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Capítulo 02

Flávia Gonçalves

Mais uma noite de horror senti que me aguardava quando adentrei meu apartamento, pois encontrei muitas bitucas de cigarros pela sala de estar. Pensei em fugir enquanto ele não tinha me visto ainda, entretanto, o monstro do meu pai percebera minha presença sim. Quando menos esperava ele agarrou firmemente meu braço, sacudindo todo meu corpo com violência.

— Sou seu pai, garota! Pensou em fugir para não me dar dinheiro foi isso? É sua obrigação me bancar, sua inútil que não serve de nada!

Gritou, jogando-me contra a parede. Aquele monstro era o que tinha me restado de uma família de alcoólatras e drogados. Quando minha mãe morreu de overdose deram minha guarda para ele, ele foi o único que aceitou ficar comigo, eu era uma menina de sete anos apenas quando ele começou com as surras e humilhações.

Engolindo o choro abri o zíper da minha bolsa e lhe entreguei uma certa quantia em dinheiro. O que ele fez após pegar o dinheiro? Me deu um tapa forte na cabeça e só então saiu pela porta.

— Por que ele não morre também? Não aguento mais... — resmunguei, sentindo minha cabeça doer.

Eu era sim uma filha desejando que o pai morresse, não suportava mais sofrer daquele jeito. Não pensem que nunca fiz nada para tentar me livrar daquele monstro, recorri até mesmo a justiça, entretanto, foi em vão, julgaram o caso como despeito com o próprio pai. Desde a época da denúncia ele apenas piorou e não encontrei saída novamente pro meu caso. Nunca quis fugir do lugar onde pertencia por causa dele, ele destruía tudo, mas não deixaria que ele tirasse de mim o lugar onde cresci por medo.

Não consegui jantar deixei um amontoado de louça suja na pia. O pior de tudo era que no dia seguinte, tudo seria a mesma coisa, retornar do trabalho para apanhar do meu pai. Sentei um pouco no sofá e chorei, olhei para o relógio de parede era quase meia-noite, com certeza, aquele monstro estava enchendo a cara. Após questionar a minha existência, saí me arrastando até o quarto. Coloquei meu pijama amarelo e deitei na cama. Olhei em direção onde deveria existir uma porta no quarto, é, não tinha porta no meu quarto. Por quê? Meu pai a quebrou e jogou fora. Adormeci temendo ser acordada a qualquer instante para ser surrada por ele.

Na manhã seguinte, após tomar uma ducha quente, coloquei minhas roupas, escovei os dentes, e saí do meu apartamento. Eu queria evitar a todo custo me encontrar com ele, portanto, quase todos os dias eu saía sem tomar o café da manhã. No meu trabalho eu conseguia relaxar um pouco, me sentia segura, embora muitas pessoas não gostassem de mim, aparentemente elas me comparavam ao meu chefe, mas não éramos nada parecidos. Meu chefe Pedro Sampaio era o terror de toda a empresa devido ao seu jeito fechado e mandão. Acreditava que, no fundo, ele talvez fosse uma boa pessoa, mas bem, no fundo, mesmo, porque ele era frio com todos e um carrasco.

Durante a trajetória até o trabalho me vi imaginando uma vida totalmente diferente, isso acontecia com frequência, principalmente quando eu via pessoas felizes pelas ruas, eu sentia inveja, queria ser como elas. Sabe como é viver encurralada? Era terrível! Tinha dias que eu queria acabar com tudo, contudo, eu merecia viver e era isso que eu queria, portanto, precisava suportar, pois, ainda tinha esperança do monstro do meu pai decidir ir embora da minha vida por livre e espontânea vontade.

Quando cheguei na empresa todos me olharam. Eu sabia que o roxo no meu rosto estava pior que no dia anterior. Sabe quando você sabe que te julgam? Mais não fazem nada por você? Era o meu caso, simplesmente ignoravam de me ver surrada e seguiam com suas vidas. Eu precisava de uma palavra amiga, até mesmo de um socorro, no entanto, não encontrava isso em nenhum lugar. Sem amizades como alguém normal, era só parte dos meus problemas. Um dia tive amizades, todas as amizades que um dia existiram deixaram-me de lado por não poder oferecer o que queriam de mim, festas badaladas e muita bebedeira. Nunca fui do tipo que apoiasse esse tipo de coisa, por causa disso as amizades se foram. Foi um livramento, certo? Entretanto, deveria ter restado ao menos uma amizade, a solidão me consumia tanto.

Mal colocara os pés perto do escritório do senhor Sampaio quando ele gritou por mim. Respirei fundo e adentrei a sua sala.

— Senhorita Gonçalves, deveria ter vindo imediatamente para minha sala assim que chegou nesta empresa! Sabe como eu preciso de você! Todos esses documentos estão uma bagunça! O que você tem feito todo esse tempo que não organizou nada disso? Estou pagando você para colocar tudo em ordem, não somente para organizar as minhas reuniões, dê um jeito em tudo isso agora mesmo!

Quanta doçura, não é mesmo? Quem era Pedro Sampaio sem o seu mau-humor diário? Outra pessoa, claro! Eu não era sua secretária, era apenas sua assistente, confesso que ele era um tanto quanto mão de vaca, porque não tinha uma secretária para cortar gastos financeiros, preferia ter uma assistente para gastar bem menos.

— Cuidarei de tudo para o senhor, desculpe!

Quem pede desculpas por grosserias? Bom, eu era essa pessoa porque não queria ficar sem trabalho! Peguei a pilha de documentos e levei comigo. Meu chefe era insuportável, ele nem era tão velho assim para ser um rabugento. Ele nem sequer aparentava ter a idade que tinha. Se eu disser que eu nunca reparei na sua beleza estaria mentindo, todas as mulheres da empresa colocavam os olhos no patrão, não somente porque ele tinha dinheiro, mas também devido a sua beleza. Mais do que adiantava ter tanta beleza se o seu caráter era de um escroto arrogante? Eu queria acreditar que existissem coisas boas no fundo daquele coração gelado, entretanto, toda vez que ele me tratava mal eu perdia as esperanças de algo bom existir.

Organizei em fila alfabética toda papelada, quando entreguei tudo certinho, o senhor Sampaio ainda não estava feliz.

— Quero que vá comprar o meu almoço, hoje não vou sair deste escritório. Quero peixe grelhado e bastante salada. Peça também que coloquem um pouco de molho de pimenta. Não gosto quando você me olha assim, com cara de sonsa! Pode levar o meu cartão de débito. Não esqueça de que sei cada gasto e valor do que consumo! Não pense em comprar nada pra você com meu dinheiro, porque vou descobrir e você perde o seu emprego, entendeu senhorita Gonçalves?

— Entendi, senhor, nada de gastos mais do que necessários! — respondi, recebendo o seu cartão de débito.

Ele era tão cavalheiro, não é mesmo? Eu não tinha tomado café da manhã, e provavelmente, não almoçaria também, pois o meu chefe só pensava em si mesmo. Como eu ia arrumar tempo para comer se ele precisava de mim quase o tempo inteiro? Esperava não passar mal outra vez, sim, uma vez passei mal por não me alimentar, por culpa dele que abusava dos meus serviços, ele nem pagava assim tão bem. Trabalhava na força do ódio alguns dias, mas era melhor que estar sem trabalho e na companhia do meu pai que me surrava.

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