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CUIDE SEMPRE DA FAMÍLIA

(ATHOS)

As barreiras de aço tremiam com a força do golpe. O saco de pancada pendurado na estrutura metálica na minha frente, chacoalhava a cada surra. Eu bati, chutei e meti o soco, até conseguir estourar o couro e a areia vazar do outro lado.

— Saco fodido. — resmunguei.

— O saco ou você? — Maximilian entrou na sala olhando pro estrago. — Cara, você está mal, eim!

A academia particular interna era basicamente um santuário para mim. Treinar dentro do QG fode mais com a minha paciência, já que aqui eu consigo pensar e socar ao mesmo tempo. Por tanto, ser primo do rei, um membro da linhagem real e responsável pela sua vida, me dava algumas regalias. Um grande exemplo disso era quebrar a porra toda sem ninguém reclamar. Eu estava estupidamente estressado e relaxar estava ficando cada vez mais difícil.

O "aqui" fica dentro do palácio, lugar no qual passo mais tempo do que minha própria casa. Eu e Maximilian temos um lugar ali, temos parte e direito em tudo aquilo, portanto, não interessa se fico ali ou em casa, pois estou sempre fazendo o mesmo: trabalhando. E neste exato momento eu estou fodido com meu trabalho. Fodido ao extremo. E para a minha gloriosa paciência, Max e Apolo chegam bem no momento em que deixei minha raiva explodir descontando no saco inútil em minha frente.

— Produtinho de merda. — peguei meu isotônico e vi sua majestade sorrir pro saco estourado ao me ouvir reclamar.

— Produtinho de Merda? Você está todo puto da vida e a culpa é do produtinho de merda? — Max ria da minha cara enquanto Apolo falava. — Acho que a culpa tem olhos azuis.

Sempre que nos víamos o cumprimento era o mesmo, um soco encostado com os punhos fechados. Informal? Não estamos em frente a ninguém, e antes das formalidades, somos amigos, primos, irmãos e uma família.

Quem via Maximilian ali de regata e shorts não imagina que ele é o mesmo cara sério, que ocupa o cargo bizarro de Chanceler do Rei. Uma espécie de valete e conselheiro. Apolo também me cumprimentou, outro que quando abria a boca conseguia ser mais pesado do que eu, mas perante o povo e no discurso não fala uma merda errada e nem perde a linha. Quem o vê subindo no tatame e se preparando pra treinar com Max, não imagina que são as mesmas pessoas.

— Já foi ver a garota? — perguntou sua majestade.

Aquela fodida não deveria ser problema meu. Fez merda? É simples. Vai pra cadeia e já era, ou pelo menos é assim que as coisas deveriam ser. No meu caso se faz merda eu puxo o gatilho e o problema está resolvido, mas eu errei e estou sentindo calafrios só de imaginar aquela garotinha morta…

— Já pensou no que vai fazer? — Ele insistiu.

— Não. — respondi me sentando no canto do tatame com meu isotônico, olhando as bichinhas se preparar.

Logo Apolo e Max adentraram numa luta corpo a corpo, mais parecendo duas maricas brincando de gato e unha. Eu tentei pensar em uma resposta mais válida, mas eu estava tenso com esta situação. Naquele lugar você pode trabalhar em troca de uma pena. Se você age contra o rei a diferença é que sua pena é pro resto da vida. Isso quando você não morre em caso de crimes gravíssimos. Não gostou? Foda-se! A ordem é melhor quando a maioria não precisa meter o pentelho.

— Você não vai aguentar. — Max abriu a boca. — Olha pra você, está um lixo. Tudo depois que pegou o caso daquela mulherzinha, deu um tiro nela e ainda meteu a mão na garota achando que ela era um cara.

— Vai se foder… — respondi abrindo os braços e me apoiando, enquanto o frango tomava ar — Esqueceu que este “caso” tem um acesso especial? — joguei a dire ta, me referindo ao Rato.

Apolo riu ao me ouvir xingar.

— Complica menos, Athos. — apoiou Max — Duvido que andou dormindo e se te conheço, investigou a vida da ladra mais do que deveria.

