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Capítulo 1.2

Enquanto caminho pelo imenso pátio do colégio, levando uma mochila pesada nas costas e cheia de materiais escolares e de botons que enfeitam o objeto, observo os alunos que costumam se reunir no pátio antes do início das aulas. Logo sou cercada pelas meninas mais travessas do colégio e diga-se de passagem, da minha turma também. Elas e somente elas, sabem do meu casinho de olhares com o Lipe. Não sabem o que é casinho de olhares, não é? É tipo, quando você não tem a coragem de chegar perto, entendeu? Tipo, nada de beijos e isso inclui selinhos também e nada de pegar na mão, contando aquela história de juramento do dedinho. Eu e o Lipe apenas nos olhamos. O que é ridículo, pois eu já tenho quinze anos e ainda sou praticamente uma bv. O quê? Tive um único namorico de beijos rápidos no cantinho da boca e isso não conta como beijo de verdade. Embora a tia Flávia sempre nos desse cobertura, o Léo não passava disso. Não sei dizer se era medo dos dois homenzarrões ou se por inexperiência mesmo. O fato é que eu já assisti cada beijo de língua em algumas cenas de filmes que confesso, preciso de um daqueles, sem tirar e nem pôr.

— É nesse final de semana, meninas. — Maah avisa com uma animação contida. Maah, é a abreviação do nome Marina. Um sistema que usamos para encobrir uma, a outra. Assim os adultos não descobrem com quem exatamente estamos tramando. Portanto, não irão atrás da dita cuja para descobrir os nossos passos. E quando eu digo adultos, eu me refiro ao ciumento do meu pai, mancomunado com o ciumento do meu tio. E mais uma vez eu me pergunto… Porque eles são assim?

— Sua mãe deixou? — Cris pergunta em uma mistura de empolgação e surpresa. Sorrio para a empolgação da garota, mas a Maah dá de ombros.

— Meus pais vão viajar esse final de semana, então tecnicamente sim, eles deixaram.

— Não deixaram não! Puta merda, menina! Você não falou com eles? — A garota rebate quase revoltado. — Ok, já deu para perceber que a Cris é o cérebro da turma, né? Ela está sempre preocupada com os horários, com os trabalhos, com as nossas reuniões malucas e claro, com a aprovação dos nossos pais seja lá qual for a situação — não que eu seja uma garota irresponsável. Minha mãe me ensinou desde cedo tudo sobre ter responsabilidades e acreditem, eu aprendi direitinho. Mas confesso que estou ansiosa demais por essa noite e quero muito que ela aconteça e eu juro que terei juízo!

— Cris, deixa de ser mala! Que mal pode acontecer em uma simples noite do pijama? Meu Deus, garota! — Maah rebate mal-humorada.

— Só acho que devia ter um adulto por perto. — A garota retruca de volta.

— Bom, a Estrela sempre deixa uma vizinha de olho em mim. Então, tecnicamente teremos um adulto de olho. — Marina rebate, inflando seu peito e abrindo um sorriso sabichão.

— Ela vai estar na casa? — Cris insiste e a nossa amiga revira os olhos com impaciência.

— Lógico que não, Cristiane! — Ela rosna.

— Então, como ela ficará de olho em nós, Marina? — Cris ralha com toda a sua sabedoria.

— Bom, isso já não é problema meu. Agora, vocês vão ou não vão? — Marina insiste e aguarda a nossa resposta levando as mãos à cintura. Eis a pergunta de cem milhões de dólares.

— Eu só vou se a Kelly for. — Cris cruza os braços passando a bola para mim.

— Amarelona! E aí, Kell?

— Estou dentro — digo sem titubear e dessa vez é a Cris quem revira os olhos. Escuto os resmungos derrotados da nossa amiga e a risada vitoriosa da Maah logo em seguida. O quê? Acham mesmo que eu estou errada? Sério? É uma noite do pijama, um lance só de meninas, o que poderia dar errado além de deixarmos a cozinha da dona Frida Belini uma bagunça e de fazermos uma guerrinha de travesseiros? Acreditem, vai ser bem divertido!

Meio-dia em ponto eu entro em minha casa e largo a mochila pesada em cima do sofá da sala e os botons fazem um barulho engraçado quando a mesma quica sobre o estofado macio. Vou direto para a cozinha e como de costume, de segunda a sexta a imensa torre de vidro, como o meu pai costuma dizer é todinha minha. A essa hora meu pai está no comando do bistrô e a minha mãe ainda está na Model e a Carolina já está na escola. Como eu disse, o espaço é todinho meu. Abro a geladeira e encontro alguns ingredientes para fazer um delicioso frango xadrez, uma salada verde e um arroz temperado. Eu já falei que amo cozinhar? Mas, não é qualquer prato, não sou do tipo caseira. Eu gosto da magia da degustação, da mistura dos sabores, da fantasia das cores nos pratos e acho que é por isso que eu já tenho dois cadernos de receitas próprias. Criatividade minha e algumas dessas minhas receitas já são até premiadas, o que deixa o meu pai ainda mais orgulhoso de mim. Sabe a parte mais interessante? A Carolina é louca por modas e de vez enquanto a pego vestindo as roupas da mamãe e calçando os saltos dela também. Ela pega uma escova de cabelos e finge que é um microfone e começa a apresentar um desfile de modas imaginário entre as suas bonecas e isso torna tudo mais equilibrado em nossa família. Largo os ingredientes estrategicamente em cima do balcão e só então percebo um pequeno papel de bloquinho amarelo preso debaixo de uma fruteira. A letra feminina, escrita com uma caneta azul, deixa um pedido para mim.

