Capítulo 5
Alguns dias...
Kelly Ferraço
— Olha vocês, estão tão lindos! — disse emocionada quando vi o casal de gêmeos do tio Petrus e da tia Simone na chama de vídeo. Todos estavam reunidos na sala dos meus pais, para fazer essa chamada. A Carolina com o seu namorado e a Naty com o dela. E pensar que papai e tio Oliver quase enfartaram quando as meninas apresentaram os meninos em um churrasco em família. E não pensem que foi tão fácil quanto foi comigo e o Felipe. Yan e Noah sabem o preço que pagaram com esses dois. Mas agora está tudo bem e o namoro deles já tem quase seis meses. Quantos aos gêmeos, isso sim, foi uma grande surpresa para todos, inclusive para os pais que estavam começando a organizar as suas vidas. Dimitri e Ives vieram de uma forma inesperada e prematura e se tornaram o xodó de todos na família. Cinco anos depois, tio Petrus e tia Simone conseguiram se firmar com a agência de segurança que tanto queriam e depois de tudo o que aconteceu, estou feliz que finalmente eles conseguiram vencer. Tio Oliver e tia Flávia agora tem o Willian, um garotinho esperto e bem agitado de cinco anos e três meses, tão agitado quanto a Naty foi para eles. E o tio Oliver abriu a sua própria empresa de contabilidade e administração, mas ainda continua administrando os negócios do meu pai. Esse sim, cresceu assustadoramente e já está abrindo o seu quinto bistrô pela enorme cidade que moramos. A minha mãe, vocês já sabem, essa é, e sempre será uma empresária de sucesso junto com a tia Flávia, que guia os seus caminhos pelo mundo das passarelas. Como vocês podem ver, o Adam não conseguiu destruir tudo. Houve apenas um sacrifício para que todos sobrevivessem e esse sacrifício foi a minha chance de ser feliz.
— Eles perguntaram muito por você esses dias, Kell. — Tia Flávia disse animada. Ela pôs os pequenos no chão e como se tivesse dado corda, as crianças começaram a correr pelo cômodo. Naty e Carol falaram um pouco sobre a agitação da nova escola e do quanto estão gostando do fundamental dois. Fora uma conversa animada e breve e logo elas saíram de mãos dadas para algum canto da casa com os seus namorados. Observei o tio Oliver olhar os casais de rabo de olho, me fazendo rir. No fundo, no fundo eu sinto muita falta deles.
— Fala como é a França, Kell. — Minha mãe pediu.
— Ah, como se precisasse — retruquei. — Quantas vezes você veio a França, dez, vinte vezes? — Eles riram do meu comentário.
— Não se faça de engraçada, Kelly Ferraço. — Tia Flávia interpele de uma forma divertida. — Nós queremos saber como é a França sobre os seus olhos. — Suspiro.
— Ok, ela é encantadora, é apaixonante e tranquila, exatamente como eu imaginei que seria.
— E já encontrou algum francês gatinho aí pra você? — A pergunta que eu já esperava me fez pensar no maldito sonho com o meu professor. Tentei não resfolegar e dar a eles a impressão de que estava suspirando de forma sonhadora ou algo assim.
— Ãh… não — hesitei e tia Flávia quase pulou do sofá.
— Vocês viram, ela hesitou. — Aí ela abriu aquele sorriso, sabe? Aquele bem grande, com olhos esperançosos e olhou para a tela como se eu tivesse algo a confessar.
— Eu não hesitei — rebati.
— É claro que você hesitou, não sou boba.
— Tia Flávia, eu não hesitei — disse mais firme. Ela pareceu analisar as minhas palavras. — Eu realmente estou focada no curso, ok? Não estou procurando por um namorado.
— Mas devia. Meu Deus como você é parecida com a sua mãe! — Ela bufou audivelmente. Os homens gemeram de insatisfação, me fazendo segurar o riso. — Kelly meu amor, vida que segue. O Lipe foi o seu primeiro amor, mas você deveria saber que viria o segundo, o terceiro, o quarto… quantos fossem necessários para dar certo. — Ok, a conversa estava começando a me deixar irritada. Primeiro amor é um fator importante, certo? Ainda mais quando esse primeiro amor foi o seu primeiro em muitas coisas e isso é algo fundamental em minha vida. O Felipe foi especial de uma forma irreversível e eles simplesmente não querem entender isso.
