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Capítulo 3

Rose

Otávio acordou a noite para mamar e desci com ele em meus braços. Meu robe cobria todo o meu corpo e a mamadeira já estava no lugar que Bianca sempre deixava para noites em que o bebê saia da rotina. A entreguei a ele observando seus olhos se fecharem imediatamente após colocar o bico da mamadeira na boca. Ele era tão lindo, sempre admirava como seus traços eram perfeitos. Uma obra de Deus.

Assim que terminou coloquei a mamadeira na pia e voltei com ele em posição vertical para que arrotasse. Subi as escadas devagar, mas ao entrar no corredor Antônio já estava na sua porta de braços cruzados.

— Algum problema? — falou seco.

— Não, estou somente fazendo o meu trabalho. — Entrei no quarto e fechei a porta. Eu sabia que não deveria ter feito aquilo. Ele era meu patrão e pai do bebê, mas a minha raiva era maior do que qualquer coisa. Ele que morresse na própria cólera.

Ninei Otávio cantando para ele músicas que minha mãe cantava para mim, embalei seu sono por muito tempo, mesmo quando eu já tinha certeza de que ele dormia profundamente. O sono tinha abandonado seu corpo, não havia qualquer resquício em minhas veias.

Coloquei o bebê no berço e fui ao banheiro me trocar, não tinha por que ficar na cama se o sono não a prendia mais. Desci para a cozinha e coloquei tudo o que precisava sobre a imensa bancada. Iria fazer os pães e roscas que dona Arlete queria, ela sim merecia toda a sua atenção e gentileza. Além disso desde pequena eu sabia que para afastar todos os meus problemas tinha que manter minha mente e mãos ocupadas.

Pela janela podia ver o sol raiar e invadir a cozinha com sua luz majestosa. Sorri com aquele espetáculo.

— Quem sabe hoje o dia seja menos pesado — pensei em voz alta.

Quando tirava a última fornada de rosca do forno, Bianca e Luana chegaram.

— Pulou da cama? — falaram assim que viram a mesa com 10 pães e 10 roscas de fruta.

— Mais ou menos isso — sorri para Bianca.

— Vai alimentar quantos batalhões? — Luana se abaixou para sentir o cheiro que emanava dos pães.

— Vou separar para que vocês entreguem para a condessa e para minhas irmãs. — As duas confirmaram com a cabeça.

— E como foi o jantar? — Bianca se sentou no banco puxando a cesta que iria colocar os pães e as acomodando com cuidado.

— Não tenho interesse algum de falar sobre a noite de ontem — as duas olharam interrogativamente para mim, mas fingir não ver.

— Foi tão ruim assim? Os duques são pessoas esnobes? — Luana falou se sentando ao lado de Bianca.

— Não, longe disso, se bem que as filhas... — dei dois tapinhas na boca — Quem sou eu para falar qualquer coisa. —peguei os pães e roscas e coloquei nas cestas. Uma maior para as irmãs e uma menor para a condessa.

—Então o que aconteceu? — Luana insistiu.

— Nada, não aconteceu nada. — Me fiz de desentendida, não tinha porque prolongar aquele assunto.

— Tudo bem, não quer falar eu aceito, mas não venha me dizer que não reparou no filho do duque, meu Deus que homem lindo era aquele? — Bianca concordou cobrindo os pães.

— Se eu fosse solteira e tivesse qualquer tipo de chance, eu investiria com certeza.

— Não falem bobagens. — falei fechando a cara.

— Não é bobagens, você não ficaria feliz em se casar com um duque? Olha sua irmã, é casada com o filho do conde, não precisa se preocupar com mais nada na vida. Diferente de nós que estamos nos matando de trabalhar para chegar em casa e começar tudo de novo.

— Casamento não é só dinheiro, meninas.

— Mas ajuda. — Luana pontuou — Seria bem mais fácil ser casada com alguém de posses do que ficar nessa de viver pela vida dos outros.

— Vocês estão fazendo drama — lavei minhas mãos na pia e as sequei — Eu não estou procurando por nada ainda, meu objetivo é cuidar bem do Otávio e achar uma nova governanta para a casa.

