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Continua Capítulo Um

Seu lado direito foi o que mais sofreu com o impacto. Sua cabeça bateu com força e a perna direita quebrou em três lugares. Seu quadril ficou bem machucado também, o que depois lhe causou uma mancadura. O vidro da janela partiu com o impacto enquanto o carro girava ladeira abaixo, batendo em pedras, partes de árvores e parou bem próximo ao rio que corria mais abaixo.

Foi quase um milagre que ele não tivesse morrido. a sorte maior foi estar usando cinto de segurança ou teria sido jogado para fora do carro.

Ele nem teve tempo de desviar do carro que vinha em cima do seu. Quando percebeu foi tarde demais. Jogou o celular de lado e segurou o volante com as duas mãos, puxando de lado, mas foi atingido e seu carro foi caindo rodopiando.

Os paramédicos o ajudaram muito. Os bombeiros cortaram a parte do carro onde sua perna havia ficado presa para liberar seu corpo e ouviram o grito de dor que ele soltou.

Uma parte da lataria tinha penetrado sua carne e atravessado para o outro lado. Sua cabeça também tinha sido atingida e havia um corte grande que começava na lateral de sua testa e descia até quase seu peito e também pelo ombro, por trás.

Ele nem mesmo soube como isso aconteceu. Enquanto girava sem controle, sua cabeça ficou tonta com as pancadas e sentiu o gosto ruim de sangue quando foi atingido mais forte.

A cicatriz era grande e feia. Uma lembrança daquele dia horrível que mudou sua vida. A partir do momento em que acordou no quarto do hospital depois da primeira cirurgia, sabia que teria que mudar algo em sua vida, talvez até mais do que pensava.

Tinha sido uma viagem de negócios como tantas outras que já tinha feito antes, nada fora do normal. Ele dirigia em direção a uma propriedade que sua empresa havia adquirido quando o acidente ocorreu.

Ele tinha saído de Darwin, uma cidade muito boa para morar para pessoas que curtem tranquilidade. É um local rústico e apesar de ser litorânea, está localizada no outback, uma região desértica do interior australiano.

A natureza do lugar é mais selvagem. Um dos sócios da empresa achou uma boa ideia investir na região e ele estava indo exatamente para conhecer e saber mais do lugar.

Não chegou até a propriedade, não houve tempo. A pancada foi forte demais. Por sorte, apesar da demora em chegar a ajuda, ele foi transportado de helicóptero para um dos melhores hospitais da região, onde ficou internado.

Passou por uma cirurgia logo que deu entrada e ficou no hospital por duas semanas. Depois foi transferido para um hospital em Canberra, onde ficou por mais dois meses.

Achou que por estar em um outro país, os colegas e sócios não tinham ido visitá-lo por isso, mas depois entendeu que não. A verdade cruel é que ninguém e importava de fato com ele.

Recebeu algumas chamadas, cartões e mensagens de melhoras, mas ninguém apareceu. E não tinha parentes.

Odiava hospitais e ficar preso em uma cama por não poder se movimentar era ainda pior. Ficou impaciente e começou a repensar a vida.

Quando voltou para casa recebeu algumas visitas de médicos que cuidavam de seu tratamento após as cirurgias e por conta dos exercícios de fisioterapia que precisava fazer.

Aí sim alguns dos sócios apareceram para ver como estava, mas sempre com algum papel ou pasta na mão para que assinasse algum documento de trabalho.

Não era apenas por ele. Tudo o que ele representava em suas vidas eram números, só isso. No fundo não eram seus amigos, eram interesses, nada mais.

Como muitas coisas precisavam de assiantuas suas, eles apareciam, disfarçando sua pressa e enrolavam um pouco antes de irem embora carregando a assinatura.

Fora isso não apareceu mais ninguém, nenhum amigo, nenhuma de suas amantes, nem mesmo um vizinho. Foi uma constatação triste e pesada de que precisava mudar sua vida e depressa.

Não foi fácil compreender essa verdade e começou a ficar ressentido com as pessoas, mas ele era o maior culpado por essa atitude.

Quando teve que usar uma cadeira de rodas durante um tempo, se sentiu um inútil durante os seis meses após sair do hospital e seu humor só piorava.

Começou a perceber que seus empregados em casa o evitavam com medo de suas respostas e de seu humor pesado.

Ele até admitia que estava insuportável, mas a dor no corpo, o incômodo de ter que usar aquela cadeira de rodas e a quantidade de remédios lhe dava uma sensação desagradável de vida perdida. De não ter ninguém de verdade ao seu lado.

Foi a primeira vez que ele sentiu solidão de verdade e entendeu o quanto isso é desagradável e machuca. Descobrir que não tinha pessoas que o queriam de verdade por quem ele era e não pelo que representava, era muito difícil e entendeu que uma mudança seria necessária.

Ele não confiava nas pessoas, nunca confiou na verdade, mas ver que elas não se importavam com ele por nada, foi dolorido.

Apesar de um pouco chato ás vezes, mandão e sério, ele não era uma pessoa ruim, apenas era exigente em sua vida e queria as coisas ao seu modo. Isso não é errado e nunca foi um pecado.

Mas entendeu que não era bem assim que ele era visto pelos outros. E foi prestando atenção nisso.

E se com esse acidente, ele tivesse morrido? Será que algum deles iria sentir sua falta? Alguém iria a seu enterro por boa vontade?

Talvez não. Ou talvez quem sabe, eles aparecessem só pra ter certeza de que estava mesmo morto.

Apesar dessas lembranças, abriu um sorriso sincero ao relembrar sua última conversa com um dos sócios. Teve uma conversa séria e demorada com ele. O avisou que estava decidido a vender tudo o que tinha depois que se sentisse melhor.

Queria se afastar para repensar melhor a vida para tentar melhorar sua saúde que ficara abalada com o acidente e sua mente que estava contaminada com a vida cotidiana e sua correria. Precisava parar.

— Está seguro disso? - Rômulo estava sentado no sofá confortável e grande de frente pra ele e o olhava com cara incrédula.

— Total. Já pensei muito - se ajeitou na cadeira de rodas e engoliu os comprimidos para dor.

— Você bateu forte a cabeça, não foi?

— Bati, mas não foi por causa disso que repensei minha vida - riu e esfregou o rosto, passando a mão pela marca da cicatriz — Eu só estou cansado e repensar a vida é natural.

— Sim, eu sei disso e entendo. Mas tire férias então. Passe um tempo longe dos negócios. Não tem que fazer isso agora - gesticulou — É uma loucura - ele franziu o cenho.

— Não é loucura Rômulo - balançou a cabeça — Um homem tem o direito de repensar seu comportamento e mudar de vida, não tem?

— Sim, claro que tem, mas não depois de um acidente grave que quase o matou - se inclinou pra frente — Você não está se consultando com um terapeuta? Isso ajuda muito.

— E porque eu preciso de um? - deu de ombro — Eu não estou louco, apenas quero mudar meu rumo - pausou um instante — Rômulo, eu vou fazer trinta e seis anos - suspirou — E não tenho uma família, amigos... Nem mesmo um cachorro. Ninguém se importa comigo.

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