— Fala do curso, filha. — Meu pai pediu, mudando de assunto e tia Flávia rolou os olhos. Sorri.
— É maravilhoso, pai! — Falar sobre o curso me fez mencionar Adrien Lamartine; um professor maluco, destrambelhado, inconsequente e que de alguma forma está invadindo os meus sonhos. Isso é uma grande merda! — Tem um professor, ele é bem engraçado, eu acho. Ele tem um jeito meio tosco de ensinar, mas ele é bem… legal. — Pensei bem nas palavras antes de falar, para que não houvesse maus entendidos. — E eu estou aprendendo muito, é bem interessante.
— Que bom, filha! — Minha mãe disse, feliz por mim. O resto da chamada foi dominada pelas confusões deles e boas risadas e quando ela terminou, senti saudades de casa.
****
Já passava das dez da noite, quando eu entrei no banheiro e resolvi tomar um banho demorado. Amanhã é sábado e eu não tenho a menor ideia do que fazer um dia inteiro nessa cidade e sozinha. Escovei os meus dentes ainda debaixo do chuveiro e me enrolei na toalha, saindo do banheiro e levei um hidratante comigo para o quarto. Me sentei bem no meio do colchão e comecei a espalhar o creme perfumado em minha pele. Do outro lado da parede do meu quarto, escutei o som alto de uma risada feminina. “A garota é mesmo animada.” Pensei. O tempo todo o casal falava em francês e dava pra ouvir os sons estralados dos beijos entre eles. Meu Deus, eles precisam se expor dessa maneira? Terminei de passar o creme em minhas pernas e vesti um baby doll branco, depois fui para a penteadeira e comecei a escovar os meus cabelos. Na sequência escutei o ranger da cama e rolei os olhos. “Esses dois são fogo puro!” Pensei ironizando a situação. A pergunta é, isso vai durar a noite toda? Porque eu quero muito dormir bem essa noite. Quase meia noite o silêncio habitava no meu quarto e eu respirei aliviada, apagando a luz do abajur e pus minha máscara do sono, e foi aí que o meu inferno começou.
— Tu ne vas pas. — O carinha disse, parecia bem um tanto irritado.
— Oui, j’y vais! Ne t’inquiète pas, ça va aller.
— Est-ce que tu promets?
— Non, promets-moi! — Ele pediu enfático.
— Ok, je jurou. — Depois disso o silêncio. Eles pareciam se abraçar, então a porta da frente se abriu e na sequência ela se fechou e eu escutei os sons dos saltos batendo contra o piso do corredor e por fim o silêncio que me permitiu finalmente dormir.
****
As ruas de Paris na primavera é um sonho; a brisa suave em um dia claro, as calçadas coloridas, banhadas pelas flores que caíam das árvores e que formavam um tipo de tapete perfumado. As carruagens que levavam casais para os passeios românticos. Suspirei baixinho e olhei do outro lado da rua, encontrando uma loja de café com uma fachada formosa, em tons claros de marrom e rosa, escrito a palavra Caffe. Atravessei a rua ansiosa por um delicioso e bem quente café com leite e quando alcancei a porta de vidro, a empurrei devagar e um sininho anunciou a minha chegada. Me senti dentro de uma casa de bonecas, ao ver as mesas redondas pequenas e brancas, rodeadas por pequenas poltronas acolchoada e em tons de marrom e rosa, assim como a fachada lá fora. As paredes tinham tons de verde água, com listras marrons, finas e delicadas que davam formas as várias xícaras de café. O balcão de madeira era redondo e um pouco grosseiro, dando uma ligeira impressão de uma rosquinha. Sorri, pois me senti bem nesse lugar.
— Café au lait, s’il vous plaît! — pedi assim que me aproximei do balcão. Uma moça, usando um tipo de uniforme marrom escuro, com a logo da loja me sorriu.
— Vous voulez un autre chose? — Ela perguntou me fazendo olhar com gana para o balcão de prateleiras de vidro, que exibia lindas tortas, alguns croissants de vários sabores e rosquinhas que chegavam a dá água na boca. A cima do balcão havia alguns cestos de pães, de vários formatos e tamanhos, além de uma enorme e redonda bomboniere, exibindo alguns macarrones coloridos. O cheiro era convidativo e atraente. Puxei a respiração sem saber ao certo o que pedir.
— Deux beignets, s'il vous plait! — Conclui o meu pedido.
