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A verdade é que suas palavras atingem um ponto dos meus nervos.

Os verões que voltei para casa fiquei o tempo todo com papai. Quase não vi Miguel Alvares. Meu pai ainda estava sentindo a morte de mamãe. Então passei mais em casa e na piscina e não fiquei atrás dele, como ele está sugerindo.

Uma coisa sempre fiz realmente. Eu sempre tratei todos de igual para igual, mas isso é algo de família. Meu pai e meu irmão são assim também.

Ele para no estacionamento, numa lanchonete as margens da rodovia. Quando entramos eu saúdo o ar fresco do ar condicionado. O local é aconchegante. Mesas de fórmica branca e assentos inteiriços de dois lugares de couro vermelho dos dois lados, eu me sento em frente a Miguel. Logo que ocupamos um lugar perto de uma janela com vista para a rodovia, uma garçonete loira veio até nós.

—Miguel! Não acreditei quando te vi. Você passa o dia enfurnado naquela fazenda! —Ela disse com um sorriso de orelha a orelha e depois me mediu.

Miguel dá um sorriso diferente para ela, não frio como ele dá para mim.

—Olá, Karen, é que saí dos meus domínios com a missão de pegar a senhorita Graham.

Ela me encara séria por um momento.

—Ah, agora entendi. —Ela sorri dando uma medida na minha blusa branca com detalhes em preto, onde uma gargantilha de ouro exibe uma linda pedra azul. Meu pai me deu para combinar com meus olhos. —Veio passar o verão com sua família?

—Não. Eu acabei o ensino médio. Talvez passe o ano na fazenda até voltar para Londres e cursar a universidade.

Encarei Miguel que está com os olhos fixos em mim, fazendo minha pele ruborizar com a intensidade de seu olhar.

—Bem, o que irão beber?

—Uma cerveja e....

—Um suco de laranja. —Eu peço.

—Querem comer algo?

—Não, só o suco. —Eu respondo.

—Vê para mim um pedaço daquela torta de frango. —Miguel olhou para mim. —Você deveria provar, é uma delícia.

—Tudo bem. —Eu assinto dando de ombros.

Quando Karen se afasta eu encaro Miguel. Ele olha para fora pensativo. O silêncio é tão profundo que chega a ser irritante, e eu suspiro. No ambiente toca uma música linda, agradável. Num lugar como esse eu devia me sentir calma e relaxada, mas estou inquieta, nervosa, tensa e a culpa é do cowboy sentado à minha frente.

—E aí, como anda a vida? Você deve estar com quase trinta anos agora. Não pensa em se casar?

Miguel gira sua cabeça na minha direção e me encara sério. Inclina a cabeça para o lado e ele prende seus olhos nos meus por um tempo ante de dizer:

—Estou ajuntando dinheiro primeiro. Se você soubesse alguma coisa sobre mim, saberia que sou muito responsável. Não me uniria a uma mulher sem condições de lhe dar uma vida digna.

Eu estremeço com suas falas.

—O salário que meu pai te paga é tão ruim assim? —Pergunto interessada, estudando sua expressão.

Suas sobrancelhas se erguem como se eu o tivesse insultado, e eu provavelmente tinha. E eu percebo que perco a oportunidade de ficar calada.

—Minha realidade é diferente da sua, senhorita Graham. Seu pai me paga justamente.

Nossos pedidos chegam. Karen distribuiu tudo na mesa.

—Terá uma festa na casa de Emma. Inclusive, ela me pediu seu telefone para te convidar. Eu estava para ligar para a fazenda. —Ela diz com um sorriso para ele.

—É? Quando será?

—Depois de amanhã, às nove horas da noite. Se você, uma Graham, não se incomodar de se unir a nós, também está convidada. Seu irmão parece que irá.

— Eu irei. — Concordo de imediato. Eu nunca tinha estado numa festa com o pessoal de um nível mais baixo que o meu. Quero passar boa impressão. Quero mostrar que embora somos bem financeiramente não vejo nada de mal me misturar.

—E você, Miguel? Irá?

—Sim.

Ela assente para ele com um sorriso cheio de significados e se afasta. Eu encaro Miguel que me observa agora.

—Acho melhor você mudar de ideia.

—Por quê? —Eu pergunto e bebo com gosto um gole grande do meu suco gelado.

—É um ambiente diferente, você não está acostumada.

Eu meneio a cabeça para ele.

—Miguel, pare de ser preconceituoso. Eu não sou assim. Por que não me sentiria à vontade com eles?

Ele dá uma lambida nos seus lábios depois de dar um gole grande na cerveja. Meu coração se agita estranhamente com essa cena.

—Não é preconceito. É que nestas festas as pessoas costumam beber demais e passam a ser inconvenientes.

— Oh, Miguel! —Eu digo enfadada, meus olhos faíscam para ele. — Por favor. Eu tenho idade suficiente para tomar conta de mim mesma. Acabou sua fase de babá da garotinha.

Ele ri.

—Dezoito anos? Você mal saiu da puberdade. Eu me lembro quando eu era da sua idade. Nessa idade não temos noção do perigo.

Inclino a cabeça para ele e sinto meu corpo tremer sob o peso de seu olhar e dou uma risada nervosa.

—A mulher amadurece mais rápido que o homem. Se me conhecesse bem, saberia disso. E como disse, eu deixei de ser sua responsabilidade, então relaxa. E você sempre me pareceu muito maduro.

Desvio meus olhos dele e provo a torta.

—Hum, boa mesmo.

Quando eu o encaro, seus olhos verdes me encaram com um desgosto visível. Sua torta está intocada no prato.

—Não vai comer a torta?

Ele ignora minha pergunta.

—Sabe, eu já percebi que adora me provocar?

Eu quase engasgo com o pedaço de frango na minha garganta.

Essa é boa!

—Quem? Eu?

Ele lambeu os lábios novamente. Aqueles lindos lábios cheios, isso faz os meus formigarem.

—Sim, você mesma. Com esse seu jeito de quem não quer nada, mas com sua língua ferina.

Meu Deus, o que eu disse?

A verdade é que suas palavras atingem um ponto dos meus nervos.

—Como você é injusto! —Eu digo balançando a cabeça, tentando me acalmar. — Por que me acusa de algo que não fiz? Quem chegou todo hostil foi você. E se acha que te provoquei, saiba que foi algo inconsciente.

Miguel solta o ar, parecia rendido.

— Olha, senhorita Graham. Seria sensato que parássemos e esquecêssemos nossa desavença.

—Quem disse que isso é uma desavença? —Mostro para ele meus dentes em forma de sorriso. —Apenas divergimos em pontos de vista. E obrigada por indicar a torta, ela é ótima. — Digo e como mais um pedaço com gosto, e faço uma expressão agradável para ele.

Sua expressão permanece a mesma, e eu estou começando a me perguntar se ele sequer ouviu uma palavra do que eu disse. Ele então, faz um ligeiro aceno de cabeça.

—Ótimo. E que bom que gostou da torta.

Quando finalizamos a refeição, eu digo:

—Eu vou à toalete.

—Tudo bem. Vou fechar a conta e te espero lá fora.

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