Capítulo 03
Pedro Sampaio
Cansado de esperar meu almoço chegar resolvi procurar a fugitiva da minha assistente. Não queria acreditar que ela pudesse ter fugido com meu cartão de débito. Flávia tinha que me explicar direitinho o porquê daquela demora toda pra ir comprar meu almoço. Estava morrendo de fome, ela precisava chegar logo. Caminhei em direção a porta quando finalmente a dita cuja apareceu com meu almoço.
— Desculpe a demora senhor...
Reparei no seu joelho machucado, Flávia tentou disfarçar que nada fora do normal havia ocorrido, me entregando meu almoço. No instante em que ela me entregou meu cartão de débito segurei firme sua mão direita, queria questioná-la do que acontecera, no entanto, desisti.
— Agora você pode ir senhorita Gonçalves!
Quando minha assistente saiu pela porta mancando, senti vontade de ir atrás dela. Para quê? Pra pedir que ela cuidasse do seu machucado e não se preocupasse com o trabalho no restante da tarde. Apenas pensei na possibilidade de mandá-la para casa porque não consegui fazer isso. Ela poderia confundir gentileza com outra coisa, aquelas mulheres da empresa esperavam somente uma oportunidade para conseguir um marido rico, e eu não queria ser alvo de nenhuma delas.
Eu não poderia dizer que tinha bom gosto para mulheres, porque todas com as quais me envolvi foi sem pensar com a razão, agindo como louco emocional. Minha relação com minhas ex-esposas não era das melhores, a separação nunca foi fácil para elas. Nada pude fazer para amenizar seus sofrimentos, porque não tinha como continuar em um casamento sem futuro e sem prazer.
Após mais um expediente de trabalho enquanto caminhava até meu carro presenciei uma discussão. Minha assistente Flávia aos gritos com um homem de meia-idade. Quem era ele? E por qual motivo dois resolveram bater boca logo de frente para minha empresa? Pensei em ter uma conversa com ela depois, entretanto, o coroa começou agredi-la fisicamente, puxando-a pelos cabelos e socando suas costas com brutalidade. Meu sangue ferveu, deixei cair minha pasta no chão e saí correndo em seu socorro.
— Ninguém vai bater em uma mulher na minha frente e ficar por isso mesmo! Por que não vem encarar um homem ao invés de uma mulher? Solta minha assistente seu filho da puta!
Puxei o desgraçado de perto dela, socando seu rosto. O coroa devolveu o soco e puxou um estilete do bolso da sua calça.
— Quem pensa que é? Essa daí é minha propriedade, eu, ouça bem, foi eu que lhe dei a vida e se quiser posso ser o que vai tirá-la! Não se intromete se não quiser sair daqui todo cortado!
Sim, ele me ameaçou, ali me toquei da semelhança dele com ela, então, fez sentido ele dizer que havia feito ela, contudo, ele não tinha direito nenhum de espancá-la daquele jeito.
— Esse remendo de homem é seu pai, não é? Acredita que vou sair correndo somente por que está com um estilete? Sei muito bem me defender e defender quem eu quiser!
Não era uma balela realmente sabia me defender, pois, tinha treinando alguns anos muay thai. Chutei o rosto do coroa que caiu no chão. Como minha assistente não parou um segundo de berrar, chamou atenção dos meus seguranças que logo vieram. Eles tiraram aquele homem covarde da minha empresa como se fosse um saco de lixo que logo o caminhão do lixeiro passaria para levá-lo.
— Desculpe, por favor, não me demita, por conta disso, senhor Sampaio. Ele veio me pressionar por dinheiro e eu não queria dar. Agora ele machucou o senhor e vou ser demitida, sei que vou! O que será de mim? Já sou ferrada e sem trabalho serei surrada ainda mais...
Flávia falou desesperada e começou a chorar. Que vida era aquela que ela levava, afinal? Descobri de maneira aleatória o agressor dela, e o pior de tudo era saber que era seu pai. Aproximei-me dela, e calmamente queria chegar em uma solução.
— Não sei o motivo de tanta violência, mas suponho que seja diariamente. Por que você não denuncia? Sei que é seu pai, contudo, não merece ser chamado de tal. Não sou um chefe intrometido ou algo assim, evito ao máximo me envolver em assuntos particulares dos meus funcionários, mas no seu caso foi longe demais. Te ver desesperada assim, não ajuda em nada. Pode parar de chorar? Se não conseguir, tudo bem. Fique tranquila, não penso em demiti-la.
— O senhor acredita que não denunciei? A justiça não acreditou em nada do que falei, nem mesmo as marcas pelo meu corpo. Aquele homem é um manipulador, se fez de vítima o tempo todo e até chorou, ele é um fingido que consegue tudo que quer. Não julgo que aqui seja um lugar apropriado para uma conversa como esta. Desculpe, mas estou sem condições de ter essa conversa agora!
Saber que ela havia denunciado e não fizeram nada me fez cerrar os dentes. Era devido à justiça falha como aquela que tinha tantos assassinatos. Flávia não estava nada bem e sabe se lá por tudo que passara até aquele momento.
— Você não pode desistir dos seus direitos! Flávia, melhor conversarmos em outro lugar, um mais particular, longe da empresa. Não estou te dando escolha, então, por favor, me siga até meu carro que nossa conversa será um pouco longa.
