Capítulo 4
Adrien Lamartine
Estou ficando sem estratégias. Há algo na minha pêche que me faz sentir a necessidade de cuidar dela. Algo que a faz deixar bem claro de que não precisa de mim, mas no fundo eu sei que ela precisa. Há algo nela que me faz ser diferente e por incrível que pareça, eu me sinto mais desafiador perto dela, o que não é o meu normal. A parte ruim é que eu não consigo me aproximar da mulher sem fazer algum tipo de sujeira, sem irritá-la e isso me irrita também, porque eu quero uma aproximação com essa garota.
— Quê, que isso? — Anne perguntou quando entrou em meu quarto e encarou as vestimentas nada singelas em meu corpo. Anne Lambertini é a minha irmã caçula, ela tem quase dezenove anos e assim como eu, fugiu um pouco do sistema da família Lamartine. Nossa família não é muito de aceitar certas decisões que sejam contrárias aos seus ideais. Pelo menos não da parte das mulheres e a Anne paga um preço muito alto por isso. Ela está passando alguns dias aqui em minha casa, por causa da última confusão que aprontou. Anne bebeu com alguns amigos até altas horas da madrugada e na volta para casa, causou um acidente. Nada grave, mas como não tem moradia própria, pode pegar alguns meses de cadeia e aí está o motivo da caçula Lamartine estar em minha casa. — Onde vai ser a festa a fantasia? — insistiu em querer saber o motivo de eu estar vestindo uma roupa havaiana feminina.
— Estou indo para a faculdade — respondi como se fosse a coisa mais natural do mundo e minha irmã explodiu em uma gargalhada.
— Adrien, assim você não vai arrumar uma namorada nunca — ralhou. Eu a olhei especulativo. — Me diz qual garota vai querer um homem, que além de ser desastroso, ainda se veste de uma forma ridícula como esta? — “Ah, se ela soubesse para que isso tudo.”
— Não é verdade. Teve a Lara e a Ariane, lembra? — Ela rolou os olhos.
— Essas duas só tinham interesse no que você tem, seu bobo — acusou. Rolei os olhos para ela e ela riu. A verdade é que esse é o jeito que eu encontrei de arrancar um sorriso de uma certa pessoinha, que está preenchendo os meus pensamentos nesses dois últimos dias. E se eu estiver certo, eu vou vê-la sorri hoje. Abri os meus braços e olhei para a minha irmã empolgado.
— E então?
— Acho que os seus seios estão tortos — comentou com humor, vindo ao meu encontro e começou a ajeitar as quengas de coco, que estou usando como uma espécie de sutiã. — Agora sim — sibilou com um sorriso satisfeito e debochado e eu a beijei com carinho na bochecha.
— Mamãe ligou — falei me afastando para pegar a minha pasta de couro e algumas apostilas. Escutei a Anne bufar de modo audível.
— O que vai ser agora? Um mega jantar para expor os seus filhos-troféus para a alta sociedade? — Seu tom irônico era plausível em sua voz, mas acredite, disso eu entendo muito bem.
Carmélia Lamartine é uma socialite de punhos firmes, do tipo que com toda a sua classe e pose, diz o que pensa e o que quer, sem se importar com os sentimentos de ninguém. Se ela pega no pé da Anne por querer ser uma bailarina, pega ainda mais no meu, por querer uma esposa exemplar, um modelo único da sociedade, que embarque nas suas loucuras. E é aí que entra o meu despontamento com a Lara e com a Ariane. Comigo eram meninas animadas que iam na minha onda, mas perto da minha mãe se tornavam mulheres fúteis e interesseiras e sempre que as levava a um almoço ou um jantar de família, o nosso envolvimento acabava no dia seguinte, porque a família Lamartine não aprovava as moças e o inferno estava feito.
— Ca. Ce. Teee! — rosnei alto, quando tropecei no pé do meu sofá, fazendo o dedo mindinho latejar e as apostilas voarem pelos ares, se espalhando pela sala. Anne disparou em mais uma gargalhada.
— Pelo amor de Deus, Adrien! Você nasceu com dois pés esquerdos, homem? — ralhou se debruçando em mais gargalhadas. Eu não sei se aliso o local da pancada ou se junto os papéis. Droga, eu preciso me ajeitar na vida ou nunca serei levado a sério!
— Vamos risadinha, estou atrasado pra aula de hoje — rebati e ela correu para pegar a sua pequena mochila cor de rosa, onde costuma levar seus acessórios para dançar e nós saímos pelo corredor estreito do prédio.
— Eu estava pensando.
— Em que?
— Se você ficou realmente até o final na fila de distribuição de cérebros? Não é possível que um homem desse tamanho, seja completamente desligado das coisas ao seu redor. — Rolei os olhos e a puxei para fazer-lhe cócegas. Anne riu alto e sua risada ecoou pelo longo corredor, e eu amo o som da sua risada! É algo que ela não faz com muita frequência, a não ser quando está comigo.