— Até parece mãe do menino — Bianca se levantou — Não se apegue Rose, o senhor Campos é volátil como o álcool. Você pode estar servindo bem agora, mas amanhã nunca se sabe.

— Já percebi isso. — falei mal-humorada.

— Mas realmente eu achei que você estaria mais animada hoje.

— Vamos parar de falar de mim? Terminem de arrumar a mesa do chefe de vocês e vão entregar os pães na casa do conde e da minha irmã. Hoje o dia promete ser daquele jeito. — Sai da cozinha e fui para o quarto olhar se Otávio estava bem. Péssima escolha, bem na hora dei de cara com o senhor Campos e quis dar meia volta, mas como não podia simplesmente o cumprimentei e entrei no quarto não dando qualquer espaço para conversas.

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Antônio

Mas que grande merda aconteceu nessa casa ontem? Eu ainda estava me decidindo de onde vinha a imensa raiva que tinha brotado em meu peito. Eu sei que a presença de Arthur Vasconcelos mexeu monstruosamente com meu psicológico, mas eu sempre soube como lidar com isso, até mesmo quando Margareth estava viva eu sabia como controlar o ciúme louco que eu tinha dele, mas ontem eu explodi e descontei na pessoa errada. Ela nem é nada minha e tem razão em achar ruim de eu me intrometer no cortejo de Arthur com ela. Ela é linda, empolgante e uma pessoa doce e ele percebeu isso extremamente rápido.

Saí do meu quarto para dar de cara com a pessoa que está tirando meu sono. Pensei em cumprimentá-la, contudo ela se fechou e entrou no quarto, como na noite anterior e isso estava me deixando louco. Eu gostava muito da sua presença, agora não sei como tudo ficaria. Desci as escadas rápido sem prestar atenção em nada.

— Bom dia, senhor Campos — Luana me cumprimentou — Já estou terminando de colocar a mesa para o senhor.

— Não precisa, não vou tomar café hoje — peguei meu blazer e sai o colocando pelo caminho. Me encaminhei até o carro, onde o motorista já estava me esperando.

— Bom dia senhor, acordou cedo — Sérgio, meu motorista se apressou a abrir a porta.

— Bom dia, Sérgio, direto para a fábrica, por favor. — Eu não estava muito a fim de conversas hoje, eu só queria parar de pensar na merda de ontem.

O caminho foi silencioso do jeito que eu queria, somente eu e meus pensamentos como companhia.

A fábrica ainda se encontrava inteira apagada, não existia uma alma sequer, além dos vigias que ficavam na parte de fora e me cumprimentaram ao passar. Saí ligando todas as luzes, como o zelador faria.

Fui em direção a minha sala e me soltei na cadeira observando tudo que tínhamos conseguido naquele último ano. Cem mulheres trabalhavam para nós e conseguiam manter suas famílias, eram 100 vidas que transformavam outras 100 ou mais. Era nisso que eu tinha que me focar, tinha que continuar transformando vidas da melhor forma que eu sabia fazer, sendo investigador e ajudando pessoas que eram excluídas da sociedade por algum motivo. Tudo tinha que ter um propósito, exceto a noite de ontem, que me incomodava por não ter uma razão por existir.

Eu sabia quem era dentro daquelas paredes. Sabia quem eu era perante todo o meu pessoal, mas não me reconheci na noite anterior. Não era algo que eu em sã consciência faria e não era algo com a qual eu estava habituado.

Comecei a repassar as papeladas que meus irmãos tinham deixado em minha mesa. Como sempre André estava com dificuldades em desenvolver uma nova região, ele não conseguia viajar por longos períodos, porque a esposa não queria o acompanhar e isso começava a trazer alguns prejuízos para a fábrica, ainda mais depois que começamos a produzir os tapetes que era um sonho da minha mãe.

— Caiu da cama? — Álvaro estava sempre bem-humorado, depois de toda a loucura que aconteceu em sua vida nos últimos meses, eu achei que ele pegaria uns dias de folga, mas ele só queria fazer com que as coisas voltassem ao normal.

— Bom dia — falei voltando minha atenção aos papéis a minha frente.

