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3

O homem era definitivamente muito mais intimidante na vida real do que na fotografia. Os olhos dele pareciam capazes de a trespassar com a intensidade do seu olhar e ela só conseguia apertar as mãos no colo.

Que mãe louca deixaria uma menina em casa de um tipo que não via há 20 anos, por mais ex que ele fosse?

O vosso.

Muitas vezes pensou que a sua mãe tinha mais do que um parafuso na terra, e não ela, como Liliana lhe estava sempre a dizer. No entanto, com o passar dos anos, apercebeu–se de que não havia uma única coisa que a mãe fizesse em vão. Para além disso, Alicia preferia estar naquela casa de campo com um estranho do que em casa com a mãe e o padrasto.

Quando Vincet viu que ela não respondia, franziu o sobrolho e soltou–a. Deixou–se cair de novo na poltrona e apoiou o rosto na mão, ainda concentrado nela. Tinha um sono brutal, mas era suficientemente adulto para saber que não podia deixá–la dormir sem lhe dizer pelo menos algumas coisas.

Ele percorreu–a da cabeça aos pés durante alguns segundos. Ela mostrava a idade que dizia ter, era jovem, o seu rosto não era o mais bonito do mundo, mas tinha traços suaves que chamavam a atenção. Os lábios eram cheios, mesmo que não usasse maquilhagem. O seu cabelo era comprido e caía–lhe pelas costas num tom chocolate e em ondas suaves que emolduravam parcialmente o seu rosto com uma franja de franjas. Ela parecia magra, apesar das roupas largas que vestia, e era muito mais pequena do que ele em vários aspectos.

Em suma, ela era o tipo de mulher que não lhe despertava o mínimo desejo sexual, mas pelo menos estaria segura dentro de casa. Ah, raios, em que altura é que ele tinha concordado com isso?

–Como te chamas?– perguntou–lhe ele num tom áspero.

Alice– respondeu ela sem hesitar, olhando–o de frente, como ele tinha dito antes. Ela aprendia depressa.

Bem, Alicia, cheguei a um acordo com a tua mãe e vais ficar aqui durante os próximos meses, mas não vai ser de graça– viu–a ficar tensa. Nesta casa há regras e eu não gosto que elas sejam quebradas. Se quebrares uma, ponho–te na rua. Não tenho nenhuma dívida moral para não o fazer.

Alice engoliu em seco ao ouvir as suas palavras. Pelo menos, só tinha de seguir regras.

–Hoje não vos conto tudo porque estou muito cansada. Amanhã tenho de voltar mais cedo do trabalho e a minha secretária põe–vos a par de tudo, mas por agora, nunca se queixem a mim, não roubem nada da casa, se o fizerem, sabem onde vão parar. Não te metas na minha vida nem na minha casa, muitas mulheres tentam fazê–lo para me tirar dinheiro, nenhuma delas conseguiu. Não me peças dinheiro a não ser que eu to dê, espero que a tua mãe te tenha deixado o suficiente para te sustentar desta vez e...– inclinou–se para a frente, –chama–me Ceo quando estivermos aqui– concluiu.

Alice só podia acenar com a cabeça a cada uma das regras que, na sua maioria, não eram novas. Ele era um homem que, tanto quanto ela sabia, era solteiro e vivia sozinho. Ninguém gostaria de ter a sua vida interrompida dessa forma.

Ele ergueu uma sobrancelha perante a ausência de queixa dela e sorriu ligeiramente.

Se já percebeste tudo, então vamos voltar a dormir, ao contrário de algumas pessoas, tenho mais trabalho do que quero fazer neste momento e estou exausto– levantou–se e caminhou, mas a rapariga não se mexeu do seu lugar, –O que estás a fazer? Segue–me, eu mostro–te o quarto.

Alice pegou rapidamente na única mochila que tinha trazido consigo e seguiu–o. Vincet atravessou a sala e parou em frente a uma porta por baixo das escadas. Abrir a porta e acender a luz revelou um quarto que era acolhedor e muito mais espaçoso do que o que ela tinha em casa. A cama era grande e coberta com lençóis limpos, havia carpete felpuda em grande parte do chão, um guarda–roupa que ela nunca conseguiria encher e uma janela que dava para uma varanda.

–Este é o quarto de hóspedes, pode ficar aqui por enquanto. A porta ao lado é a casa de banho geral do apartamento.

–Obrigada... Ceo– a sua voz também era suave, embora não parecesse tão nervosa como no início.

Baixou a cabeça com as mãos nos bolsos das calças de dormir.

–Não andes pela casa como se ela te pertencesse e não tragas pessoas para aqui– parecia haver muitas mais exigências. Depois disto, virou–se para subir as escadas, mas antes de subir mais um degrau parou e olhou para ela por cima do ombro: –O frigorífico da cozinha não tem muitas coisas porque não costumo comer aqui, mas alguma coisa deve servir– e depois disto Alicia subiu as escadas e desapareceu.

