Capítulo 3
Quando adentramos o hotel e depois de um agradável banho quente, descobri que o meu quarto seria compartilhado com Desirèe. Revirei os olhos ao ver a sua verdadeira face. Ela fingia que não era tão bonita, provavelmente tinha feito uma maquiagem para ficar menos bonita mais cedo na seleção. A verdade é que ela era lindíssima!
Os cabelos loiros caíam em camadas até a metade das costas e os olhos azuis brilhavam agora que ela estava num pijama de frio usando brincos e um sorriso chamativo. Ela fez uma cara de nojo quando me viu. Eu não era uma das melhores pessoas na hora de dormir. Não podia culpá-la. Estava usando um dos meus pijamas prediletos de cor marrom que parecia um ursinho e pantufas de oncinha que deixavam tudo ainda mais tosco. Agora que eu tinha solto a juba, estava me sentido um leãozinho, com uma juba cobrindo-me em todas as direções. Desculpe, Desirèe, você vai ter que conviver com essa visão a noite toda. E a grande verdade, eu não ligo.
– Acho que prefiro você de terno. É menos feia. – Desirèe disse enquanto se alimentava do que parecia uma sopa de legumes. Tentei não fazer cara de nojo, mas achei hilário que agora Desirèe estivesse mostrando sua verdadeira cara. Ela não conseguia segurar a farsa por muito tempo.
– A recíproca é verdadeira. Prefiro você feia, Desirèe. – A garota franziu o nariz, como se estivesse me chamando para uma luta e achei aquilo a coisa mais tosca que já tinha visto. Acabei não me importando mais para ela. Peguei o telefone ao lado da cama e liguei para o que parecia ser o serviço de quarto.
– O que há para o jantar? – Perguntei morrendo de fome. Eu era uma morta viva em pessoa. Não podiam me culpar. Eu tinha passado o dia inteiro enfurnada num salão com vozes femininas me tirando do sério e sem comer! Eu queria comer!
– O que a Senhorita quiser, Senhorita Valença. – Disse a voz masculina do outro lado do telefone. Fez até meus olhinhos brilharem! Tudo o que eu quisesse? Será que não podíamos ficar para sempre no hotel? Eu precisava comer muito!
Depois de pedir tudo o que podia, incluindo sobremesa! Olhei para Desirèe que me olhava estranho. Parecia que ia vomitar. Aquela menina já estava me tirando do sério. Esperava que o quarto não tivesse câmeras, por que eu ia bater naquela garota se ela continuasse me olhando como se eu fosse um verme. Finalmente ela falou:
– Não sei como o Seth deixou você passar. Olhe para você! Gorda, ridícula, feia e, além do mais, faminta. Pior. Não consigo achar nenhuma qualidade em você. – Sim. Eu ia bater nela. Ela estava me tirando do sério.
– Eu posso te quebrar o nariz. Para mim isso serve de qualidade. E outra, chamar os outros de gordo e feio só mostra o seu nível de preconceito. – Não pude deixar de replicar. Ia pular no pescoço dela. Eu já explodia com facilidade, a França estava sendo um lugar perfeito para que isso acontecesse, me estressando em todos os dias. Ainda mais com aquela garota mimada achando que era a Rainha da Cocada Preta pensando que podia me xingar e ia ficar por isso mesmo. Não. Não ia mesmo.
– Além disso, não sou falsa como você. – Desirèe revirou os olhos. O descaso dela comigo estava me dando nos nervos.
– Eu vou conseguir a vaga, gorducha. Acho bom você comer mesmo, querida, porque sua cara de porco vai afugentar o Sheikh e a Senhora Zilena. Eles não vão querer porcos na casa deles. – E, para minha total surpresa, Desirèe ainda fez um som imitando um porco. Sem filtro depois dessa, retruquei:
– Muito menos vadias, acredito eu. O que você fez Desejo? – Disse zoando com o nome ridículo dela que tinha um significado ainda mais presunçoso. – Deixou Seth te beijar? Chegou a esse ponto? Por que é bem típico de você. Seria uma ótima garota de propaganda com esse nome, se você quer saber. Magra do jeito que é… – Ri não concluindo minha frase. Desirèe era muito magra. Parecia que ia quebrar. Duvido que pesasse mais do que quarenta e cinco quilos. Muito menos, com toda certeza. Eu poderia não ser magra como ela, mas também não era gorda. Eu era eu mesma. Uma garota com corpo normal. E não tinha nenhum problema com meu corpo, não parecia um porco e não era feia como ela dizia. Nunca me chamaram assim.