— O que aconteceu? Brigou com quem hoje? — ele e suas piadinhas. — Que não seja com a Rose, por favor, minha mulher já está preocupada com ela.

— O que? Por quê? — essa era nova, Emma ainda não tinha tido tempo de conversar com Rosely como ela saberia o que tinha acontecido.

— Ela não quis me contar tudo, mas ela acha que Rose se culpa por tudo que aconteceu com elas.

— E por que seria culpa dela? — agora ele realmente tinha conseguido minha atenção.

— Ela é a mais velha acha que tem que resolver tudo, assim como você — me alfinetou se sentando em sua cadeira — Então, por favor, evite estresses desnecessários com ela, não quero ter que te bater para deixar minha cunhada feliz.

— Como se você conseguisse tal feito — ri da cara dele.

— Quer pagar para ver? — meu irmão mais novo era o mais alto de todos nós, nem minha mãe sabia de onde tinha saído seus 1,90m de altura, e esse detalhe nos fazia sempre repensar se devíamos ou não mexer com ele.

— E como está Emma e meu sobrinho? — desconversei.

— Estão bem, tirando os enjoos que continuam bem persistentes. Dr. Daniel vai em casa quase todos os dias para avaliá-la, ele disse que assim que ela entrar no 3 mês as coisas vão melhorar.

— Eu me lembro de como a Margareth ficou nesse período, não foi nada fácil.

— E Otávio? — Percebi que ele não queria se manter no assunto sobre a minha esposa. Álvaro tinha medo de que algo parecido acontecesse a Emma por causa de sua doença. Ele não gostava de pensar nessa possibilidade.

— Está cada dia mais lindo e esperto, você tem que ver como ele ri com a Rose. — Meu filho está cada dia mais parecido comigo e isso me enche de orgulho, se minha falecida esposa estivesse aqui iria reclamar que ela só carregou.

— Vou ver com a Emma de irmos lá qualquer dia desses. Preciso vê-lo, já faz dias e estou com saudades daquele moleque. — Sorri.

— Vocês realmente não têm vida — André chegou se jogando em sua cadeira. Seu cabelo amarrado para trás como sempre, nos dava a completa dimensão de sua personalidade. Ele adorava ir contra tudo que a sociedade pregava e ao mesmo tempo que me deixava preocupado me enxia de orgulho. Suas roupas porém não estavam tão de acordo assim com o esperado do filho de um conde. André as vezes tentava nos ludibriar de que as coisas em sua casa estavam bem, porém tanto eu quanto Álvaro conhecíamos a sua verdade.

— E você pelo visto está sem uma arrumadeira de novo. — Constatei o óbvio.

—Se você tivesse o dragão de São Jorge em casa, você entenderia. — Eu e Álvaro reviramos os olhos — Eu realmente não sei como me casei com aquela mulher.

— Você fala isso a 5 anos, André — Álvaro se remexeu desconfortável — Ela sempre foi daquele jeito.

— Não, não foi. Ela era incrível — ela falou sorrindo para o teto e se largando ainda mais na cadeira.

— Então a mudança ocorreu somente em sua mente, porque eu nunca conheci outra personalidade da Lana. — Falei me levantando e entregando os papéis que estava analisando a eles. — André, vá se arrumar, daqui a pouco as funcionárias chegam e vão ver você nessa situação. — Ele me olhou e concordou com a cabeça.

— As funcionárias não são nada, dona Arlete acabou de chegar e vai surtar — Vi André pular da cadeira e sair correndo para o banheiro, segundos antes de minha mãe e meu pai entrarem pela porta.

— Bom dia meus meninos — ela deu um beijo em minha cabeça e em Álvaro. — Vim ver como estão os tapetes, quero ser a primeira a fazer o teste em um deles — ela disse animada. — Já falei para todas as minhas amigas que logo poderão entrar em contato conosco encomendado.

— Isso é bom, mas precisamos aumentar o número de lojas que os forneçam para valer a pena a sua produção.

— André vai conseguir, não se preocupe— ela olhou em volta — E falando nisso, onde ele está?

— Aqui, mamãe — suas olheiras ainda estavam fundas, mas a roupa e o cabelo estavam arrumados. — Não estou me sentindo muito bem hoje — fez seu drama característico.

