Capítulo 5
O tempo passava e eu aproveitei para comer. Hamzaf não dirigia mais a palavra a minha pessoa, mais preocupado em conhecer as outras meninas. Estava certo. Eu não seria a melhor opção. Continuei comendo um bolinho frito que parecia muito empanado de camarão, mas eu não tinha certeza. Só tinha certeza que estava muito bom.
― Gostaria de aproveitar para desejar-lhe o melhor, senhor Hamzaf. Soube que o seu restaurante ganhou uma estrela michelin. ― Disse uma ruiva de cabelo ondulado cortado até a altura do queixo. Era pequena e baixinha como eu, com a diferença que ela parecia um anjo caído dos céus, as pestanas longas, as bochechas de boneca, os lábios levemente pintados de rosa. Era uma fofa que só me dava vontade de abraçá-la. Pelo visto seria uma adversária e tanto para as outras, fora que ela tinha feito a pesquisa de casa dela.
― Sim, sim. Obrigado. ― Hamzaf balançou a cabeça sério. ― Mostra o trabalho árduo que fiz para conseguir chegar até ali. ― A menina ruiva concordou, mas o assunto havia me chamado a atenção.
― Qual o prato que o levou à estrela, Hamzaf? ― Perguntei. Depois de mais de uma hora me ignorando, mesmo que eu não tivesse também me inteirado de assunto nenhum antes, Hamzaf me respondeu:
― Pelo visto conheces um pouco de culinária… ― Eu podia me gabar que havia trabalhado como ajudante de cozinha no Le Mound Falcão, o restaurante mais conhecido no Brasil, mas duvidava até que Hamzaf já tivesse visitado o meu país para saber disso. Decidi brincar. Era do meu feitio mesmo.
― Assistir masterchef dá nisso… ― E olha se não fiz as meninas rirem também.
― Não se preocupe, um dia eu cozinho para você o meu prato. ― Eu estava tão lerda que não percebi o sentido obscuro da frase, mas as meninas já começaram a cochichar incomodadas ao meu lado, até que uma delas, negra de cachos lindos, tomou a palavra:
― O senhor vai fazer uma entre-escolha, ou vai se casar com mais de uma? ― Hamzaf que levava uma garfada à boca parou a meia boca, surpreso com a audácia das meninas que haviam escolhido para ele, todas falantes demais. Ou quem sabe as outras estivessem se espelhando no meu mal exemplo. Eu podia me iludir com isso.
― Vou escolher duas ou três entre vocês. ― As meninas se entreolharam. Dei de ombros. Continuei comendo e a conversa voltou a se estender por outros assuntos.
Descobri que a ruiva se chamava Grace e era americana e a negra se chamava Adália e era angolana. Hamzaf contou um pouco sobre o trabalho dele e então tivemos uma pausa para nos arrumarmos, porque a tal coletiva que ia acompanhar o nosso caso havia chegado com as câmeras e estava na hora de cada uma de nós tirarmos uma foto exclusiva com Hamzaf e depois todas juntas.
E novamente as meninas estavam preparadas para isso, porque algumas trocaram de roupa, outras se maquiaram mais, outras até escovaram os dentes! E eu fiz a mágica que pude, apertando minhas bochechas para ficarem vermelhas e pegando um pouco de pasta de dente para deixar meus lábios mais vermelhos. Por sinal, uma dica incrível. Ajeitei meu cabelo que parecia uma palha de aço e disse para a imagem que me encarava no espelho que fosse o que Deus quisesse, por que não havia outra Pâmela não. Só essa meia feia que ia ter que dar para o gasto.
Hamzaf foi chamando uma por uma e logo descobri que ele foi chamando por ordem de chegada, o que claramente me deixou como a última. O aperto vermelho nas bochechas não ia adiantar mais nada. Talvez quem sabe eu pudesse achar essa foto e guardar como lembrança dos tempos que estive em Dubai. É, eu ia fazer isso. Sara e Ale iam gostar de ver. Sara me disse que se eu quisesse poderia voltar. Talvez eu precisasse mesmo.
Quando chegou a minha vez, me aproximei de Hamzaf e os moços da câmera começaram a ajeitar a câmera no tripé, luz acima de nós, um monte de coisa que parecia mais sair de uma novela do que de uma simples foto.