– Retire o que disse, porca, vagabunda! – Disse Desirèe que tinha sido quem tinha começado tudo aquilo e só atiçado a minha raiva. Ali, na minha frente, ela estava conseguindo destruir toda a máscara dela. Agora eu queria ardentemente que tivesse uma câmera e o Sheikh e a Senhora Zilena pudessem ver a máscara cheia de rachaduras que começava a cair do rosto da bruxa.
– O que disse, Srta. Desejo? Que cobra cem reais? – Eu sei que estava agindo muito baixo. Mas aquela menina pedia por isso! Ela tinha me chamado de feia, gorda, insinuado que não sabia como Seth tinha me escolhido, falado que eu era uma porca. Ela estava pedindo para que eu a xingasse depois de ter sido tão xingada.
Ouvi um grito do que pareceu um grito de guerra e quase me assustei quando Desirèe pulou em cima de mim com a mão em punho para socar-me. Tentei me esquivar, mas ela acertou a lateral da minha cabeça, enquanto eu voava para o chão. Bati minha cabeça com força no chão enquanto percebia que ela estava vindo para cima de mim.
Chutei ela, ainda meio atordoada, fazendo-a se afastar. Contudo, logo ela veio tentando novamente algo para mim e senti um puxão no cabelo. Estendi minha mão em formato de punho acertando seu estômago. Desirèe gritou enquanto tentava respirar fundo, o que me deu tempo para que eu me levantasse. A porrada na minha cabeça tinha me dado uma letargia incomum. Me senti meio tonta, como se cambaleasse de um lado para o outro. Enxerguei Desirèe e corri até ela para atacá-la. Puxei seu cabelo enquanto ela tentava acertar a boca do meu estômago com a perna. Com alguma sorte – ou ironia – do destino o joelho dela acertou o meu nariz e eu senti tudo ao redor virar pequenas estrelinhas enquanto perdia o controle das minhas pernas e alcançava o chão.
Desirèe veio novamente até mim e começou a dar tapas no meu rosto, o que deixava tudo ainda mais quente.
Céus, alguma coisa muito quente queimava a minha boca e descia pelo meu pescoço. Eu não conseguia nem mais abrir os olhos. Eu sempre fora boa em luta, uma verdadeira garota que lutava com todos os meninos, mas a minha cabeça ainda rodava por causa do soco na lateral da cabeça. Todos sabiam que isso era errado numa briga! Nunca se acertava a cabeça! O corpo, tudo bem! Mas não a cabeça! Isso era perigoso.
Ouvi alguém gritar da porta, mas não sei quem foi. Talvez o cara com a minha comida. Inclusive tinha sido um grito bem agudo, de surpresa. Ele deixou a porta aberta e saiu correndo, gritando pelos corredores. Dei um meio sorriso, mas acho que algo molhou meus lábios. Acho que era sangue. Devia ser. Tinha gosto de ferrugem.
– Retire – Ela deu um outro tapa – O que – Outro tapa – você – Outro – Disse. – Mais uma vez outro. A Raiva dela era gigantesca! Nunca tinha visto algo desse tipo.
– Você começou tudo, vadia! – Consegui dizer, sentindo meus lábios levemente inchados – Não vou me desculpar por sua falsidade, desejo. – Disse. Desirèe gritou de raiva e me deu outro tapa. Ela estava em cima de mim. Senti a falta de ar quando ela afundou seu corpo no meu tórax.
