Capítulo 4
Rose
Foram dois dias em completo silêncio.
Eu mal o cumprimentava quando ele vinha ver o filho quando estava nas áreas centrais da casa. Nenhum de nós fazia questão de resolver a situação, afinal ele era meu patrão e era essa a postura que eu queria que tivéssemos a partir de agora. Nada de intimidades por eu ser irmã de sua cunhada, para que ele não cogitasse liberdades que não possuía.
Todos os funcionários já tinham percebido que algo havia acontecido, Luana, Bianca e Janice até tentaram arrancar de mim, mas eu disse que tudo estava como deveria estar e se elas não queriam que ele as colocasse no olho da rua, era melhor cada uma fazer o seu serviço e parar de cuidar da vida do futuro conde e com isso as fiz entender que algo que eu tinha feito tinha ameaçado o meu emprego por isso me "coloquei no meu lugar".
O problema era que minha cabeça pensava nele o tempo todo, mesmo eu querendo esquecer ou pensar no filho do duque, Antônio tomava conta dos meus pensamentos, com seus sorrisos difíceis, seu semblante sério e a forma de analisar tudo e todos que entravam em seu caminho. Eu não queria pensar, mas era impossível, quanto mais eu forçava para esquecer, mais eu pensava.
Era incrível como a rotina me fez o ver de forma diferente, coisas que eu nunca imaginei que seriam parte da vida dele. Coisas que agora era comuns a mim e por conta de tudo que aconteceu, eu não podia mais fazer parte e isso me apertava o coração.
— Como estão as coisas por aqui? —eu acabara de chegar à cozinha e via uma grande quantidade de verduras sobre a mesa.
— Chegamos da feira, senhorita. Já está tudo comprado da maneira que sugeriu.
— Isso é muito bom, vejo que está tudo bem fresquinho — sorri para elas que confirmaram com a cabeça.
— O almoço hoje será carne de panela e sala de folhas mistas. — Eu amava a carne de panela delas e Antônio também.
— Estão querendo se redimir por algo? — falei brincando, já me sentando a mesa para tomar meu café.
— Claro que não, mas precisamos desse emprego tanto quanto a senhorita, então é melhor fazer por onde.
— Estão certas, não podemos falhar. — Ouvi o chorinho de Otávio e me levantei e fui correndo ao seu encontro. O bebê teve uma noite agitada, eu não sabia identificar o que estava acontecendo com ele, mas algo não estava bem.
Entrei no quarto e o peguei no colo, seus olhinhos tristonhos partiam meu coração. O aninhei em meu peito.
— O que foi pequeno, conta para a titia o que você está sentindo? —o olhei enquanto ainda chorava. O deitei sobre o trocador para ver suas fraldas que estavam limpas, tirei toda a roupinha para ver se algo o estava espetando, olhei seus ouvidos e nada.
— Está tudo bem? — a voz de Antônio preencheu o quarto e se aproximou — O que ele tem? — o olhei e percebi as rugas de preocupação se formarem em sua testa.
— Eu não sei ainda senhor, ele teve uma noite difícil, vou pedir para que o dr. Rubens venha vê-lo.
— Chame o dr. Daniel, ele já está acostumado a cuidar de minha família — ele pegou o bebê de meus braços e o aninhou no peito. — Não meça esforços para deixá-lo bem. — Confirmei com a cabeça já me encaminhando para a porta para pedir que uma das meninas fosse buscar o doutor.
Meus pés estavam no automático, quando percebi estava entrando na cozinha.
— Bianca, por favor, vá buscar o dr. Daniel — falei sem dar muitas explicações.
— Sim senhorita — ela tirou o avental e saiu correndo porta a fora.
— Precisa de algo? — Luana veio até meu lado — Otávio, não é? — confirmei com a cabeça.
— Só peça para que o doutor suba assim que ele chegar, estarei com ele no quarto. — Ela confirmou e voltei para perto de Otávio e seu pai.
Abri a porta devagar e vi Antônio cantarolando para o pequeno que agora estava mais calmo. Ele parecia prestar atenção na letra melodiosa que o pai cantava. Era uma canção que eu nunca tinha ouvido, mas que falava sobre o amor, de como as pessoas têm que entender e respeitar o amor de cada um. Era bonita e fiquei na porta admirando com medo de que ele parasse se me visse, contudo quando se virou ele continuou a cantar não se importando com a minha presença a prestar atenção nos dois.