“Pode ficar com a Carolina e com a Nathalia essa noite?

Mamãe agradece.”

Sorrio. O serviço de babá sempre me rende um dinheiro legal. É claro que eu fico com a Flávia e a Agnes Mirins. Nunca vi serem tão parecidas.

****

Seis e quarenta da noite…

Aqui estou eu em frente a uma tv de trinta e seis polegadas, assistindo o segundo filme da Malévola com as duas meninas que mais amo nesse mundo. Na nossa frente há três caixas de pizzas vazias e uma garrafa de refrigerante de dois litros pela metade, que nós praticamente devoramos durante o filme. Em algum momento o meu celular faz um bip baixinho e eu o pego sorrindo ao ver que é uma mensagem de Maah.

MENSAGEM DE MARINA PARA KELL:

Não conta para Cris, mas teremos alguns convidados especiais na nossa farrinha.

Eu simplesmente encarei a mensagem embasbacada. Quem essa maluca inventou de chamar?  Passo um rabo de olho nas meninas e vejo que elas estão atentas ao filme e começo a digitar rapidamente.

MENSAGEM DE KELL PARA MAAH:

Quem você convidou, maluca?

MENSAGEM DA MARINA PARA KELL:

Ok, vê se não surta, tá?

Chamei o Fabinho, o Call e o Lipe.

 

Ajeito-me abruptamente em cima do sofá sentindo o meu corpo estremecer de ansiedade. Meu coração simplesmente disparou dentro com violência dentro do meu peito e a minha boca ficou seca imediatamente. Meus dedos tremulavam e digitavam rápido demais.

MENSAGEM DA KELL PARA MAAH:

Ficou maluca?

MENSAGEM DA MARINA PARA KELL:

Kell, nós vamos para o terceiro ano.

Quer chegar virgem até lá, sério? 

Porque eu não quero!

Jesus! Rogo imediatamente. Ela está pensando em…

MENSAGEM DA KELL PARA MAAH:

Eu não vou transar, com você sabe quem!

MENSAGEM DA MARINA PARA A KELL:

Você, eu não sei.

Mas, cansei do meu status. 

Então eu não vou perder tempo.

MENSAGEM DA KELL PARA MAHH:

Não podemos esconder isso de Cris, Marina.

Ela vai pirar.

MENSAGEM DA MARINA PARA A KELL:

Não seja tola, Kelly Ferraço!

Se você contar, ela não participará.

MENSAGEM DA MAAH PARA A KELL:

Isso é muito sério, Mariana Belini!

 E não, eu não esconderei isso dela.

MENSAGEM DA MARINA PARA MAAH:

Rolando os olhos para você, Kelly Ferraço!

Você que sabe.

— Kell, podemos pegar alguns doces? — Carolina pergunta me fazendo tirar os meus olhos da tela do celular. Ela parece sonolenta. Encaro a telinha e decido que está na hora de encerrar o assunto.

MENSAGEM DA KELL PARA MAAH:

Depois conversamos.

Estou de babá das meninas essa noite.

Guardo o celular de volta na minha bolsa e desligo a tv ouvindo os protestos das meninas.

— Hora de ir para cama, meninas, já está tarde. — Nathalia me levanta o dedo indicador e me encara como se fosse uma profissional da negociação.

— Sabe que a mamãe não está aqui, não é? — Sorrio.

— Sim, eu sei.

— Então, que tal deixar a gente ver o final do filme? Prometo que nenhum deles ficará sabendo. — Que sapeca!  Penso. A pirralha mal saiu das fraldas e já sabe usar o seu poder de persuasão. Agacho-me um pouco, levando as mãos aos joelhos e ficando cara a cara com a guria.

— Bela tentativa, Naty, mas não vai rolar. Cama agora! — ralho com um tom sério.

— Aí Kell, deixa de ser chata! — Carolina reclama. E u ergo o meu corpo e apenas encaro as meninas de sobrancelhas erguidas.

— Você é um adulto difícil de se enrolar! Se fosse o meu pai, já estava no bolso. — Naty diz girando nos próprios calcanhares e ambas vão em direção das escadas.

— Não se esqueçam de escovar os dentes. — grito quando ambas alcançam o topo da escadaria. Mais um bip e eu corro até a bolsa para finalizar essa conversa absurda com a Marina e para a minha surpresa, a mensagem não é dela e sim de um número desconhecido.

NÚMERO DESCONHECIDO:

Espero que não se importe.

Peguei o seu número com a Marina. 

Será que podemos nos ver amanhã depois da aula? 

Coração quase saindo pela boca agora! Respira fundo Kelly, não é nada de mais. É só o boyzinho que anda preenchendo a sua mente e o seu coração nessas últimas semanas. Digo para mim mesma e sorrio. Logo me vejo digitando ansiosa e o mais rápido possível outra vez.

MENSAGENS DA KELL PARA O NÚMERO DE VOCÊS SABEM QUEM:

Claro!

Pronto, essa noite eu não durmo!

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