Capítulo 3
― Você vai mesmo? ― Eu sabia que meu pai não tinha coragem de perguntar se era por causa dele e eu não queria que ele se sentisse culpado ou estressado por isso. Tentei o melhor dos meus sorrisos falsos mais uma vez para mentir.
― Sim, papai! Imagina que legal! Conhecer gente nova, novas pessoas, de quebra poder ter um namorado… ― Meu pai me encarava como se tivesse nascido uma segunda cabeça no meu tronco e eu sabia que não era por menos.
Eu nunca fui de gostar de conhecer pessoas novas, pior ainda em pensar em namorado. Meu pai nunca conheceu namorado algum meu, exatamente por isso, eu nunca tive um. Teria que dar a um uma coisa que eu não tinha: tempo. Estudava de manhã, trabalhava a noite, fazia trabalhos, dormia um pouco a tarde. Não havia um segundo da minha vida que eu pudesse dividir com um namorado.
O máximo que tive foi um peguete. Não chegou a durar um ano. Ele não entendeu isso de que eu não podia dar a ele algo que já me faltava. E que o propósito do peguete era se pegar quando dava e não sair toda semana como se fôssemos um casal de namorados. Não deu certo.
Então, meio que dar um salto para namorado, noivo, vulgo candidato marido, era algo louco demais. Mas eu não podia fazer com que ele percebesse isso. Ele não concordava com minha mãe, ainda que a mídia fosse cobrir com fotos para alguma revista furreca e tudo ficasse mais fácil de acompanhar, ou pelo menos, de não surtar achando que eu estaria sendo sequestrada.
― Pam, você sabe… ― Começou o meu pai com seu discurso.
― Eu te amo, pai! Eu tenho que ir agora! Daqui a pouco eu viajo e mamãe quer me passar algumas informações antes disso. ― Meu pai concorda, ainda que não pareça muito satisfeito. Dou novamente o melhor dos meus sorrisos para ele, tento gravar na memória o máximo que posso do meu pai sem que ele perceba que despedidas são dolorosas para mim e finjo que está tudo bem enquanto ele aceita minha escolha com um sorriso também.
― Eu também te amo muito, Pâmela. Se cuide e se nada der certo… Saiba que pode sempre voltar. Estarei de braços abertos. ― Eu sabia. Eu sempre soube. Papai era o melhor pai do mundo e seu carinho pelos filhos era tão grande que sempre me apertava o coração ter que ficar longe dele.
― Você também se cuide! Quero que cuide da sua saúde até eu voltar. ― Papai riu balançando a cabeça.
― Se continuarem com as gelatinas de limão, pode deixar que sim.
― É isso que gosto de ouvir! ― Disse animada também. Era tão mais fácil conversar com papai do que com mamãe.
Mamãe me fez um monte de objeções quanto a ligar para ela quando estivesse lá e me entregou alguns euros que ela havia trocado. As reservas do hotel já estavam certas e o telefone do tal moço ela tinha me enviado por whatsaap. As recomendações deram lugares a lágrimas e um baixo obrigada que me fez sorrir. Eu sentiria falta até da louca da minha mãe.
**
― Para esse hotel, por favor! ― Disse ao taxista enquanto mostrava minha reserva. O homem olhou o papel e concordou meneando a cabeça num gesto afirmativo. Aproveitei para olhar tudo ao redor.
Dubai tinha prédios gigantes e pessoas das mais diversas possíveis. As mulheres nas ruas eram tão lindas andando de abayas e hijabs que eu fiquei babando ao passar por elas, tentando captar todas as informações que se mostravam a minha frente.
O hotel era maravilhoso também e me aconcheguei num quarto que acho que era maior do que minha sala. Tinha ate ar condicionado! Eu só vivia com ar fora de casa, nunca num quarto para mim.
Deitei na cama olhando para o teto e respirando fundo. Ainda estava com dor de cabeça, que diziam ser responsável pela mudança abrupta de fuso horário, mas estava animada demais para ficar no quarto. Fora que no outro dia iríamos almoçar com Hamzaf, o tal árabe charmoso, então eu não tinha muito tempo para comprar algo decente.
Minha mãe tinha enchido o meu ouvido tagarelando sem parar que eu comprasse uma roupa de gente rica no shopping de lá, de preferência comportada, porque o povo oriental não gostava nada de pernas e braços muito para fora. Tinha que comprar a tal maldita roupa logo para poder descansar. Foi o que decidi fazer.
Depois eu tomava um banho e hibernava até o outro dia.
Estava um calor desgraçado, mas o shopping estava friozinho, uma delícia. Comecei a buscar a tal roupa mais comportada, mas percebi que minha missão seria difícil. A maioria das coisas que se vendiam ali eram abayas. Muito lindas por sinal, mas eram vestidos! Eu não tinha vocação com vestidos. Mesmo que longos. Já não tinha com minhas habituais calças jeans, imagina com vestidos.
Depois de muito garimpar, encontrei uma blusa três quartos social que era o que ia servir, porque não havia muita opção não. Eu colocaria uma calça jeans que eu tinha trago e esperava que ficasse apresentável o suficiente. Eu precisava ficar.