— Sua boba! — retruquei, quando alcançamos o lado de fora do prédio. Entrei em meu carro e ela foi direto para a minha moto. Respirei fundo e tentei me concentrar no que eu precisava fazer hoje. A ideia era levar aqueles alunos para uma prática fácil e rápida de comidas havaianas. São receitas simples, para iniciantes mesmo, mas o meu intuito maior é uma certa menina de olhos tristes, que grita palavras agressivas, apenas para afugentar as pessoas de perto dela. Eu sei que há algo dentro dela que a impede de sorrir novamente e aqui estou eu; serei o seu bobo da corte se for preciso, mas eu quero arrancar isso dela. Essa será a minha meta.
A medida que adentrei a faculdade escutei algumas risadinhas dos alunos ao meu redor e alguns jovens até cochichavam entre si e levavam a mão a boca para segurar uma boa risada. Algumas meninas mais atrevidas, inclinavam suas cabeças para olhar o homem do meu porte, vestido com uma roupa ridiculamente havaiana e feminina. Tá, eu confesso que essa foi a maior loucura que eu já fiz na vida e olhando a reação das pessoas ao meu redor, começo a pensar se realmente eu fiz a coisa certa. Ao aproximar-me da sala, notei que todos os alunos já me aguardam lá. Eu enchi os pulmões de ar e o corpo de coragem e invadi a sala chamando a atenção de todos para mim de uma forma divertida e bem descontraída.
— Bom dia, alunos! Estou vendo que gostaram do meu look de hoje, mas saibam que essa roupa tem uma finalidade específica — Comecei a explicar, mas isso não os impediu de me zoar e de dar boas risadas as minhas custas. Porém os meus olhos foram para uma pessoa em especial, que me fez sorri, por um simples motivo; ela sorriu. Minha pêche sorriu para mim. — Ora, ora, valeu muito a pena pagar esse mico, ganhei um sorriso. — Pensei alto demais e me arrependi imediatamente, porque ela fechou o lindo sorriso, que fez o seu rosto brilhar por questão de segundos. — Ah, não faz isso, ele é tão lindo! — pedi quase que como uma súplica e imediatamente me lembrei de que estávamos na sala de aula. Kelly praticamente me fulminou com os olhos. Os olhos mais lindos e raivosos que eu já vira na vida. Ela se sentou em sua cadeira e passou a ignorar completamente a aula.
— Professor, você está simplesmente comestível essa manhã. — Melanie comentou de uma forma irreverente e maliciosa e me lançou um sorriso cheio de insinuações. Perdi toda a minha pose na mesma hora e senti o meu rosto queimar.
— Que tal… focarmos… em nossa aula? — gaguejei e meio sem graça, puxei a respiração para tentar me recompor. Não culpo a minha aluna, se alguém da direção da faculdade me pagasse vestido assim, seria capaz de ser suspenso.
Ah, l'amour! L'amour! L'amour!
— Então professor, qual é a finalidade da fantasia? — Herbert perguntou e eu despertei dos meus devaneios. Tenho feito muito isso desde que ela surgiu na minha frente. Então algo me chamou a atenção. Eu inclinei a cabeça levemente para um lado e depois para o outro, olhando a Melanie praticamente debruçada em sua cadeira e uma bunda bem redonda, vestida em um jeans apertado, empinado de uma forma oferecida demais para o meu gosto. Ela não vê que isso é ridículo demais até mesmo para ela? Balancei a cabeça, tentando focar na aula e desviei meu olhar para todos a minha frente.
— Alguém aqui já esteve no Hawaii e assistiram aquelas belas havaianas dançando e fazendo aqueles movimentos graciosos, enquanto bebiam uma gelada água de coco? — perguntei imitando os movimentos da hula e sacudindo os meus braços como se fosse a dança de um balé clássico. As meninas riram, se divertindo com a minha atitude. Os caras assobiaram, mas ela continuava lá, sentada e séria. Ah, vai pesseguinho, só um sorriso pra mim, vai? Pedi internamente. Meu coração palpitava ansioso por isso. Alguns poucos alunos levantaram suas mãos em confirmação a minha pergunta, mas a maioria fez um não com a cabeça. Preciso trazê-la de volta a aula. Pensei, perdendo o meu foco no trabalho e cheio de expectativas. Então caminhei em sua direção, chamando a sua atenção outra vez para mim.
— Você, Ferraço. — Apontei. Incomodada, ela se ajeitou na cadeira e engoliu em seco. _ Já comeu uma bela salada havaiana, servida dentro de um abacaxi, ou em uma enorme palha de palmeira? — inqueri. Ela olhou para turma e com uma respiração profunda, gaguejou uma resposta.