Era engraçado como ele não se importava de como era visto por todos que trabalhavam a sua volta. Ele não se importava de demonstrar os sentimentos que tinha por seu filho e pela falecida esposa. Ele era humano como qualquer um de nós e sua posição não impedia de transparecer isso.
Os minutos foram passando e Antônio continuava preso em sua bolha com Otávio. Um precisava do outro, um sempre completaria o outro. Era uma linda relação a que ele estava criando com o filho.
— Senhorita? —Me virei e vi o dr. Daniel atrás de mim.
— Oh doutor, que bom que chegou, só um minuto — me virei para Antônio e chamei sua atenção.
—Senhor, o doutor está aqui — ele confirmou com a cabeça e dei passagem para o médico entrar no quarto.
Entrei atrás dele no quarto e fiquei um passo atrás dos dois, vendo o pai colocar o bebê sobre a minha cama e o médico abrir a pequena roupinha do pequeno que novamente voltava a chorar, me deixando angustiada.
— Não se preocupe rapazinho, eu só quero escutar seu coraçãozinho — disse passando o estetoscópio por seu peito. — Seus pulmões estão bem fortes, como posso ver — nós rimos, mas de nervoso.
— Ele normalmente é bem calmo, mas essa noite estava bem agitado, não dormiu bem — falei baixo e Antônio me olhou.
— Pode ser uma gripe ou uma virose, ainda é cedo para dizer — o médico terminou de examinar o bebê e me deu espaço para colocar suas roupinhas, enquanto ia até a maleta para prescrever o que eu deveria dar ao pequeno.
—Acha que pode ser algo grave? — Antônio se aproximou dele.
— Não senhor, é somente uma coisa de bebês. Como ele está adquirindo imunidades, é comum que pequenas gripes e viroses estejam presentes em seus dias. Não pode ser nada demasiadamente exagerado, mas os pequenos são comuns e importantes para sua saúde.
— Entendo — ele disse me olhando pegar o pequeno nos braços. Embalei Otávio lhe dando um beijo na testa e o observando se acalmar novamente.
— Vou passar um remédio natural para tirar as dorzinhas que ele deve estar sentindo no corpo, caso ele tenha febre, vou deixar um remédio também. — Confirmei com a cabeça. — Pelos próximos três dias essa rotina será normal, porém após isso ele tem que ficar melhor, caso não aconteça, me informe que voltarei para examiná-lo de novo.
— Tudo bem doutor. Vou te acompanhar até a porta — Antônio o levou enquanto eu embalava o bebê para tentar fazê-lo dormir um pouco agora que o médico já o tinha medicado.
O ninei por um tempo, seus dedinhos brincavam com meu cabelo e seu olhar seguia o meu. Fiz carinho em sua sobrancelha e entre os olhos com minha mãe tinha me ensinado a fazer com minha irmã mais nova, Bria e aos poucos ele foi cedendo ao sono. Mesmo depois de ter dormido ainda fiquei com ele nos braços com medo de que ele acordasse e não descansasse o suficiente.
— Rosely? — Olhei para a porta e Antônio estava encostado nela. — Não precisa se preocupar com a casa hoje, faça tudo o que for preciso para que ele não sinta dor, ele é a minha prioridade — sua voz era um sussurro. — Eu estou indo trabalhar, mas volto cedo hoje, qualquer coisa é só mandar me chamar que volto. — Confirmei com a cabeça. — E descanse também, se Otávio não dormiu, você também não.
— Não estou cansada, somente preocupada com ele. — falei voltando meus olhos para o pequeno que dormia tranquilo — Espero que agora ele fique mais confortável. — Passei meus dedos por seus cabelinhos pretos e beijei sua testa —Pode ficar despreocupado, qualquer coisa eu te aviso.
— Se precisar, pode chamar o doutor quantas vezes forem necessárias. — Ele entrou no quarto se aproximando de nós. — Vou pedir para as meninas trazerem suas refeições se não quiser descer.
—Não se preocupe, nós vamos ficar bem — levantei meu rosto para olhá-lo e seus olhos se fundiram aos meus. Eu não precisava de palavras para entender a enorme gratidão que se estampava neles. Eu sabia que a pessoa mais importante do mundo para ele era o filho e que ter alguém para dividir o fardo e saber que cuidava tão bem quanto ele, ou a esposa faria, era o que mais lhe agradava.
