Cont. Capítulo Um
Agora ele tinha que se fazer de calmo e educado, deixá-la em casa para só depois poder voltar para o conforto de seu quarto de hotel.
Nem sempre ser gentil é bom, muitas vezes é um saco. Como no caso agora. Lembrou-se do rapaz lá atrás que o ajudou e de que nem mesmo tinha lhe dado um obrigado, nem perguntou se precisava de algo.
De repente estava por ali pelo mesmo motivo que ele. Foi um relaxado, deveria ter perguntado.
— Você conhece aquele rapaz lá atrás?
— Que rapaz? – ela riu franzindo a testa — Ah, você quer dizer a garota. O nome dela é Beatriz – abanou a mão.
— Era uma garota? — olhou admirado.
Ela começou a rir e bateu as mãos.
— Meu Deus, não acredito nisso, que divertido. Você não viu que era uma mulher? Achou que era um homem? - cobriu a boca com a mão _ Ah, essa eu tenho que contar ao pessoal assim que chegar em casa — riu mais — Vai ser a nova piada interna. Eles vão rir muito comigo.
— É sério isso? – ele balançou a cabeça — Eu não olhei direito. Estava um pouco escuro no local. Só queria sair dali logo.
“Ótimo, tinha sido um babaca completo”.
Ouvir isso só fez sua cabeça começar a doer e sua perna direita a ficar dormente. Detestava sentir dor. Esfregou a perna com força para a circulação retornar ao normal.
Assim que chegasse ao hotel iria tomar logo seu remédio.
Queria muito se ver livre de Margô. A pressa tinha sido sua inimiga mais uma vez. Se tivesse tido a calma de falar com a pessoa que o ajudou, saberia que se tratava de uma mulher.
Já tinham se passado nove meses desde que sofrera o acidente e ainda sentia no corpo as consequências disso. O que mais o incomodava era a dor na perna e nas costas. De vez em quando sua cabeça, mas só quando se sentia frustrado, como agora.
Sabia que o clima em Torres seria frio, mas não pensou que teria tanta neve. Quando procurou saber, as fotos mostravam ruas com neve baixa. Esse frio contribuía para sentir dores.
Ele tinha alguns pinos e parafusos em sua perna e nesse tempo parecia que gelava de dentro para fora.
Na tarde anterior sua perna tinha começado a incomodar e á noite as costas deram uma fisgada de leve. Ele tinha até tido cuidado de não se abaixar de mau jeito para não estirar os músculos.
Olhando sua imagem no espelho retrovisor viu que parecia estranho, talvez até um pouco assustador. Estava todo de preto e com a cicatriz que saía da lateral de sua testa e descia até quase seu peito, se ramificando pelo ombro e costas, ele parecia mais um vampiro do que um homem comum. No mínimo parecia com um bruxo suspeito.
Até que se ele fosse um bruxo ou vampiro seria bom. Isso queria dizer que ele teria vida longa oua té seria imortal.
Sorriu de leve sem que Margô percebesse. Se fosse mesmo um imortal, mandaria todos á merda e viveria do modo que quisesse, sem precisar ter contato com certos tipos de pessoa.
Depois de um tempo enfiado nesse meio dos negócios, se começa a perceber que nem tudo é como parece. Estava cansado da maioria das pessoas.
Ficou aliviado ao ver a casa de Margô se aproximando.
— Pronto, chegamos, está entregue senhora – ele nem desligou o carro porque queria que ela saísse logo.
— Ai, não me chame de senhora - fez uma careta — Parece coisa de velha - jogou o cabelo para trás — Não quer entrar e tomar algo para se aquecer? – de novo ela fez um biquinho que achava ser sexy e piscou — Ainda está cedo.
Ele teve vontade de rir do jeito dela. Margô realmente se achava irresistível.
— Não, obrigado – deu um falso sorriso —Preciso mesmo voltar ao hotel e descansar um pouco. Está mais frio do que pela tarde e ainda não tomei meus medicamentos. E estou cansado da diferença de horários. Sabe que eu estava em outro país antes de vir para cá.
Não era de todo mentira, porém não era de todo verdade. Estava mesmo cansado e querendo deitar, mas era só uma horinha de diferença. Isso não o afetava em nada. Só queria descansar os ouvidos da baboseira dela e tomar seus remédios.
— Poxa, que pena - inclinou a cabeça. — Gostaria tanto de continuar nosso papo. você promete que continuamos nossa conversa um outro dia? Pode ser amanhã, o que acha?
— Claro, podemos sim, mas não amanhã - mexeu a cabeça como se concordasse. Só que não.
"Sai logo desse carro, porra, que saco”.
Ela ainda tentava mais uma vez o convencer a sair e ficar com ela em casa. Seus pais não estavam e para ela isso é uma vantagem, mas não seria ideal que ficasse com ela sozinho.
Ela demorou a se tocar que ele não iria ficar para lhe fazer companhia. Se esticou e lhe deu um beijo no rosto, mais demorado do que deveria e abriu a porta do carro devagar, esperando que ele mudasse de ideia. O que não aconteceu.
Uma coisa que não estava mais áquela hora da noite, era com humor para flertes infantis como ela queria. Ainda mais depois de passar por um atoleiro que só fez aumentar seu desconforto.
Na verdade, agora estava de péssimo humor depois de descobrir que tratara uma mulher com desconsideração e falta de educação.
Dava graças a Deus por seu hotel ficar próximo dali. Logo estaria em uma banheira cheia de água quentinha para se aliviar.
— Tem certeza de que não quer entrar? - perguntou de novo — Lá dentro é mais quentinho.
— Tenho certeza disso - deu um meio sorriso — Mas eu realmente preciso descansar.
Antes que ela continuasse, ele moveu o carro e ela teve que se afastar. Saiu pensando no motivo de sua dor agora. Seu acidente na Austrália, que o deixou assim.
E desde então ele ficava a maior parte do tempo de mau humor, o que não era bom. Para ninguém.
Foi dirigindo com mais cuidado agora e recordando o dia do acidente. Recordou o momento exato em que o outro carro atingiu o seu com força e o jogou para o lado, deslizando pela ribanceira até parar lá embaixo, perto do rio.
O motorista estava pra lá de bêbado e pelo jeito também estava sob efeito de drogas pesadas. Andava em alta velocidade e costurando a pista, fazendo com que outros carros procurassem se afastar.
Ele não teve tanta sorte. Estava falando ao celular no instante em que o carro surgiu saindo de trás de um ônibus, tentando ultrapassar sem se importar que o local não era permitido e não o viu, a não ser quando foi tarde demais e foi atingido em cheio.
O acidente foi muito grave. Apesar de alguns carros pararem para ajudar, teve que esperar mais de uma hora até o socorro especializado chegar. Quando os bombeiros chegaram ao local, tiveram que cortar a lataria de seu Mercedes preto para retirá-lo de dentro.
Estava muito ferido e tinha perdido sangue.