— Não, eu… nunca estive no Hawaii. — Isso minha pêche. Falei por dentro, todo satisfeito com sua resposta. Oh Deus, queria ficar assim apenas admirando a sua delicada beleza, mesmo em meio a sua fúria. “Acorda Adrien, a aula porra!” Me forcei a despertar e comecei a fazer perguntas aleatórias para os outros alunos também.
— Então, para quem vivenciou as maravilhas do Hawaii. — Voltei a falar, indo até um armário de madeira e abri uma porta larga, que deu acesso a uma velha e antiga vitrola, depois peguei um disco de vinil. Ah sim, eu tenho alguns discos de vinil que guardo a anos e olha que maravilha, agora eu tenho aonde usá-los. Um som melodioso e havaiano começou a tocar dentro da sala e eu comecei a dançar, incentivando os alunos a fazer o mesmo. Todos riram, mas também se animam, menos ela. — Entrem no clima havaiano crianças, porque a nossa próxima aula será na enorme cozinha da faculdade. Eu quero que vocês elaborem para mim o melhor cardápio havaiano que eu já comi na vida. — Vendo que Kelly não estava atendendo as minhas expectativas, fui para perto dela. — Não vai dançar, senhorita Ferraço? — perguntei de maneira formal e pela primeira vez eu vi alguma emoção em seu rosto sempre sério e endurecido. Kelly tinha um leve tom avermelhado em suas bochechas.
— Eu… não sei como se dança isso — gaguejou. Ah, mentira vai, tá na cara!
— Isso não é desculpa — insisti e a puxei para fora da cadeira, para mais perto de mim e viajei imediatamente no seu perfume suave e adocicado, na seda dos fios dos seus cabelos, batendo no meu rosto e fechei os meus olhos, tentando não ir muito longe em minhas divagações. Espalmei a minha mão em sua barriguinha… Oh, mon Dieu! Essa barriguinha macia e quentinha… Para Adrien, isso é loucura, porra! Me repreendi imediatamente. Puxei mais uma respiração com força e Puta. Que. Pariu!!! Seu perfume me rodeou, me penetrou e me dominou no mesmo instante. “Sou seu escravo.” Pensei desnorteado, tentando não perder as estribeiras, me forçando a continuar a porra da aula.
— Mexa o quadril pêsse… senhorita Ferraço. — Cacete, essa foi por pouco! Eu vou me perder, eu sinto que vou me perder. Kelly começou a mexer a sua bunda em uma maldita saia xadrez, ralando com perfeição contra a minha pélvis e eu senti que estava incendiando por dentro. Péssima ideia professor, péssima ideia!!! Me afastei do seu corpo rapidamente, antes que o meu corpo correspondesse de maneira involuntária as expectativas dessa maldita dança. Onde você estava com a cabeça, Adrien Lamartine? Eu deveria me afastar, certo? Mas não, eu não me afastei, porque parece que fui hipnotizado pelo quadril largo dessa mulher, de uma pele levemente bronzeada, que está se mexendo de um lado para o outro, de uma forma putamente sensual para mim. Putamente, essa palavra nem existe? Estou até criando palavras agora, porra! Respira Lamartine, concentração, porra! Levei as mãos a minha cintura e inevitavelmente a assisti dançar, completamente encantado, fascinado pelos seus movimentos. “Linda e perfeita!” Estou me perdendo mais uma vez. Engoli em seco e sem conseguir tirar os meus olhos de cima dela, resolvi deixar que a minha boca pusesse tudo a perder nos segundos seguintes. — Linda, só está faltando um sorriso — falei de uma forma doce. Ela ergueu sua cabeça e olhou em meus olhos e eu notei que Kelly havia parado de respirar no mesmo instante. Então ela parou tudo e eu vi o brilho dos seus olhos se apagarem bem na minha frente. Ela começou a recolher as suas e saiu da sala sem dizer uma palavra. — Onde você vai, Kelly? — perguntei preocupado, mas ela sequer olhou para trás. Merda, o que está errado? Por que as coisas com ela tem que ser assim? Queria tanto poder ir atrás dela, puxá-la para os meus braços e poder arrancar tudo o que eu preciso saber sobre ela. Infelizmente preciso levar a minha aula a diante.
— Ok gente, vamos todos para a cozinha da faculdade. Por gentileza, todos direto para os elevadores e direto para o terceiro andar — pedi e esperei que todos saíssem da sala. Bufei, quando olhei para a sua cadeira vazia e percebi um lenço branco caído debaixo dela. Eu o peguei e vi as iniciais KF nele e quando levei o tecido fino ao meu nariz, fechei os meus olhos e aspirei o mesmo cheiro adocicado que senti a poucos minutos, direto no seu corpo. Sorri feito um pervertido malicioso.
— Essa noite sonharei com você, minha doce pêche.
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Vocabulário;
Ah, l'amour! – Ah, o amor!
Pêche – pêssego
Oh, mon Dieu! _ Oh, meu Deus!