— Eu não vi ela. Podia ser outra pessoa e você podia estar morto. — justifiquei minha preocupação, sabendo que no fundo não era bem isso...

— Sem essa bonitão. — Apolo parou o treino, já ofegante — Não vem com esse papo furado sobre ela ter conseguido agir debaixo dos seus olhos. — Ele olhou sério achando que eu ia levar seus conselhos como se ele fosse a minha mãe. — Você pegou essa por causa do Rato, mas está mais interessado nos “detalhes”. Você está visivelmente acabado.

— Vão se foder os dois... — resmunguei enquanto pulava pra fora do tatame, dando as costas para eles e saindo da zona de perguntas — Enfie suas sugestões na sua bunda real.

Fui até o compartimento de malas, peguei a bolsa e vasculhei por dentro. Estava meio puto, precisando estourar outra coisa, novamente. Logo, Apolo surgiu ao meu lado, eu peguei a pasta com os dados e entreguei pra ele.

— Qual é, Athos? — Max falou alto, apoiado nas barras. — A garota não tem pai. Você mesmo falou que a mãe se prostituiu a vida toda e é visível a situação dela, porque tem tanta certeza que Rato vai vir atrás dela?

— É por isso que eu estou na porra desse cargo. Se fosse pra ter dó de bandido eu tinha sido nomeado o chanceler marica, e não o mandante da guarda. — retruquei seco.

Ele fez uma negativa deixando pra lá a discussão, mas com a sua majestade a coisa é diferente.

— Ei, aqui eu posso ser só o seu primo, mas ainda sou o seu rei. — ele folheou a pasta e voltou a me olhar — Você pode ser o grandão aqui, mas eu ainda estou acima disso. Te coloquei na porra do cargo porque confio em você e não porque é o durão do “vou tacar o foda-se”. — ele bateu com a pasta em meu peito. — Esfria a droga da sua cabeça, antes de sair atirando a bala errada. Procura ver a garota de cabeça fria e já vai ser um bom começo.

— Eu não acredito que estou deixando as maricas me dar conselhos… — resmunguei virando de costas

Eu apenas concordei, peguei a bolsa e saí de cena. Me lembrei que um bom jeito de esfriar a cabeça, é exercitando a cabeça de baixo até o saco esvaziar, por tanto, já sei por onde começar. Vamos tentar não ter frustrações com pinschers dessa vez…

(...)

“— Por favor, Athos… Não… — pediu a garotinha, com seus olhos azuis marejados em desespero.

As pequenas grades do dormitório nos separavam e como um bom fodido, eu não aguentei. Girei a chave no acesso, digitei a senha e abri a porta de novo. Meu pau estava ficando duro, prensando a carne contra os panos da calça e ela olhando pra mim.

No momento seguinte, um baque. Um tiro. O sangue.

Quando olhei pra garotinha, ela estava no chão, com um lado da cabeça furado, seus olhos sem vida e o chão manchado de vermelho”

A rapidez com que me levantei foi uma merda. Mal respirava, suado igual bunda quente e com a droga de um sonho fodido na cabeça. Olhei pro relógio e soquei o aparelho na raiva. Meia hora. Consegui dormir só trinta minutos.

— Merda! — gritei puto, tirando a coberta de lado e indo atrás de uma ducha.

(...)

Bati na porta descascada, com um cheiro de mofo fodido em um prédio velho silencioso. A mulher que abriu era um esquadro de Aurora trezentos por cento acabado. Mostrei o distintivo para a mulher que me olhava com uma certa vergonha, e fui direto.

— Oficial Kennedy, é sobre sua filha Aurora.

Ela engoliu em seco, olhou para dentro do apartamento e abriu a porta. Logo avistei dois pirralhos nanicos brincando em frente à uma televisão de tubo, no qual um deles levantou os olhos e sorriu.

— Um polícia! — gritou feliz, enquanto o outro se levantou correndo e veio direto grudar na minha calça.

— Mamãe disse que o “poliça” tava cuidando da “Alóla”, cadê a “Alóla, poliça”?