– Eu só comecei porque você é uma vadia de uma brasileira! Eu sou superior a você em beleza e estudo! Sou mais bonita! Sou mais adorável! Sou mais sensual! Não tem como você ser finalista comigo! A vadia aqui é você! Eu não sou garota de programa!
– Tem razão, você é uma falsa. Enganou a todos. – Disse já atordoada. Certamente nós duas seríamos eliminadas depois dessa. Não tinha porque trabalharmos para o Sheikh depois de quase nos matarmos no hotel. Tinha sido uma espécie de luta livre à noite.
– Sim. – Para minha surpresa Desirèe confessou enquanto ria, ria muito. – Enganei a todos. E por isso sou melhor do que você. Você não merece essa vaga. Eu mereço. Posso ser uma falsa, mas é adorável ver você sangrando assim, querida. Agora, se me der licença, deixe-me pegar um pouco de seu sangue. Fingir um pouco que você que começou tudo isso. Vamos ver quem vai continuar nessa competição, querida. – Ah, não. Aquilo já era injusto. Pegar meu sangue e fingir que eu tinha começado e que ela só tinha se defendido era uma sacanagem. Contudo, eu estava letárgica demais para revidar ou reclamar disso.
Para minha total surpresa, no entanto, Desirèe gritou. Deitada ali, no chão, demorei a entender o por quê. Contudo, ao me virar em direção a porta, percebi que o Sheikh, Zilena e Seth estavam à porta. Rashid e Zilena pareciam completamente assustados, olhando tudo com horror. Já Seth parecia uma mistura de tudo: Surpresa, preocupação e afetação, do tipo que tinha gostado de ver duas meninas se batendo. Desirèe foi até a cama, começando o que pareceu um soluço misturado com lágrimas. Então, para minha surpresa, ouvi Rashid, até que bem calmo, começando a ação:
– Zilena, ajude Desirèe a arrumar suas coisas para partir e a leve para baixo. Vou em busca de um carro para levá-la para casa e chamarei uma ambulância. Seth, se puder fazer o sangramento nasal de Agnes passar, agradeço. Zilena volta já para ajudá-lo. – Dito isso Rashid parou e Desirèe começou a falar parecendo uma louca, uma menina desvairada querendo se explicar:
– Por favor, não foi culpa minha! A culpa é toda dela! – Apontou para mim, o dedo indicador tremendo enquanto dizia. Percebi que ela tinha os olhos borrados de maquiagem preta. Ela estava maquiada? Eu nem tinha percebido isso. A maquiagem descia pelo rosto dando um ar abominável para a moça que se esgoelava apontando para mim como se eu fosse um monstro: – Ela me chamou de vadia! Disse que eu era falsa, uma garota de programa! – Tentei não rir. Sim. Eu tinha dito aquilo, mas acho que não chegava ao ponto de ela me deixar cega de um olho. Não mesmo. Além disso, ela que tinha começado. Sei que eu merecia um soco por isso, mas ela também merecia. Eu não tinha feito nada. Tinha a achado falsa, mas em nenhum momento quis atacá-la por isso ou provocar uma briga.
– Deixe-me ajudá-la, ursinho. – Disse Seth se referindo a mim com sarcasmo. Revirei os olhos quando ele disse isso. Sei que estava parecendo um ursinho vestida daquela maneira, mas as zoações de Seth as vezes eram muito infantis. Contudo, quando o fiz, Seth levantou metade do meu corpo, me fazendo ficar sentada no chão.
Mal escolha da parte dele. Meu sangramento do nariz pareceu aumentar com aquilo e eu senti toda a tontura querendo me fazer voltar a deitar. Havia algo amargo no meu estômago que tenho certeza que queria escapar no menor momento de minha fraqueza. Isso era péssimo. Isso era horrível.