— Oui. — Eu assenti e escolhi uma mesa perto de uma das janelas, e enquanto aguardava o meu pedido, peguei o meu celular e enviei uma mensagem para Marina.
Acordada?
Fiquei olhando para a tela, aguardando que ela visualizasse e dissesse algo, mas ela não fez. Estou me sentindo especialmente só essa manhã e preciso conversar com alguém. Segundos depois, a moça trouxe o meu pedido e quando comecei a saborear o meu café quente e cremoso, meu celular fez um sinal de mensagem. Sorri ao ver que é a minha amiga.
Quase, acho que estou em abstinência de sexo. Quase subindo pelas paredes.
Kkkkkkkkkk e por que isso?
Meu homem está viajando e só volta a noite.
E isso a quanto tempo?
Isso importa?
Quanto, Maah?
Algumas malditas horas
Nesse caso não deu tempo entrar em abstinência.
Diga isso para minha pepeka, que está desfalecendo de saudades da sua maromba.
Não seja exagerada, Mariana! Assim você vai secar o homem.
Quem manda ser gostoso? Mas, mudando de assunto, como estão as coisas aí na França?
Você é louca, sabe disso, não é? As coisas estão indo.
Sei sim. Ainda é muito cedo aí na França. Me diz que acabou de sair da sua cama, depois de uma boa trepada e agora está jogando conversa fora, só pra dar um tempo e pegar o francês de jeito outra vez.
Quem dera! Nesse exato momento estou em um café praticamente vazio, tomando o meu café da manhã.
Em pleno sábado? Vou internar você em um hospício, Kelly Ferraço!
Kkkkkkkkkkkk Na verdade eu queria falar uma coisa com você.
Me diz que é sobre homem e que esse homem não é o Felipe?
Estou bufando pra você!
Olha para a minha cara de preocupada... Consegue ver?
Na verdade quero falar sobre sonhos.
Sonhos? Não sou tradutora de sonhos, Kelly Ferraço.
Eu sonhei com o meu professor.
Espera, Professor? Ele é gostoso? É bonito? O que ele estava fazendo no seu sonho? Espero que muita safadeza. Ah safadinha!!!
Podemos falar sério?
Desembucha.
Passei os minutos seguintes falando com a minha melhor amiga sobre Adrien Lamartine e acredite, a mulher me arrancou alguns elogios que se quer sabia que tinha notado e no final da conversa me surpreendi com o conselho dela.
Falando sério Kell, e olha que isso é algo extraordinário em minha pessoa. Você não quer um romance, certo? Nem um namorado ou coisa assim?
Não, não quero.
Então sai, mesmo sem um compromisso aparente. Entenda que você está viva e que precisa de alguns cuidados específicos. Deixa a coisa rolar, se permita viver um pouco de aventura e se um dia rolar, rolou. Certo?
Fiquei olhando para esta última mensagem por alguns longos segundos e juro que dessa vez, pela primeira vez, estava vendo com outros olhos. Resolvi não responder a minha amiga e fechei a tela do celular, me concentrando em tomar o meu café. Se permitir viver… Deixar rolar… Será que eu consigo fazer isso sem me sentir mais culpada do que já estou? Respirei fundo e tomei mais um gole do meu café, fazendo sinal para a atendente trazer mais um. A porta do café voltou a se abrir, fazendo o sininho tocar e um homem moreno, muito alto passou por ela, usando um chapéu escuro de abas redondas e um sobretudo no mesmo tom. Ele caminhou com passos firmes até o balcão e falou algo em francês com a moça. Deixei os meus olhos percorrerem toda aquela altura e quando cheguei ao seu topo, encontrei um par de olhos castanhos escuros me olhando com curiosidade. Imediatamente desviei os meus olhos e olhei pela janela, bufando internamente. “É claro que eu não consigo, merda!”
_________________________________
Vocabulário;
Tu ne vas pas - Você não vai
Oui, j’y vais! – Sim, eu vou!
Ne t’inquiète pas, ça va aller. – Não se preocupe, eu vou ficar bem.
Est-ce que tu promets? – Promete?
Non, promets-moi – Não, prometa!
Ok, je jurou. – Ok, eu juro.
Café au lait, s’il vous plaît! – Um café com leite, por favor!
Vous voulez un autre chose? – Mais alguma coisa?
Deux beignets, s'il vous plait! – Dois donuts, por favor!
Oui – Sim
Non - Não