Foi só quando ouviu o som da porta dele a fechar que conseguiu respirar melhor. Ele entrou no quarto, fechando a porta e passando por ela. As suas mãos apertaram–se à volta dela e ele conteve as lágrimas que lhe caíam nos olhos.

Tinha sido melhor do que ele pensava. Isso não invalidava o facto de o seu futuro ser incerto nos meses seguintes. As pessoas são muito imprevisíveis quando têm dinheiro. De momento, tinha de se concentrar nos seus objectivos para quebrar as correntes que arrastava.

***

Vincet abre os olhos alarmado com a chamada da sua secretária.

O que é que queres?– respondeu ele mal–humorado, depois de quase não ter dormido. Ter outra pessoa em sua casa não era um assunto casual.

–O que foi aquela mensagem que ele me escreveu a meio da noite?– a voz exasperada da sua secretária soou penetrante na cabeça de Vincet.

–O que leste. Conto–lhe os pormenores no carro.

–Mas... mas... mas... mas... como é que ela podia concordar com uma coisa dessas. Ela é uma mulher na sua própria casa. Isso... isso...

Vincet estalou a língua e virou–se na cama.

–Lukas, por favor, ainda é muito cedo. Ainda estou a processar isto. Em vez disso, arranja–lhe um contrato de arrendamento para os próximos seis meses, para eu a deixar em paz.

Alguns segundos de silêncio.

Isso pareceu–me bastante cruel da parte dele, depois de se ter comprometido a tomar conta dela.

Isso fez com que Vincet se sentasse na cama.

–E o que é que queres que eu faça, que deixe a rapariga em minha casa o tempo todo como se fosse a rainha e a senhora? A minha relação com a Liliana foi apenas de alguns meses há 20 anos e agora deixas–me ficar com a tua filha assim sem mais nem menos. Se tens tanta pena dela, podes deixá–la ficar em tua casa.

–Lukas não era apenas o seu secretário, motorista e braço direito, mas também o seu amigo e confidente de longa data. A rapariga não tem culpa que a mãe a tenha deixado consigo, sem mais nem menos. E se me diz que ela é deficiente mental, também deve estar a sofrer, se for deixada sozinha não sabemos o que lhe pode acontecer.

Vincet respirou fundo e conteve uma palavra arrastada. No entanto, Lukas era a pessoa que o ajudava sempre que se encontrava neste tipo de situação complicada. Por isso, é melhor esperar para falar com ele. Foi então que um cheiro delicioso entrou por debaixo da porta. A sua boca começou a salivar.

A casa dela normalmente não cheirava assim, a não ser que... houvesse comida. O que é que aquela rapariga estava a fazer?

Saiu da cama e caminhou na direção da cozinha, de onde tinha vindo, e congelou ao ver o que viu.

Alicia estava em frente ao fogão a cozinhar algo em que ele não reparou. O avental emoldurava–lhe a cintura, o que ele achava um pouco preocupante, sendo ela tão pequena, mas mais do que isso, o cabelo estava preso para trás e o decote baixo da blusa expunha uma nuca branca, esguia e elegante, uma zona do corpo que Vincet achava extremamente tentadora e, sem dar por isso, passou a ponta da língua pelos lábios dela.

Aparentemente sob a pressão de ser vista, Alicia virou–se e ficou assustada ao vê–lo ali parado.

–Bom dia, Ceo– cumprimentou um pouco timidamente, por ter sido descoberta.

–O que é que estás a fazer?– era uma pergunta estúpida da sua parte, mas, para tirar o seu interesse, cruzou os braços sobre o peito.

Estou a preparar o pequeno–almoço. Ele disse que eu podia usar o que havia ali, e não é o melhor, mas...– O seu rosto virou–se para a mesa onde havia alguns pratos simples preparados, mas que pareciam melhores do que Vincet imaginava.

Ele levantou uma sobrancelha e o seu estômago ameaçou roncar. Não se lembrava da última vez que alguém tinha cozinhado para ele. Por isso, virou–se para ela com um olhar de reprovação.

–O que é que quer em troca?

Ela pestanejou em confusão.

–Não percebo a tua pergunta,– coçou a bochecha desconfortavelmente, –Se não gostavas de mim....

–Todos os que vêm ter comigo estão lá por uma razão, e aqueles que fazem coisas por mim querem algo em troca.

Alice franziu os lábios perante as palavras rudes, mas não ficou em silêncio.

–Eu... eu não quero nada de ti. Só fiz o pequeno–almoço. É o mínimo que posso fazer quando me deixa dormir numa cama confortável debaixo de um teto, em vez de me atirar para a rua como uma pessoa racional faria.

Vincet ficou em silêncio. Não havia hesitação nela. Ele empurra o cabelo para trás e vira–se na direção da mesa. Contra o que ela tinha dito... era difícil de refutar. Bem, ele tinha feito o que ela disse, então... estavam quites.

–Acaba de cozinhar e vem tomar o pequeno–almoço. Tenho algumas coisas para vos dizer.

Alicia desligou o fogão, colocou as salsichas cozinhadas num prato e juntou–se a ele à mesa.

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