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2.2

— Se divertindo muito? — pergunto com um tom ríspido. A garota tenta conter o riso, mas me olha com olhos divertidos e gargalha mais uma vez. Rolo os olhos impacientes. — Posso saber qual é a graça?! — rebato irado.

 

— Você. — Ela diz e volta a rir.

 

— Maluca! — resmungo.

 

— Nossa, que mau-humor! Posso? — pede, apontando o banco vazio ao meu lado. Dou de ombros.

 

— Se prometer não me dá um banho de uísque! — resmungo carrancudo e lhe dou as costas.

 

— Grossoooo! — cantarola, se acomodando ao meu lado. Tento levar a noite na boa, mas parece que a garota irritante resolveu me chatear ainda mais. Ela pede uma bebida colorida e o tempo todo olha para o meu rosto. Encabulado, finjo que não vejo, mas sério, estou me perguntando o que tanto ela olha para mim?

 

— Kappas, mas é claro!  Você é o Adonis Kappas, não é? — diz, e pronto, ela já tem a minha atenção.

 

— Sim, te conheço? — Ela abre um sorriso largo e espontâneo.

 

— Claro que me conhece! Sou a Flávia, Flávia Simões. Estudamos juntos no fundamental. Colégio Marista, lembra? — Definitivamente forço a minha memória e não me lembro da tal Flávia. Isso faz o quê, cinco, seis anos?

 

— Ah! Qual é, Tigrão? — Ela rir alto. — Lembra do apelido? — Ôh, se lembro! Abro um sorriso, o primeiro em dias.

 

— Não acredito, você é a…

 

— Maluquinha, mas ninguém me chama assim há muito tempo. — Levanto-me do banco, de braços abertos, e ela vem para os meus braços. Um abraço forte e cheio de saudades. Definitivamente, Flávia era a maluquinha da turma. A mulher tagarelava e armava para todo mundo. Todo mundo mesmo, nem mesmo o diretor carrancudo e careca do colégio fugia as suas armações. A última que aprontou para o Tigrão aqui, foi inesquecível.

— E a pomba-lesa? — inquire, assim do nada. Não seguro uma boa gargalhada.

— Porra, Flávia! Com tanta coisa para perguntar, você cai de boca nessa? — pergunto baixinho e ela dá de ombros.

— Ué, claro que sim! Você entrou naquele beco escuro com a menina e desde então não te vimos mais. Ela fez? — pergunta. O meu rosto queima na mesma hora.

— Podemos mudar de assunto? Isso não tem graça. — Seus olhos se estreitam para mim, depois uma única sobrancelha se ergue e não, ela não desistirá. Maluquinha do caralho!

— Tá com vergonha de dizer que recebeu um boquete de uma garota? — Puta que pariu! — Adonis você não muda!

— Digo o mesmo de você, maluquinha. — Seu sorriso se amplia.

— E, aí?

— O quê?

— Ela fez ou não fez? — Porra!

— Ok, ela fez? — Flávia faz um “O” com a boca, bebe a sua bebida em um canudo e me sorri em expectativa. — O quê? — ralho, já sabendo o que quer.

— Desembucha Kappas, eu sempre quis saber os detalhes sórdidos daquela brincadeira. Foi uma pura putaria o que fez conosco.

 — Olha a boca suja, maluquinha! — A repreendo. Suas sobrancelhas se erguem, me dizendo claramente você-não-vai-me-enrolar-essa-noite. Bufo audivelmente e esvazio o meu copo, fazendo sinal para o barman trazer outra bebida.

— Você não desistirá, não é?

— Não. — Ela responde e eu assinto.

— Ok, foi um dos melhores que já recebi na vida. A garota parecia bobinha, mas de boba, não tinha nada.

— Detalhes Adonis.

— Ah! Vai se foder, maluquinha! — digo. Seus olhos brilham e seu sorriso se alarga. A noite segue animada. Flávia realmente soube me animar com suas loucuras. Não tenho certeza, mas depois do meu quinto copo e do quarto copo dela, fomos dançar. Três músicas bem animadas, que me fizeram sacudir o corpo como a muito não fazia, e depois mais duas músicas lentas, onde pude pela primeira vez, sentir seu corpo delicioso. De brincadeira, deixei minha mão escorregar para sua bunda redonda, e ganhei dois tapas de advertência.

— Não ouse, Tigrão! — disse sem deixar seu sorriso divertido sumir e agora estamos aqui, do lado de fora do bar, sentados em um banco que concreto e apreciando a brisa fria da noite. São quase uma e meia da madrugada e nós só saímos, porque a Flávia disse que precisa trabalhar em poucas horas.

— O que tem feito da vida, Tigrão? — Sorrio.

— Faz tempo que não me chamam assim — comento, e a olho rapidamente. — Me formei em gastronomia fora do Brasil, quando voltei a algumas semanas, comprei um prédio que em breve será o meu bistrô.

— Bistrô, hein? — Assinto sorrindo, mas solto um suspiro pesado.

— O quê, o que foi? — A olho por um tempo e o meu sorriso se desfaz.

— Era o meu sonho, maluquinha — falo com pesar e pela primeira vez nessa noite, Flávia também perde o seu sorriso.

— Era? — confirmo com a cabeça.

— Cheguei a sonhar tão alto, que não percebi que a queda seria bem maior — informo.

— Como assim, Adonis? — questiona. Sorrio sem vontade.

— Juntei uma grana boa nesses anos. Eu tinha um propósito, mas, perdi tudo.

— Como assim, perdeu tudo? — indaga. Ajeito-me no banco que concreto e encaro o céu escuro e sem estrelas. Até isso me negaram… As estrelas.

— O dinheiro sumiu.

— Não entendi. Dinheiro não some, não sozinho. O que aconteceu?

— Aí é que está, eu não sei! Ele só… sumiu — explico.

— Fez alguma denúncia?

— O banco está cuidando disso — comunico. Eu gostaria de conversar mais, de desabafar, e de verdade Flávia está sendo uma ótima companhia. Mas o seu carro acaba de chegar, então nos despedimos com beijos audaciosos no canto da boca e um abraço demorado e apertado.

— Se precisar de mim, me liga — pede, me oferecendo um cartão. Eu o pego e o olho rapidamente.

“Flávia Simões, assessora particular. Quer mudar sua vida, apagar suas cenas negativas? Ligue para mim.”

Sorrio para a mensagem do cartão de visitas.

— Boa noite, Flávia!

— Boa noite, Tigrão! — diz e entra no táxi. A olho ir embora, para depois ir para o meu carro. Deito minha cabeça no volante por um tempo e penso para aonde ir? Droga!

Chego em meu apartamento pouco mais das três horas da manhã. O céu já começa a receber alguns tímidos raios de sol. Desfaço-me das minhas roupas e sigo para um banho quente e demorado. No chuveiro não consigo evitar pensar nessa noite. A Flávia me salvou e ela nem sabe disso. O seu jeito divertido e descontraído, as conversas, a dança, uma companhia para beber e desabafar, nem que seja um pouquinho. Tudo isso me ajudou a pensar que tenho que tentar. Quando termino o banho, saio do banheiro enrolado em uma toalha pequena e o meu corpo começa a reclamar, pedindo cama. Encaro a janela de vidro transparente e noto que a claridade logo, logo estará aqui dentro. Fecho as cortinas blecaute e me jogo na cama, apagando literalmente em seguida.

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