— Acho que nunca será o suficiente te agradecer por cuidar dele como faz.
— Seus olhos já transmitem tudo que eu preciso, não se incomode com palavras. — Quando eu percebi já tinha dito e quis engolir minhas palavras.
— Não se esqueça de me avisar — ele não falou nada sobre minhas palavras, mas eu podia ver que em seu olhar algo tinha mudado. Estava mais intenso.
— Não vou. — Ele saiu do quarto e me sentei encostada a cabeceira da cama ainda com o pequeno em meus braços, me repudiando mentalmente pela tamanha bobagem que tinha acabado de falar.
Antônio
Desci as escadas e peguei a mesa posta apenas uma xícara de café preto, eu sabia que estava atrasado, mas nada no mundo seria mais importante que meu filho. Meus irmãos que esperassem.
— Luana? — chamei assim que a vi passar pela porta — Rosely ficará cuidando de Otávio hoje em tempo integral, suba de hora em hora para ver se ela necessita de algo para si ou para ele e qualquer coisa mande me chamar. — Ela confirmou com a cabeça — Obrigado. — Coloquei a xícara na mesa e sai de casa indo em direção ao meu motorista.
O trajeto até a empresa demorou mais que o normal, eu não queria estar lá e sim com meu filho, era como se algo estivesse errado e que minha mente me mandasse embora a todo custo.
Chegando à fábrica fui em direção a minha sala, onde meus dois nem tão adoráveis irmãos já me esperavam.
—Você está atrasado — André falou assim que cruzei a porta.
—E não vai explicar o motivo de nos fazer esperar por mais de duas horas por sua ilustre presença?
— Preciso? —os dois me olharam como se eu estivesse brincando. Tirei o blazer e o coloquei nas costas da cadeira me sentando logo em seguida.
— É o mínimo que a gente espera — Álvaro se aproximou me avaliando —A não ser que...
—Que? — André me olhou da mesma forma que ele e eu já bufava de raiva.
—O que aconteceu com Otávio? — Álvaro estava mais suscetível a esse tipo de assunto, com a esposa grávida e com uma doença sem cura, ele sabia as nuances de preocupações que dominavam os nossos corpos, quando algo estava além de nossas forças.
—Ele não acordou bem, está medicado.
—Nem deveria ter vindo, volte para casa — ele falou já se afastando. — Só de uma olhada nisso aqui e vá embora. —André continuava nos olhando com cara de quem não estava entendendo nada.
—Por que essa loucura toda? Você tem alguém que está cuidando dele, não tem? —André as vezes me parecia tão sem coração, nem parecia que era casado.
— Você ama sua esposa? — perguntei o encarando.
—Amar é uma palavra forte — ele saiu pela tangente como sempre.
— Enquanto não a amar, não vai saber o que é sentir o desespero de ver alguém que se ama sofrendo e não poder fazer nada. — Álvaro disse me dando o papel para avaliar. Como diretor financeiro da fábrica, era estritamente necessário que eu analisasse tudo, mas hoje não era um bom dia para cálculos.
— Você precisa desse orçamento para quando? — o olhei novamente.
— O quanto antes, os preços que estão aí são somente até o final da tarde de amanhã. — Tentei me concentrar novamente, e vi as variáveis que seriam positivas na compra dos materiais. Isso me deixou satisfeito por hora. Aprovei o orçamento de Álvaro e o devolvi.
— Na reunião de hoje eu ia te solicitar uma viagem para o norte, fiquei sabendo que existe um novo fornecedor de lã naquela região e quero conferir. — André se pronunciou.
— Pretende ficar quanto tempo por lá? — eu analisava a expressão dele.
— O tempo que for necessário — ele foi vago como sempre.
— Lana vai com você? —Álvaro agora prestava atenção.
—Acredito que não — vago novamente.
—Que tipo de casamento vocês tem? — Álvaro questionou. — Emma me mataria se eu ficasse tempos sem voltar para casa.
— Não tentem entender o que nem eu mesmo entendo. — Revirei os olhos.
— Você é que não quer assumir esse compromisso com a sua esposa, está protelando essa relação a 5 anos.
— E o que você sabe? — ele se enfureceu —O que você sabe sobre a merda do meu relacionamento?
— Nada e me preocupo com isso, sou seu irmão mais velho e quero te ver feliz. Se escolheu casar-se com ela, deveria pensar no bem-estar dos dois.