– Oh, droga. – Disse Seth indo até o banheiro para pegar papel. Eu quis dizê-lo que com algodão ficaria mais fácil de parar, que era assim que minha mãe fazia quando eu era pequena, mas não conseguia dizer nada. Meus lábios pareciam colados agora que eu estava enjoada. No entanto, meus ouvidos estavam perfeitamente funcionais e logo eu ouvi a Senhora Zilena respondendo Desirèe:
– Nunca pensei que você seria capaz disso, Senhorita Desirèe. Eu realmente ia fazer uma péssima escolha para minha família se a escolhesse. Não tente fingir. Ouvimos da porta quando você disse que tinha nos enganado em tudo. Ouvimos quando você tentou tirar a culpa de você. Acho bom a Senhorita calar-se se não quiser que eu e meu marido entremos com um processo em cima de você junto da Senhorita Agnes por causa da agressão. A senhorita bem que merece isso, não é mesmo Agnes? – Tentei assentir, até porque num acesso de raiva a senhora Zilena tinha me chamado de Agnes e não Senhorita Agnes, mas senti todo o meu corpo capengar para trás com isso numa tontura abominável. Estava com medo de olhar meu rosto e ver como estava.
– Você merece ainda mais. Então, se não quiser nada disso, acho bom a Senhorita ficar quieta e me seguir. Não estou com tanta paciência assim e a Senhorita Agnes está precisando de cuidados médicos. Pode me acompanhar logo? – Finalmente, Desirèe pareceu calar a maldita boca. Não estava mais aguentando ouvi-la falando. Parecia um rádio que nunca calava.
Percebi com o único olho bom que eu tinha que ela me olhou um olhar mortal enquanto pegava sua mala de rodinhas e saia do quarto acompanhada da senhora Zilena. Ela estava muito zangada comigo e, antes que saísse definitivamente do quarto, a voz dela se fez presente como ameaça:
– Eu peço desculpas por isso Agnes. Você merecia ainda mais. Um dia nos encontraremos e eu deixarei isso bem claro. – Zilena a cortou.
– Tente isso e entraremos com um processo, Senhorita Desirèe. – Desirèe revirou os olhos, mas percebi que, mesmo com a ameaça de Zilena ela não deixaria de lado a vingança que ela me prometia. Para que tanta vingança? Já tinha passado, meu nariz já não estava jorrando todo o sangue do meu corpo para fora? Para que mais? Quis respondê-la, mas Zilena a retirou da porta, deixando a mesma aberta e dizendo:
– Deixo assim pelos nossos costumes. Não é aconselhável que fiquem sozinhos, muito menos que Seth cuide de você. Espero que não se preocupe com isso, Senhorita Agnes. Volto já com um médico. Cuide dela Seth.
Seth pareceu surgir das sombras ao meu lado enquanto se aproximava de mim. Seus olhos castanhos me olharam com completa atenção antes que ele começasse a usar o papel higiênico para me limpar no rosto, mas vendo que o sangue não se dava muito bem com o papel, ele pareceu ter uma ideia melhor. Molhou as toalhas e as trouxe rapidamente, enquanto continuava a limpar.
Uma delas ele me deu e pediu para que eu apertasse no nariz enquanto com a outra ele fazia um trabalho rápido. Não tocou em nenhum momento os dedos em mim. Apenas passou o pano, como se eu fosse um ser contagioso ao toque, só tocando a toalha e a mão por cima da toalha para que não me tocasse em hipótese alguma. Limpou minha garganta, depois o rosto, a boca e parte dos braços. Apertando a toalha no nariz, acho que a tontura começou a diminuir um pouco, mas disse-o:
– Minhas hemorragias demoram para passar. Geralmente precisa de cauterização. – Tentei dizer para Seth, mas senti o sangue entrando na minha garganta. Cuspi sob a toalha e Seth falou:
– Shii. Fica quietinha, tudo bem? – Pediu Seth. Suas mãos tocaram o pano que eu apertava no meu nariz, me forçando a respirar pela boca. Eu já fazia isso por, pelo menos, cinco minutos, mas Seth decidiu tirar de mim e apertar ele, por mais dez minutos.
– Não sabia que você sabia como cuidar de um sangramento nasal. – Seth arqueou uma sobrancelha, o que o deixou com um ar espetacularmente irônico.