Enquanto aguardávamos, me surpreendi que Hamzaf falasse comigo:
― Não se arrumou como as outras meninas? ― Ele perguntou sério. Sorri. Já que tinha perdido a minha chance, continuaria brincando.
― Claro que sim! Você não percebeu? Mas está precisando de óculos Hamzaf, ou talvez eu seja tão bonita que sem e com maquiagem quase não faça diferença. ― Hamzaf abriu um sorriso contido ao meu lado. Talvez se segurando para não gargalhar.
― Mas você realmente precisa que alguém te ensine modos. Já és uma das únicas que não me chama de senhor e, para piorar fala o que vem na mente. ― Dou de ombros.
― O senhor ― Ironizei só para tirá-lo do sério. ― deveria cogitar que nem todas as meninas nesse jantar seriam iguais.
― A senhorita poderia cogitar que eu sei que nem todas são iguais, mas que a princípio todas pareceriam comportadas e não rebeldes como você. ― Arquei os lábios me fingindo de ofendida. Na verdade, eu estava ofendida, porque nunca fui chamada de rebelde. Mas também nunca agi tão estranha como estava agindo em Dubai. No fim, acho que era Hamzaf que estava fazendo isso comigo. Ele despertava um lado obscuro em mim.
― Eu não sou rebelde. ― Me defendi. ― Só não acho necessidade de chamar um futuro possível marido de senhor, tampouco de fingir causalidades. Se gostar de mim, vai ter que ser do jeito que sou.
― Presumo que se quiser mudá-la um pouco também, só dessa forma também. ― Ele disse com um sorriso presunçoso nos lábios.
― Sim! ― Respondi sem pensar, logo em seguida franzindo o cenho sem compreender o que diabos Hamzaf estava falando. Que forma também? Do que ele estava falando? Onde eu havia me perdido nessa conversa toda?
― Por favor, se aproximem. Pode colocar a mão no ombro dela, senhor Hamzaf. ― Disse um cara que parecia coordenar as fotos.
Para minha surpresa, Hamzaf se aproximou e, em vez de colocar a mão no meu ombro, como pedido pelo cara, colocou a mão na minha cintura me puxando para mais perto dele. Eu não estava acostumada a contatos com mãos masculinas, não mesmo! Ainda mais quando envolvia mão masculina na minha cintura, eu não me sentia nada confortável! Fora por isso que eu não havia me aproximado dele.
Senti minhas bochechas tingirem-se de vermelho imediatamente enquanto tentava esconder o meu rosto olhando para o chão. Tinha sido pega de surpresa e admitir que a mão firme de Hamzaf me surpreendera seria demais para o momento. De qualquer forma, com aquela maldita luz na cara, era bem provável que estava visível como eu corava como um tomate.
― Não sabia que corava de vergonha. ― Ele disse entredentes enquanto sorria.
― Para um muçulmano até que você é bem intimista. Isso não é desaconselhável? ― Sussurrei também.
Sorrimos para a foto e tiramos cerca de meia dúzia antes que o cara coordenador de fotos ficasse satisfeito. Outra surpresa foi quando eu tentei tirar a mão de Hamzaf, colocada displicente sob minha cintura, e ouvi ele sussurrar muito próximo da minha orelha, apenas para que eu ouvisse:
― Só sou intimista porque estou curioso de como será domar minha futura esposa. Mas até que gostei de ver que embora respondona, ela também cora em determinadas situações. Um misto de rebeldia e timidez. Qual prevalecerá com o tempo? ― Congelei na mesma posição que estava enquanto sentia Hamzaf tirando o braço da minha cintura e se afastando, como se não houvesse dito nada.
Fiquei ainda tentando esperar a ficha cair que ele havia me escolhido, mas tudo parecia fluido e leve, como se não fosse real.
Onde eu ia enfiar minha cabeça? Já havia desistido e agido de maneira impensada e justamente tudo o que eu era em oposto foi o que conquistou o louco do árabe. Como eu ia viver assim?
Mas a verdadeira pergunta que não calava na minha mente era: Por que eu?
E essa demoraria até eu ter minha resposta.