— Quando Margareth era viva, você vivia viajando — jogou em minha cara e aquilo me irritou.
— Era de comum acordo.
—E quem disse que com Lana, não é? — ele se levantou batendo as mãos na mesa. — Cuide de sua vida que eu cuido da minha, Antônio. Já passamos da fase em que você tem que assumir toda a responsabilidade.
— Tudo bem, se é isso que quer. Mas se não tem previsão para voltar, deverá levar Lana com você.
— POR QUÊ? — ele berrou irritado.
— Porque mamãe vai cair na minha alma, e não quero esse fardo, você que lide com ele. — falei me levantando e colocando meu blazer. — Como você bem disse, vou cuidar da minha vida e da única parte de Margareth que me restou.
Sai pela porta sem deixar que ele dissesse mais nada, Álvaro também não tentou questionar e eu só queria estar em casa com a única pessoa que me importava de verdade.
A volta para casa foi pior do que a ida, no começo eu só tinha que lidar com os problemas de Otávio, contudo tinha Rose que dividia o fardo comigo. Agora eu tinha que lidar com a relutância de um irmão cabeça dura que ainda não tinha evado a sério o compromisso que fez com sua esposa, eu não entendia o porquê de toda aquela relutância entre André e a esposa, mas com certeza o casamento deles não era normal. Existia muitas feridas abertas e sem curativos, nunca iriam se curar.
— Como estão as coisas? — perguntei a Janice assim que pisei em casa.
— Tudo calmo senhor, Rose fez o pequeno comer agora pouco e lhe deu um banho para abaixar a febre.
— Febre? — já estava me preparando para subir as escadas correndo.
— Sim, ele ficou um pouco febril, mas ela foi rápida em lhe dar o remédio e um banho para abaixar.
— Obrigado — subi de dois em dois os degraus, eu precisava vê-lo imediatamente. Dei duas batidinhas na porta e ela autorizou minha entrada.
— Já voltou? — perguntou ninando Otávio na posição vertical.
— Não consegui ficar longe, como ele está? — me aproximei pedindo para que ela me passasse ele.
—Ele chegou a 38° de febre, já mediquei e estou acompanhando. Ele comeu um pouquinho de papinha, o que é bom para a imunidade não cair ainda mais — confirmei com a cabeça — Quero que ele durma um pouco para recuperar as energias.
—Deixa que eu faço isso — abracei meu filho que já estava com os olhos fechados quando peguei. Me sentei encostado na cabeceira da cama e tirei os sapatos com os pés, cruzando as pernas sobre a mesma.
— Quer que eu busque mais alguns travesseiros? — Rose me olhou sem jeito.
— Não é preciso. — deitei Otávio sobre meu peito e alisei suas costas para que ele se sentisse confortável.
— Ele adora ficar nessa posição — ela sorriu para ele, colocando sua mão em sua testa. — Parece que o remédio já fez efeito.
— Tomara que sim. — Percebi as olheiras escuras sobre os olhos. — Você deveria descansar também.
— Eu estou bem — ela falou, mas não acreditei. — Vou ver se as meninas precisam de algo. — Ela se levantou e saiu do quarto, me deixando preso naquele momento com meu filho. Fechei meus olhos sentindo sua respiração e seus pequenos sons e aquilo encheu meu peito.
Ouvi a porta ser aberta algum tempo depois, mas não fiz questão de abrir, sabia que era ela, mais ninguém teria permissão para entrar naquele aposento. Senti a cama se mover ao meu lado, mas nada que pudesse incomodar a mim ou a Otávio. E depois o silêncio reinou novamente. Voltei a me concentrar em meu pequeno bebê e depois de um tempo não ouvi mais nada. Mergulhei em um sono profundo como a muito tempo não tinha.
Acordei assustado com meus braços firmes em volta do pequeno que continuava dormindo, olhei para o lado e vi Rose aninhada ao meu lado, com o rosto sobre um dos braços, virada de lado. Uma cena que eu nunca imaginei ver. Meu ar fugiu naquele momento. Algo dentro de mim dizia que eu poderia me acostumar facilmente com aquilo.
— Você prometeu Antônio, você prometeu — ouvi o sussurro de Margareth em minha cabeça.
É, com certeza eu estava indo por um caminho que me levaria a ruína de vez.