— Você parece mesmo doente — ela se aproximou dele colocando a mão em sua testa. — Sua esposa está cuidando bem de sua alimentação? — olhei para Álvaro que me encarou de volta. A gente não sabia como mamãe ainda caia nessa.

— Do jeito dela — falou emburrado e voltou para sua mesa.

— André meu filho, quando vai parar com essa loucura de cabelo grande e barba gigante, isso não combina com você — era a milésima vez que ela falava, mas ele não ligava, André sempre foi o rebelde de nós.

— Está falando como a Lana agora — ele jogou uma bolinha de papel para cima — Gosto desse estilo, vou continuar assim. — sorriu cínico para ela. Que revirou os olhos e nos encarou.

— Vocês deveriam dar mais conselhos a ele. — Nem respondi, Álvaro também não e ela saiu da sala deixando me pai em sua mesa e indo conversar com as meninas que ela adorava.

— Vocês vão acabar matando sua mãe — ele olhou sério para André.

— Nós nada, seu filho faz merda e a gente que paga? — Álvaro se adiantou.

— Não sei por que ela ainda se importa, eu já sai de casa a quantos anos?

— Você sempre será nosso filho, André, nós sempre iremos nos preocupar com você. Sua mãe disfarça muito bem. — Eu sabia disso e eles também.

O clima ficou um pouco pesado depois disso e ninguém resolveu falar mais nada, eu já não estava muito no clima mesmo, achei melhor assim.

— Olha quem está aqui — mamãe entrou na sala com Francisca Vasconcelos, a filha mais velha do duque. Alguns diriam que ela era uma mulher extremamente atraente, com sua pele branca e olhos amendoados, mas eu não via nada de interessante. Seus cabelos loiros pálidos me davam uma impressão de que ela estava doente.

— Bom dia senhorita — dissemos juntos. Eu não fiz questão de me levantar.

— Ela veio até aqui para conhecer o que fazemos, não é gentil de sua parte? — Todos concordamos com nossa mãe — Antônio, que tal mostrar a fábrica para ela? — Eu não acreditava que minha mãe estava fazendo isso comigo. Meus irmãos começaram a disfarçar o riso e meu pai os fuzilou no mesmo momento.

— Claro — estralei a língua com desgosto. Fui em direção a moça e ela caminhou ao meu lado. Mesmo antes de sair da sala ouvi minha mãe dizer "formam um lindo casal, não acham?", tenho certeza de que ela também ouviu pela maneira que empertigou o corpo e me olhou de relance.

— Eu não sabia que iriam ficar aqui ainda hoje — falei pensando que o irmão dela ainda estava por perto e aquilo me irritava.

— Só até amanhã, meu pai e meu irmão têm alguns assuntos a tratarem. — E eu achando que eles estavam aqui exclusivamente para falar conosco.

— Entendi — a voz da moça era baixa e suave, parecia tão frágil quanto sua aparência. Andamos por vários lugares e mostrei a ela tudo que acontecia em nossas dependências, mas ela não pareceu se impressionar com nada.

— Aqui é sempre tão quente assim? — ela falou em um sussurro quando eu mostrava a produção de tapetes — Poderia me oferecer alguma coisa para tomar? — ela queria que eu saísse com ela dali?

— Obrigada por fazer essa observação, vou melhorar o ambiente para as minhas funcionárias. — Respondi sem dar atenção ao seu comentário.

— Para que? Para elas está bom — ela olhou de forma rude para as mulheres que trabalhavam ali.

— Então vamos voltar, minha mãe já deve estar a sua procura e tenho muito o que fazer. — falei me afastando esperando que ela me seguisse.

— Mas eu pensei... — pensou errado.

Voltei para minha sala com a cara fechada além de servir de anfitrião por dois dias seguidos ainda tinha que ouvi-la falar mal das minhas funcionárias. Pessoas que com toda certeza eram melhores do que ela em vários aspectos intelectuais e morais.

Mamãe me olhou interrogativamente enquanto a menina ficava ao seu lado fazendo cara de coitada. Elas sairão e não dei brecha para que nenhum dos que estavam ali perguntassem o que tinha acontecido.

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