de Jonas, cujo temperamento instável, contrastava com os resultados que gerava para a empresa em termos comerciais. Embora produtivo, tinha todas as características de um jovem rico e mimado.

Alice estacionou o carro horas depois, próximo à entrada de um hotel e despediu-se de Simão, de maneira discreta.

— Adorei gata. Quando eu retornar a Goiânia ligo para você, para um novo encontro. Deixa o Jonas por minha conta.

Simão sorriu e afastou-se do carro. Sem olhar para traz, adentrou-se ao hotel em que estava hospedado.

No caminho de volta a sua casa, Alice sentia-se mais aliviada e sem culpa. Enquanto dirigia, cantarolava uma canção que era executada em seu carro. A aparente tranquilidade estaria para ser quebrada em pouco tempo.

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