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Capítulo 3

Lembro-me de tantas ruas desta cidade, sempre adorei Miami, mas esse meu pensamento já vacila há algum tempo.

Estou feliz porque tanto o reformatório quanto a casa da família para onde fui enviado quando tinha treze anos estavam no Bronx: aprendi muitas coisas lá e amadureci rapidamente.

Minha família não queria que a notícia se espalhasse e me demitiram.

Os anos que passei aqui depois da morte da minha mãe foram terríveis, eu não poderia ter ficado nesta cidade.

Eu nem sei agora como vou fazer isso.

O rosto do meu pai e o que ele fez comigo voltam para mim, me fazendo estremecer.

Isto não é apenas o passado.

Não são apenas memórias.

É como diz meu psicólogo: “um trauma”.

E isso nunca irá embora.

Saio rapidamente do carro e vou em direção à entrada da escola, parando por alguns segundos para observá-lo.

- É este? Pergunto só para ter certeza e Tyler concorda.

Subimos as escadas e entramos na estrutura, abrindo a porta de vidro.

Lá dentro noto um grande corredor na minha frente e dois nas laterais.

— Tenho que ir para o quarto andar, onde ficam os quartos; A secretaria fica na ala norte, ou seja, no amplo corredor à sua frente. Você pode se perder, mas há sinais para que você não tenha problemas em encontrá-lo.Tyler me olha ansioso para se aproximar de seus amigos, então com um aceno de cabeça eu digo a ele para ir.

Sigo as instruções até o escritório e, quando chego lá, abro a porta.

Uma escrivaninha laqueada branca surge na minha frente, junto com uma estante e uma quantidade indefinida de papéis espalhados pelo chão.

Levanto uma sobrancelha confusa e olho em volta, mas o que vejo são apenas algumas pinturas que retratam um velho com uma espessa barba branca, uma planta no lado direito da entrada e uma porta atrás da mesa.

Me aproximo, pisoteando os papéis no chão, e noto uma campainha.

Coloco meu dedo indicador sobre ele e ele emite um som claro e preciso.

Estou prestes a sair, irritado com a espera, mas uma mulher de cerca de cinquenta anos, totalmente vestida, abre a porta atrás da mesa e se senta.

— Eu deveria me matricular nessa escola, minha matrícula foi suspensa porque faltaram estes — digo tentando chamar a atenção deles e colocando os papéis em cima da carteira.

Ela me olha nervosamente por um segundo e calmamente volta a usar o computador.

- Com licença? —Pergunto, tentando manter a calma, mas sem conseguir nada.

"Ah, vá se foder", ele deixou escapar, caminhando em direção à porta.

- Como se atreve! Esta linguagem chula não é permitida nesta escola.

Educação! -

Você está brincando comigo?

— Eu te contei o motivo de ter vindo aqui, mas você me olhou com desdém sem responder, isso não me parece muito educado —

Suas pupilas dilatam e ele rapidamente pega os papéis que coloquei em sua mesa.

- Como imaginei. Carmem Milton! — ele lê com um sorriso de escárnio e me olha atentamente.

— Essa escola não é adequada para uma criança abandonada e fedorenta como você, aconselho que saia por aquela porta —

Um enjeitado atormentado?

—Nunca te disseram que quem cuida dos seus próprios assuntos vive cem anos? Não creio que existam padrões para a vida dos alunos fora da escola que vêm para cá. Você fala muito comigo sobre educação, mas se dirigir assim a mim não é nada educado e mostra que você é uma pessoa de merda – deixo escapar com raiva.

- É melhor você não abrir a boca na minha frente de novo, porque daqui você pode chegar ao hospital num instante, eu te garanto. Tenho certeza que você também leu que passei os últimos anos em um reformatório, o motivo não está escrito aí, mas você pode imaginar. — Continuo com a voz totalmente relaxada apesar do nervosismo e do ar de desafio no rosto.

Aprendi que se você responde bem às pessoas e parece relaxado, elas ficam mais nervosas.

Gritar não adianta.

Tenho essa estranha capacidade de entender, apenas com os olhos, como uma pessoa realmente é.

Sei que parece absurdo, mas esses preconceitos não são meus e, de qualquer forma, nunca se revelaram errados.

E olhando para ela cheguei à conclusão que ela é uma prostituta.

— Na segunda-feira você terá que vir aqui na secretaria pegar seu horário escolar. - ela diz assustada.

Adoro o efeito que tenho nas pessoas.

Finalmente saio do escritório, fechando a porta.

Já vi muitas pessoas hoje.

Eu tenho um personagem específico:

Sou muito malicioso e amargo, devo dizer, mas há dias como este, em que prefiro o silêncio absoluto.

Não falo muito e sou reservado.

Acho que isso se deve ao fato de eu ter voltado hoje para Miami.

- Olá Carmen! -

Viro-me na direção daquela voz e chamo a atenção de Tyler e de quatro garotos que presumo serem seus amigos.

- O que você quer? - pergunto nervosamente.

