Capítulo 3
Lissa
Hoje eu vou!
Levantei cedo, ainda não são sete horas e já estou saindo pelo portão do condomínio. Estou de bermuda de Lycra, top e regata por cima, meia três quartos e tênis.
Vou primeiro até o lugar em que tive medo, preciso tirar a má impressão e me esvaziar do sentimento negativo que ficou.
Vou caminhando e passo pelo quiosque, seguindo para o caminho das pedras, adooooro. Gostaria de morar numa dessas casas.
Vou chegando próximo ao deque e decido seguir por ele e não ir até o final da praia. Ando até a escada e sento na beirada com os pés no primeiro degrau. A água não chega até ali.
Olho para aquela vastidão de águas tranquilas. Noto que já há gaivotas voando e uma garça, parecendo uma estátua, pousada sobre uma pedra a beira da lagoa. Não vejo viva alma neste lugar lindo.
Respiro fundo e levanto, batendo as mãos na bermuda, me volto para sair e paro... Novamente sinto-me observada... Olho em volta, mas não vejo ninguém... Estranho, dessa vez não tive medo.
Sigo caminhando, passo novamente pelo quiosque e vou pela calçada, ao lado da ciclovia, que precisa, urgente, de manutenção. Vou seguindo e observo que, realmente, os pássaros voltaram, amo ver as gaivotas na areia, todas paradinhas, voltadas pro sol, enfrentando a brisa gelada de inverno.
Prossigo até o final da calçada que margeia a orla e entro por um caminho de areia, seguindo pela praia e logo a frente, começam as mansões, com jardins lindos, lanchas e ancoradouros individuais.
Sigo até não ter mais por onde passar e volto, cumprimento alguns moradores que já estão acostumados comigo, olho para o outro lado da lagoa e identifico onde estava antes. Mal dá para ver o deque e as casas, é bem longe mesmo.
Vou em direção ao meu condomínio, quando encontro Nilton.
- Oi, bom dia! - ele me olha, parece não me reconhecer, acho que é o boné e os óculos escuros.
- Lissa? É você? - balanço a cabeça afirmando - não te reconheci, desculpe.
-Tudo bem? Passeando?
- Na verdade, quero alugar um barco com motor, você sabe de alguém que aluga? - ele pergunta apontando os barcos a nossa frente.
_ Esses são do seu José, o peixeiro, ele está aqui todas as quintas feiras. Arma a barraca e vende os peixes que ele e seus filhos pescam aqui mesmo na lagoa - explico a ele.
- Será que ele me alugaria um desses?
- Não sei, mas sei que ele conhece todos os pescadores dessa área. - Me viro de lado pra ele, de frente pra estrada e aponto.
- Tá vendo aquela padaria - pergunto e ele olha para onde estou apontando e balança a cabeça confirmando.
- Lá mora um pessoal amigo dele, são os donos da padaria, dá um pulo lá e pergunta pelo seu José peixeiro. Eles com certeza vão saber te informar.
- Valeu Lissa, fico te devendo uma. Tchau...-
Acenou e se foi, atravessando a avenida.
- Tchau né, pois é... a gente se vê por aí... também vou ficar bem... - sigo resmungando pra mim mesma, também, o que eu queria? Que ele ficasse flertando comigo, me elogiando, me dizendo que gosta de mim e até me beijando... ?
ACORDA Lissa!
Ainda bem que minha consciência sempre me acorda, assim não pago mais mico que o normal.
O que eu podia esperar de um cara lindo e gostosão daquele? Eu não tenho uma aparência glamourosa, não sou como aquelas atrizes, manequins e modelos, também não sou plus size, que tá na moda, sou um violão mais ousado, mas nem vem, ninguém pode ficar passando a mão não.
Por falar em passar a mão, estou em dívida com Deus. Não vou ao culto de adoração a duas semanas. Não posso deixar de ir essa semana, me sinto tão bem quando participo do culto, meu coração fica em paz e tenho uma semana abençoada.
Chego em casa, finalmente!
Tomo um banho, dou uma ajeitada na casa e ponho a roupa pra lavar. Confiro o estoque dos pastéis, faço uma lista e confiro também o estoque de casa. Acrescento na lista, mas separado. Gosto de fazer tudo direitinho, o que é de casa separado do que é do negócio. Pronto!
Pego minha bolsa e as sacolas de mercado e saio. Vou andando, é bem perto. Se a bolsa estiver pesada, tem o Mário, um garoto de uns doze anos, que trás no carrinho pra mim.
Cumprimento todo mundo, pego um carrinho e entro no mercado. Não chega a ser um suuuuuper mercado, mas dá pro gasto.
Enquanto procuro minhas barras de cereal, sou atropelada por outro carrinho, que bate no meu tornozelo.
- Aau!!! Vê se olha pra onde enxerga!
Escuto uma risada alta e me viro, olhando com cara feia pro meu agressor.
- Você? E ainda ousa rir de mim?
- Calma princesa, desculpa, foi sem querer, estava distraído.Estava rindo do seu provérbio, não seria: vê se olha pra onde anda? - Ele mantinha aquele sorriso no rosto, lindo, que me desarmou.
- Oi, de novo. Eu digo errado mesmo. Eu tinha um amiguinho na escola e um dia estava chovendo, ele andava na frente, com um guarda chuva grande e eu acabei esbarrando nele, várias vezes e foi quando ele soltou essa pérola de sabedoria e desde então nunca mais esqueci e até uso - explico também rindo - Conseguiu o barco?
- Ah, sim, obrigada! você foi de grande ajuda. Preciso ir, mais uma vez desculpa, tchau de novo.
Nossa, parece que ele foge de mim, tá sempre dizendo tchau. Tá certo, ainda preciso terminar minhas compras, já é quase hora do almoço e ainda tenho muito que fazer. Compro a carne seca pra fazer os pastéis dele, termino as compras e não o vejo mais.