– E você sabe, Ursinho? – Ele perguntou e eu tentei não rir.
– Claro que sim. Minha mãe costumava ter que conviver toda semana com isso. Costumava quebrar muitos narizes de garotos. – Seth deu uma longa gargalhada, o que me tirou completamente do ar. Ele estava relaxado.
– Não duvido disso. – Disse, mas, em sua voz, pude ver ironia.
– Estou falando sério! – Pestanejei.
– Claro. Como agora se defendendo de Desirèe. – Mas era verdade! Eu costumava andar com os garotos, as vezes tinha que bater em alguns para me defender e mostrar que eu não era uma garotinha covarde. No entanto, todos os garotos conheciam a regra número um de uma briga: Nunca bata na cabeça do adversário. Isso é perigoso. Pode matar.
– Não teve como! Ela nunca deve ter lutado na vida. Não sabe a regra número um de uma briga. – Ralhei e Seth arqueou uma sobrancelha, interessado.
– E qual seria essa regra? – Não acredito! Nem Seth conhecia a regra número um? Não era invenção!
– Não pode bater na cabeça. Isso é perigoso. Corpo até vai, cabeça, nunca! – Seth pareceu concordar, tentando esconder a vontade de rir. Ele já estava me tirando do sério. Ele realmente não acreditava que eu era capaz de lutar.
– Ainda posso quebrar seu nariz, senhor riquinho. – Murmurei um pouco envergonhada.
– Tenho certeza disso, ursinho. – Ele comentou. No entanto, era visível que não acreditava.
– Quer que eu te mostre? – Gritei e não dei tempo dele responder. Estendi minha mão já em formato de punho fechado na altura do ombro de Seth e tentei socá-lo ali para mostrá-lo que tinha força. No fim, acabei indo junto com o meu corpo, o que me fez parecer um boneco de posto de gasolina flutuando para frente. Encostei no braço dele não somente com o punho, mas com o corpo e Seth, num acesso de susto, segurou meus ombros, tentando me manter ereta, para que o sangue parasse e, ao mesmo tempo, tentando não me fazer tocar mais nele.
– Uou, ursinho. Vamos com calma. Você terá um ano para quebrar meu nariz. – A voz dele soava uma mistura de preocupação, carinho e suposta ironia.
– Não duvide disso. Eu realmente vou fazer. – Disse e senti que o sangue vinha, novamente, para a garganta, me dando vontade de vomitar. Céus. Eu estava me sentindo levemente tonta, uma vontade incessante de deitar e dormir. Acho que precisava de um médico e rápido.
– Claro, ursinho. – Disse Seth. Fechei os olhos. Sentia que poderia ser embalada pelo sono com a voz de Seth. Eu devia estar muito drogada para pensar numa coisa dessas.
– Não sou um ursinho. Não sou gorda e felpuda. – Comentei e acho, juro que acho, que minha voz saiu mais fina do que deveria. Argh, o sono estava tomando conta de mim.
– Não estou te chamando de ursinho por causa disso, Senhorita Agnes. No entanto, é realmente engraçado vê-la usando um pijama tão sugestivo assim.
– Sugestivo? – Ok. Minhas perguntas estavam em monossílabas agora.
– Sim, Senhorita Agnes. – Seth corou um pouco com isso. – Deixe isso para lá. É apenas um apelido carinhoso.
– Não sou gorda. – Achei necessário comentar. Só para o caso de ele não ter percebido isso me comparando com Desirèe. Seth riu.
– Você não é gorda. Ursos são seres de personalidade bem formada. Acredite, é um elogio quando te chamo de ursinho. Não sei nem porque estou tentando explicá-la isso. – Seth corou novamente. Uau. Não sabia que garotos podiam corar. Eu queria tocar o rosto dele e apertar suas bochechas para ter certeza de que ele era real. Calma Agnes. Você está num estado de drogada bem catatônico.
– Não sou feia. – Murmurei e Seth gargalhou novamente. Acho que eu estava parecendo uma menina de cinco anos. Só podia.
