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Miguel. Como viu, eu cresci.

Eu sorrio com as lembranças. Miguel na época tinha dezenove anos e eu nove.

—Tenho saudades dessa época. —Eu digo com a expressão sonhadora.

—Eu não. —Ele diz seco. —Não gostava de ter que bancar a babá, sempre te livrando de apuros. Te tirando de árvores, te buscando na chuva...

Meus lábios tremem. Fecho meus olhos e respiro fundo. O que há com esse homem? Cadê aquele rapaz que um dia conheci? Estou tão desorientada que não consigo encontrar meu equilíbrio. O encaro tentando realmente entender essa hostilidade dele.

—Miguel. Como viu, eu cresci. Pode deixar que não darei trabalho a você. É isso que tem medo? Que eu apronte? Acha que agora que voltei para casa será responsável por mim? Estou bem grandinha para isso. Ou não reparou?

Ele passa seus olhos verdes por mim lentamente, se demorando em meus seios e pernas. A boca dele retorce ligeiramente no canto com um sorriso nada agradável.

— Sim, eu posso perceber isso. — Ele diz em tom de deboche. — Então, a menina educada aqui, amadureceu? Criou juízo?

—Você fala como se isso fosse um verdadeiro milagre.

Miguel me olha por uns instantes.

—E, não é?

—Não seja tão reprovador, Miguel! Você me ofende com esse seu jeito. Não está contente em me ver? — Eu digo realmente chateada com o jeito dele.

Miguel suspira.

—Não considere como uma ofensa pessoal. Você me conhece. Sou um homem de poucos rodeios. Embrutecido pela vida.

Eu desvio meus olhos dele.

—Tudo bem. —Suspiro. —Vamos mudar de assunto. E meu pai? Como ele anda de saúde?

Ele suspira.

—Foram tempos difíceis com a morte de sua mãe. Mas agora ele está bem. Acredito que ele superou.

Eu olhei para as minhas mãos.

— É inacreditável que ela se foi...tão jovem, tão bonita.

—A vida tem dessas coisas. Ela é imprevisível. —Ele diz secamente.

Sem olhar para ele, eu deixo escapar um leve suspiro. Eu posso sentir seus olhos verdes sobre os meus.

—Eu relutei muito em estudar fora. Preocupada com ele. Mas você conhece meu pai, ele foi irredutível e ele me mandou sem conversa para a casa de tia Susan. — Eu disse quase para mim mesma.

—Eu entendo seu pai. —Sua voz era baixa e suave, mas tinha um tom de autoridade nela. E algo enrustido também. —Ele quis te dar a chance de se tornar alguém.

Ele parece quase aborrecido, como se isso fosse um inconveniente. Encaro Miguel, de repente me lembrando que ele não teve a mesma oportunidade que eu e Vitor tivemos de estudar. A geração dele passou anos trabalhando na fazendo, servindo a nossa família.

—Se você pudesse, teria feito uma universidade? —Pergunto insegura.

A expressão dele endurece por uns instantes e eu tento imaginar o que está passando por trás dos seus enigmáticos olhos verdes.

—Tenho um total controle emocional. Não crio neuras, nem expectativas naquilo que não posso ter ou fazer e isso gera gratidão dentro de mim por tudo que tenho. Só tenho ambição naquilo que tenho condições de ter. Só coloco meu chapéu onde posso alcançar.

Eu balanço a cabeça, lutando contra a vontade de revirar os olhos para ele.

—Hum, é um jeito interessante de se ver as coisas.

— Se incomoda de eu fumar?

Eu aperto os lábios.

—Sim. Me incomodo muito. Não deveria fumar, faz mal para a saúde. Sabia que o cigarro causa infarto, impotência sexual, envelhecimento precoce...

Ele breca quando uma Ferrari nos ultrapassou e corta a frente do carro, por pouco Miguel não bate. Eu me assusto, meu coração quase sai do peito.

—Idiotas! Esses caras parecem uns loucos. Só porque têm dinheiro, pensam que são donos do mundo. —Ofegante me encara, quando vê a minha palidez pergunta preocupado. —Você está bem?

—Sim, estou.

—Podemos parar um pouco se quiser? Quer beber algo?

Eu passo a mão por minha testa suada, minha garganta seca.

—Sim. Gostaria muito. Estou morrendo de sede.

—Por que não me disse?

—Ora, isso é óbvio. Você não me deixou à vontade para isso. Desde que cheguei te senti arredio.

—Permita-me dizer que sou apenas um empregado, embora você sempre tenha se esquecido disso. Eu conheço meu lugar, só isso.

Não sei porque ele pensa assim....

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