Sim, deixei de lado as formalidades, não tinha porque ser formal se não estávamos em horário de serviço. Apenas queria ouvi-la e que ela ouvisse também meus conselhos, ela era somente uma jovem assustada, esperava com minha experiência ajudá-la em alguma coisa.
— Não estou entendendo o senhor. Por que devemos conversar? Mudou de ideia e quer me demitir longe daqui? É isso? E por que agora está sendo gentil? Não sinta pena de mim porque não preciso da pena de ninguém!
Não conhecia aquele lado orgulhosa da minha assistente. Tentei tocar sua mão direita para levá-la comigo até meu carro, mas ela esquivou-se para o lado.
— Quero te ajudar e não é porque estou com pena. Vem comigo, podemos ir para um lugar público onde ninguém nos conheça. Prometo que não vou te demitir quando chegarmos lá. — insisti estendendo minha mão em sua direção.
Observei Flávia apertar a alça da sua bolsa e mordiscar os lábios de nervosismo. Quem disse que ela tocou minha mão? Disfarçadamente enfiei minha mão no bolso da calça social.
— Tenho quase certeza que vou me arrepender de ir com o senhor, entretanto, me sinto intimidada a segui-lo, então, vamos.
Aquela sua resposta me deu ânimo, pois tinha vencido a primeira batalha. Deixei que ela desse alguns passos na minha frente até meu carro. Não precisei abrir a porta do carro para ela, ela mesmo fez isso, sentando-se no banco do passageiro. Entrei no carro e ficamos em silêncio em um trajeto relativamente curto até uma cafeteria. Após pegarmos uma das mesas vazias, pedi para a garçonete um capuchino.
— Você pode começar do início, me refiro à sua relação com aquele homem. Prefiro que me olhe nos olhos enquanto conversamos. Não se sinta pressionada a contar tudo em detalhes, mas quero saber o máximo que puder, assim conseguirei uma solução para seu problema rapidamente.
Seus olhos tristes vieram de encontro aos meus. Ela choraria novamente? Perguntei-me apoiando as mãos sobre a mesa. Eu estava ali para ouvi-la, não para criticar suas atitudes.
— O monstro do meu pai por ficar com minha guarda após o falecimento da minha mãe, mostrou-se desde o início o quanto poderia ser cruel. Não ouve nem sequer um dia em que ele me tratasse com amor. As surras começaram bem cedo e pioraram na minha fase adulta. Ele diz que tenho obrigação de sustentá-lo, incluindo seus vícios. Faço tudo que aquele homem pede, ainda assim, apanho dele. Já pensei em pôr fim na minha vida, no entanto, não sou uma covarde. Tenho aguentado tudo isso em silêncio porque não posso assassiná-lo. Estou pecando senhor Sampaio por pedir a Deus pela morte do meu pai? Ele mora no meu apartamento e de jeito nenhum deseja sair para um canto seu. Pensei tanto em fugir pra longe, porém, não seria justo, amo essa cidade e quero passar minha vida inteira morando nela, portanto, desisti de tentar enfrentá-lo, estou simplesmente cansada de ter feito de quase tudo para tirá-lo da minha vida em vão.
Após aquele desabafo difícil minha assistente desabou na minha frente. A garçonete me entregou meu capuchino toda sem graça, por conta de ver minha companhia chorando.
— Sempre pensei que todos os seus machucados fossem causados por algum namorado abusivo. Agora sabendo a verdade, vejo que é mais complicado do que imaginei. Por que não mora em outro lugar? Não precisa sair da cidade.
— O senhor quer saber por que não desisti ainda do meu apartamento? Porque ele é meu, passei tantas necessidades para poder comprá-lo do jeitinho que sonhava. Não leve a mal meu comentário, mas meu salário mal dá para as despesas. Como posso pagar o aluguel de outro lugar? Para morrer de fome? Sim, meu pai tira meu dinheiro, contudo, é menos do que gastaria me mudando por medo dele.
Aquela conversa começou a me deixar nervoso. Ela era dura como uma porta e teimosa. Será que ela queria um aumento de salário? Olhei desconfiado pra ela. Eu não pagava tão mal assim, ou pagava? Me questionei, coçando a nuca. É, talvez eu não fosse o mais generoso com meus funcionários, todavia, preferia fingir que não tinha nada errado com o valor do salário deles.
— Mas você pode morar com uma amiga durante um tempo. Tenho certeza que uma das suas amigas, vai te ajudar nessa questão de moradia.
Não era pra ser engraçado o que havia falado, entretanto, Flávia riu.
— Uma das minhas amigas? Não tenho sequer uma vida social! Por que não sugere que eu more logo debaixo da ponte? Tem uma perto do mar que é bem alegre, os mendigos que vivem ali estão sempre fora de órbita...
Era sarcasmo que ela acabara usando comigo? Como ela não tinha nenhuma amiga? Mulheres tinham sempre uma melhor amiga e ela não? Não sabia mais que solução dar para seu caso.
— Vejo que nossa conversa não vai chegar em nenhum lugar, portanto, por enquanto, preciso de um tempo para pensar como te ajudar, porque vou te ajudar, Flávia de algum jeito.
Seria um desafio ajudá-la a se livrar daquele remendo de homem que era seu pai, porém, não era impossível. Não era questão de ser bonzinho ou de tirar proveito da minha assistente, apenas não queria que o pior viesse ocorrer se ela continuasse sendo surrada e humilhada pelo próprio pai. Se eu queria ser um herói? Longe disso! Eu era somente alguém que estenderia a mão ou até mesmo o braço para salvá-la.