Capítulo 04
Flávia Gonçalves
Por que não disse não? Estou falando de ter aceitado a carona do meu chefe até meu apartamento. Quem disse que ele apenas me deixou e seguiu seu caminho? Não foi assim que aconteceu, ele quis subir até meu apartamento, por medo de ser demitida deixei que subisse. Eu nunca tinha sido tão franca com alguém como havia sido com ele naquela cafeteria. Meu chefe se viu na obrigação de me ajudar com meu pai. Sabe por quê? Porque ele sentiu pena de me ver apanhando na frente de sua empresa. Por que tinha que ser logo ele a ver toda aquela confusão? Somente conseguia pensar em agradá-lo ou poderia perder meu trabalho. Desconfortável, sentei ao seu lado no meu sofá de dois lugares de couro falso.
— O senhor quer um copo d'água? Ou um biscoitinho de chocolate? É bem gostoso, sabe? Não sei o que te oferecer, em todos esses anos nunca te vi comendo alguma porcaria, quero dizer, meus biscoitos não são porcarias, são deliciosos...
Eu não pensei que fosse falar alguma bobagem, mas acabei falando, ele me deixava nervosa, eu não conseguia esquecer que ele era o meu chefe e estava no meu apartamento. Quis fugir daquela situação embaraçosa que criei, no entanto, causei uma bem pior ao tentar por um travesseiro em suas costas, porque acabei caindo de cara em suas pernas e gritei de pavor saindo de cima delas, igual raio.
— Flávia, pode parar de tentar me agradar o tempo inteiro?
Perguntou, semicerrando os olhos. Me recompôs e gargalhei igual uma pata rouca. Por que ele tinha que ser tão sério? Eu tinha acabado de cair em seu colo e a situação em si, foi constrangedora.
— É, que não estou acostumada a ter visitas, principalmente, do meu chefe. O senhor está muito acima de mim, deveria esquecer a conversa que tivemos. Pra que perder seu tempo comigo? Agora mesmo poderia estar em sua casa no conforto e sossego.
— Como poderia estar no conforto da minha casa sabendo que vive com um remendo de homem como aquele? Não vou virar as costas e fingir que não sei de nada, pode esquecer! Tenho uma solução temporária...
Observei meu chefe puxar seu cartão de débito da carteira. Esbugalhei os olhos. Ele queria me dar seu cartão? Entrei em pânico, pulando pro braço do sofá. O senhor Sampaio caridoso repentinamente me assustou muito. Ele costumava ser mão de vaca, ou melhor, pata de boi.
— Nem ouse me oferecer seu cartão de débito, senhor! Não quero esmolas e pena! Guarde de volta isso daí, se não quiser que eu esqueça que é meu chefe e diga nomes terríveis!
— Não estou te dando nada, senhorita Gonçalves! Estou solucionando seu problema temporariamente! Por que pensa em me ofender? É por que quero ajudá-la? Não vai ficar de graça, se é isso que te preocupa! Use meu cartão de débito para ficar em um hotel. Você vai me pagar em parcelas do seu salário tudo que gastar. Agora pegue logo antes que eu mude de ideia!
Quem disse que peguei? Pedro Sampaio colocou o cartão na minha mão e segundos depois devolvi enfiando em sua calça social, contudo, minha mão ficou presa no bolso da calça dele. Mesmo sacudindo minha mão parecia que nunca mais teria ela de volta para mim.
— Porra, porque o senhor tinha que complicar tudo? O que faço agora? Minha mão prendeu! Que merda, merda...
Era uma piada do cara lá de cima? Por que justo meu chefe? Não poderia ser qualquer outra pessoa no mundo pra me ajudar? Dele não queria dinheiro e muito menos que tivesse pena de mim. Muitas vezes orei para Deus me enviar uma solução, no entanto, nem sequer cogitei que pudesse vir do carrasco do senhor Sampaio.
— Vou te ajudar a puxar sua mão, sua destrambelhada! Por que não quer minha ajuda? Você é inteligente, porém, agora está agindo como uma burra!
Uma burra? Ele tinha pegado pesado. Não aceitaria que me xingasse, portanto, puxei com minha mão livre uma mecha do seu cabelo ondulado. E daí que ele era meu chefe? Me senti ofendida!
— Sou nenhuma burra! Me respeite! Não quero seu dinheiro para solucionar meus problemas!
Ficamos algum tempo discutindo até que finalmente consegui tirar minha mão do bolso de sua calça. Para um homem mais velho ele era muito imaturo, não sabia aceitar um não. Puxei meu chefe pela gravata até a porta de saída do meu apartamento.
— Flávia, está me machucando assim! Por que não deixa de teimosia! Não acredito que está me expulsando do seu apartamento, ainda sou seu chefe!
— Amanhã peço as contas com o senhor! Tchau! Pedro Sampaio, e passe mal, pois a burra aqui não será mais sua escrava no trabalho. Ah! Não posso esquecer, deixe de ser pão duro e contrate a droga de uma secretaria!
Aquelas foram minhas últimas palavras após empurrá-lo para fora do meu apartamento e fechar a porta. Meu dia havia sido difícil e ter que aturar meu chefe querendo mandar na minha vida era meu limite. Não pensei que pediria demissão, mas deixaria pra pensar nas consequências outra hora.
Choraminguei pelo apartamento inteiro enquanto comia um pedaço de pão seco. Quando o monstro do meu pai chegasse e descobrisse que não fizera nosso jantar seria mais uma surra que levaria sua. Como contaria para ele que pedira demissão? Na minha cabeça imaginei uma cena lamentável, o meu velório onde o único participante seria o coveiro. Dramática? Meu futuro era a sete palmos do chão! Meu pai era um doente louco capaz de tudo.
Caminhei até meu quarto tropeçando em seguida nos meus próprios pés.
— Meu pãozinho gostosinho...
Resmunguei caindo no choro por perder meu pedacinho de pão que caíra no chão empoeirado. Era humilhante implorar para o senhor Sampaio que não me demitisse? Depois de tudo que causei? O que seria de mim? Minha mente estava um caos. Por que eu tinha que ser tão impulsiva às vezes? Bastava ter sido mais educada com meu chefe ao recusar seu dinheiro, entretanto, agi igual uma maluca.