Aqui, como não foi dito, você está se recuperando de sua apatia momentânea.

“Meu pai disse que preciso levar você para casa”, ele responde, levantando uma sobrancelha.

— Diga ao seu querido papai que eu posso cuidar de mim mesma, não preciso de cuidador —

Desvio o olhar de seu rosto, não conseguindo evitar a melancolia de ver seu rosto na minha frente.

Meu primo e eu éramos muito próximos, mas depois da minha partida e de várias bobagens dele ficamos muito distantes.

É muito estranho ver que depois de todo esse tempo a nossa semelhança só ficou mais forte.

— Olá querido, sou Andrew — um garoto ao lado de Tyler, me olha com um olhar travesso.

—E eu sou alguém que se importa. Espere, mas já te vi em algum lugar! — respondo, olhando para ele com curiosidade.

O irritante cabelo loiro estava bem cuidado.

Olhos azuis.

Levemente bronzeado.

Nariz empinado.

— Foi aí que eu te contei

visto antes! — Bati na testa com a mão.

“Você é uma réplica de Ken. O mesmo cabelo cor de urina e uma aparência completamente idiota. Eu pensei que algo assim era ilegal

! - exclamo, observando-o atentamente e estremecendo com a semelhança.

É idêntico.

Tyler balança a cabeça divertido e Ken franze a testa confuso.

O mesmo retardo mental! Eles reproduziram perfeitamente.

—Tyler! — uma garota loira descolorida com um vestido amarelo neon curto e justo se aproxima de minha prima com altivez.

— Andei te procurando por toda parte, pardal, onde você foi? -

Espero, para seu bem, que seu tom de voz não seja realmente esse e que você tenha aumentado alguns pontos de propósito.

Pardal?

-E quem é esse?

cadela? —ele comenta, olhando para mim de cima a baixo com uma careta, e depois pousando o olhar novamente em meu primo.

Ei, espere o que?

"É melhor você fechar esse esgoto se não quiser acabar no hospital", sibilo baixinho, mas a princesinha está ocupada demais olhando para Tyler para me ouvir.

Suspiro tentando me acalmar e vou em direção à saída.

—Ei Ty, desde quando você tem uma irmã gêmea? Você nem vai aparecer? — Outro garoto me faz essa pergunta e eu olho para ele com desdém.

"O nome dela é Carmen", Tyler responde por mim.

— Prazer em conhecê-la, Carmen, sou Alabama — responde o idiota, rindo.

Mas estamos falando sério? Essas piadas de novo?

“Já ouvi essa frase tantas vezes quanto seus neurônios pararam de funcionar”, digo, rindo ao fundo.

Troco um rápido olhar com meu primo e, no momento em que nossos olhos perfeitamente idênticos, o esquerdo preto como breu e o direito verde escuro, se encontram, sou tomada por uma forte vontade de abraçá-lo.

Dou um passo para trás com uma cara dura e saio da escola balançando a cabeça confusa com meus próprios pensamentos, me aproximando do ponto de ônibus para ver qual pegar para o parque mais próximo.

Felizmente não é muito longe daqui, então demora alguns minutos para chegar lá.

Assim que saio do veículo, entro no grande parque e sento em um banco.

Não vim aqui por um motivo específico, só quero ficar quieto e pensar um pouco.

Fecho os olhos por um momento para relaxar e focar nos sons ao meu redor, até que um pequeno toque em meu braço me faz abri-los novamente.

- Você é um anjo? -

Uma garotinha de cabelos castanhos ondulados me olha sorrindo timidamente e eu olho para ela confusa.

- Um anjo? - pergunto a ele, suavizando meu olhar.

— Você é linda, mas parece triste, sinto muito que esteja sofrendo. E eu sei que você é um anjo, mas não se preocupe, não vou contar para ninguém”, diz ele, olhando para mim com seus grandes olhos verdes e estendendo o dedo mínimo.

Eu olho para ela confusa.

Ninguém nunca entendeu como eu me sentia, e agora essa garotinha entende?

Cruzo meu mindinho com o dela e ela sorri.

“Mas eu não sou um anjo”, repito novamente.

- Sim você é. Minha mãe disse que quem tem marcas nos pulsos é um anjo, ela sussurra como se fosse realmente um segredo entre mim.

Só então percebo que a manga do meu casaco está enrolada e volto a baixá-lo rapidamente: as marcas desenhadas anos atrás na minha pele ainda estão impressas nela, como uma memória distante, mas insistente.

— Eu te digo, não sou um anjo! —repito nervosamente, ainda mantendo um tom doce, para a pequena criatura na minha frente.

- Sim, efetivamente. Minha mãe me disse que só os anjos se machucam porque não gostam da vida na terra. Este mundo os destrói e é por isso que eles tentam voltar para o céu. Eles são muito sensíveis à dor dos outros e à sua própria dor. — Ela sorri docemente para mim e pega uma mecha do meu cabelo em suas pequenas mãos.

"Será o nosso segredo", ele sussurra e me abraça.

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