– Você também não é feia, Senhorita Agnes. Você é bonita.
– Posso quebrar o seu nariz se tentar me agarrar, então. – Disse como se quisesse que ele lembrasse da seleção de manhã e de suas atitudes inapropriadas. Sim. Eu devia estar com problemas. O sangue ainda escorria, muito sangue manchando o pano, muita tontura me acompanhando. Cadê o médico? Por que ele não chega logo?
– Só porque você é bonita Senhorita Agnes, não quer dizer que faça meu tipo, tudo bem? – Seth piscou e aquilo doeu em mim. Sim. Achei que Seth tivesse comentado que eu fizesse algo por que me achava bonita, mas não. Eu não fazia o tipo dele. Era apenas uma diversão por causa do lugar de onde eu vinha.
– Então porque me deixou na competição? Por que não me eliminou? É sua culpa que eu esteja sangrando. – Disse e joguei a culpa toda nele. Eu bem sabia que queria continuar na guerra da entrevista. Estava mentindo quando colocava a culpa toda nele. – Eu não te entreguei o que você quis. Por que não me eliminou? – Seth pareceu pensativo. Aguardei alguns segundos, o que pareceram séculos até que a voz grave de Seth se fez presente novamente:
– Por que você me lembrou minha mãe, Senhorita Agnes. Não queria uma governanta que fizesse todas as nossas vontades, mas que fizesse o que é certo. Minha mãe quer pessoas que façam coisas certas. Desirèe deu-me apenas um beijo, bom, um demorado beijo, mas apenas isso. Não acho que minha mãe queira empregados completamente cegos, mas empregados que saibam fazer a coisa certa. E você soube fazer a coisa certa, Senhorita Agnes. Posso ter ultrapassado um pouco os limites para tentar convencê-la, mas você foi capaz de aguentar até o final e me dizer coisas que ninguém nunca disse. Por que achou que era certo. Você merecia continuar na competição. Pode não ser o meu gosto, mas, certamente, é o gosto da minha mãe. – Aquilo me pegou de jeito. Fiquei ainda alguns segundos atônita, tentando entender as palavras de Seth sem parecer que tinha entrado numa loucura sem fim. Fazia algum sentido. Contudo, tudo estava fazendo sentido para mim agora que eu estava meio tonta. Tentei não responder mais nada para ele. Me sentia uma idiota, agora. Tinha o culpado, mas ele tinha feito um jogo que, realmente, parando para pensar, fazia algum sentido.
– Vamos ver se parou de sangrar? – Seth retirou a toalha do meu nariz e recebi novamente o sangue leitoso que escorreu pelos meus lábios, descendo pelo pescoço. Seth pegou o outro pano limpando o sangue que escorria e, novamente, apertando o meu nariz.
– Vinte minutos e nada. – Ele respondeu enfurecido e preocupado. Revirei os olhos.
– Eu disse que ia demorar. Precisa cauterizar. – Seth concordou com a cabeça. Nesse momento, parei para analisar as suas roupas o que, até então, eu não tinha feito. Ele usava umas calças largas de cor preta e um blusão que ia até a metade das coxas em cor laranja e de manga comprida. Parecia destacar ainda mais a cor oliva de sua pele, os olhos brilhando e a boca rosada.
– Chegamos. Ali está ela. – Percebi que a Senhora Zilena estava acompanhada de dois homens que seguravam uma maca. Revirei os olhos. Lá ia eu para uma ambulância, de encontro a um hospital. Só podia ser brincadeira.
Os dois homens se aproximaram com a maca e começaram toda a parafernália de prender meu pescoço para imobilizar, colocar-me na maca, levar-me para baixo. A todo o momento Seth e Zilena me acompanharam, mas, quando a ambulância pediu que um dos dois acompanhassem, os dois se olharam como a saber quem deveria ir. Zilena acabou suspirando.
– Eu vou. Encontro você lá, querido. – Disse e beijou a testa de Seth indo até a ambulância. Aquele seria um dia longo. Muito longo.