Eu ia ter um caralho de um treco. Crianças. Mas que merda!

A mulher com certeza deve ter visto o maldito pânico estampado na minha cara e tentou afastar os pequeninos, enquanto o outro grudava em Mártin, o colega de farda que veio me acompanhar.

— Você tá cuidando da Aurora? — este não tinha a língua enrolada.

— Claro! — respondeu Mártin carismático, totalmente o oposto da minha fodida reação — Vai ficar tudo bem com ela.

— Desculpe por isso. — respondeu Rosália, afastando as crianças — De volta pra televisão, o assunto é sobre adultos.

Ela guiou os moleques até a televisão, mas os mesmos se colocaram sobre o sofá e permaneceram de olhos atentos. A mulher pediu que sentássemos, mas o assunto não seria pra tanto. Peguei a pasta que Mártin me ofereceu e passei para a mulher antes de qualquer outro imprevisto.

— Vigie a porta. — ordenei á Martin que o obedeceu de imediato, assim olhei para a mulher que abria a pasta e suspirava por algum motivo — Preciso que me fale se tudo o que está aí confere e vim lhe fazer algumas perguntas. É direto e reto, sem enrolação, entendeu?

Ela se sentou à beira de uma mesa redonda e minúscula, começou a olhar as folhas e perguntou.

— Ela está bem? — perguntou preocupada — Se eu responder suas perguntas, vai ajudar ela de algum modo?

— Se não responder a minhas perguntas, nem mesmo você vai ficar bem. — ela engoliu em seco e levantou os olhos — Vamos começar por Rato. Fique ciente que se mentir, vou dificultar.

— Ele não gosta de ver militares por aqui… — comentou demonstrando um certo medo.

— É uma pena. — respondi cuidadoso — Vamos começar com o programa de proteção a terceiros. Aurora está colaborando em um caso diretamente relacionado com a coroa, você vai dar o fora daqui e se o ruivo pincelar a tua vida eu vou ser comunicado. Eu não alivio a barra pra vacilão fodido, mas existe um meio da pancada doer menos.

Ela concordou, folheou a pasta e por fim, me entregou o documento.

— Não há nada que não seja realmente o mesmo que eu saiba. — respondeu envergonhada — Comecei a ganhar um bom dinheiro com os programas, mas gastava na mesma intensidade. As coisas só desandaram de lá pra cá. Não queria ter feito isso com ela…

Tivemos, talvez, uma meia hora de conversa. Fodidamente útil. Totalmente útil.

— Os garotos estudam? — perguntei cuidadoso, já no final do processo.

— Depois que ela foi presa evitei a escola. — contou envergonhada — Tenho a impressão de que Rato está nos vigiando com muita frequência. Fui ao mercado mais cedo e o encontrei lá…

— Entendi. As coincidências começaram a acontecer. — completei o raciocínio.

— Achei que ele podia usar eles contra algo que não tenho poder. — se justificou.

— Junte o que precisar. Mártin vai levá-la a um acesso temporário. — eu peguei um envelope de dentro do bolso comprido da perna da calça e coloquei sobre a mesa — As chaves do lugar. Fale com Tereza. E volte as crianças pro colégio. Filho de ninguém tem que sofrer pelas cagadas dos pais, sacou? — ela baixou o olho e concordou.

— E quanto a Aurora? — perguntou esperançosa — Ela vai ficar bem?

Provavelmente. — respondi seco, pegando a mulher sorrindo com tranquilidade — Isso não significa que eu vou facilitar.

E o sorriso dela sumiu, mas eu fiquei surpreso com sua resposta.

— Eu não sou idiota, policial. A coroa não protege parentes de prisioneiros, ao contrário, colocam seus nomes numa lista de perigosos. — ela mantinha a voz baixa, mas me olha compadecida — Obrigada pelo que está fazendo, principalmente se o faz pensando nela.

Eu já estava com a mão na maçaneta, pronto para sair. Resolvi ignorar e vazar dali. Depois dessa, talvez a garota me deva uma bunda…

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