Com a missão finalizada, decidi comprar um sorvete. Era o mínimo que eu merecia depois do trabalho gigantesco que eu havia tido. Pedi uma casquinha e comecei a comer enquanto aproveitava para ver as pessoas que andavam pelo shopping.
Muita gente era turista como eu. Eles eram de longe visíveis. Mas outros, já não pareciam tanto. Muitas mulheres pareciam ter saído de uma festa, com abayas incrivelmente belas e hijab adornados de pedrarias. Não duvidava muito que fossem pedras preciosas. Dubai era conhecido por ser sede dos mais ricaços.
― Ah, desculpa! ― E como sempre, o meu desastre colossal decidiu dar seus ares de oi até mesmo em outro continente, porque já não bastava ser tonta no Brasil, precisava ser em Dubai também. Olhando para as pessoas, acabei esbarrando justamente em uma pessoa, sujando-a de sorvete.
― Argh. Se ainda fosse com uma comida que cheirasse decentemente. Tinha que ser com massa. ― Disse o homem que eu havia sujado. Abri um pequeno sorriso. Ele havia falado em inglês. E com sotaque! Seria turista como eu?
― Me desculpe, senhor. Não foi minha intenção. Mil Desculpas. ― Disse tentando passar a minha mão pelo terno caro do cara tentando limpar, mas acho que não era assim que limpava não, porque parecia que eu mais estava sujando mais ainda do que limpando a coisa toda.
― Não me toque. ― O homem realmente parecia brabo. Dei um passo para trás. Não era minha intenção sujá-lo. Mas gente rica deve ser temperamental mesmo, só pode.
― Tinha que ser turista para não saber para onde olhar. ― Fechei a minha cara. Pelo visto o cara só estava habituado a falar em inglês, não era turista coisíssima alguma. A forma que ele falava já dava ares disso.
― Eu já pedi desculpas para o senhor. ― Disse entredentes. O homem parecia estar na casa dos trinta, trinta e dois anos. Não era muito velho, se bem que doze anos mais velho do que eu era muita coisa sim.
― Você não merece ter suas desculpas aceitas, merece prestar atenção onde anda. ― E o homem que havia desistido de se limpar, revirou os olhos. ― Seja desastrada assim e nunca encontrará um marido. ― E dito isso o homem raivoso se virou e saiu andando! Simples assim! Como se não tivesse de repente me xingado! Sem ligar para convenções, porque meu pavio já era curto mesmo, gritei:
― Pois o meu marido não se preocupa com isso não! ― Menti. Não tinha marido. Na verdade, nem tinha conhecido o pretendente para tal. Mas o tal riquinho mal encarado não precisava saber disso. ― Você que é um idiota que precisa aprender como ser paciente com as mulheres, mesmo as desastradas! Riquinho maldito! ― E eu que não ia esperar que o homem me desse outra resposta feia. Já bastava eu gritando num shopping e fazendo o povo todo me olhar.
Mas olharam ele também, então bem-feito. Para aprender a falar direito com as pessoas. Não derrubei sorvete nele porque quis. E não merecia grosseria. A esposa desse babaca que devia acordar para a vida e ver com o monstro que ela chamava de marido que ela andava dormindo, eu hein! Vai esse homem catar coquinho só.
Melhor, vai para o Brasil. Vê se dura um dia assim lá se falar assim com alguém da minha classe. Leva uns tabefes na fuça para aprender a respeitar as pessoas, independente se são turistas ou não, pobres ou não, o que for!
Já não tinha gostado não dessa gente esnobe de Dubai. Esperava que o meu futuro marido passasse é longe de ser uma pessoa assim, se não eu mesma tratava de enfiar uns tabefes na cara do babaca! Ah vá! Por causa de uma coisa simples! Um sorvete!
Argh. Onde o mundo ia parar assim!?
*
Felizmente, o incidente da noite passada não foi o suficiente para me fazer acordar de mal humor. Tomaria um banho decente, um café da manhã decente e então encontraria com o meu futuro marido e as outras nove concorrentes.
Mas sabe quando o universo parece meio que a fim de brincar com você? De banho tomado, roupinha fresquinha e tomando café, o universo decide que eu preciso sofrer da mesma moeda que o riquinho babaca – deve ser mandinga dele, só pode – e me tasca um incidente com copo de laranja e outro turista como eu!
Ótimo! Além de molhada, a blusa novinha que eu comprei não vai servir para nada! Na verdade, nem ela, nem a calça jeans. Vou ser obrigada a trocar de roupa, para variar o desastre do dia. Isso porque eu não estava preparada para ter que lidar com o tempo de escolher uma roupa nova!
Vasculho a minha mala procurando uma roupa decente. Ótimo! Agora vou ter que ir atrás de um vestido, porque aparentemente, na calada da noite, minha mãe fez o favor de trocar as minhas roupas mais bonitas para sair por vestidos! O resto é tudo mais ou menos. Argh. Escolho um vestido que parece menos brilhante que minha mãe colocou no meio das minhas coisas, de cor azul marinho. Vai servir. Ou, pelo menos, vai ter que servir, porque já estou em cima da hora!
Outro dilema foi conseguir um táxi que me levasse no tal restaurante chique. Um tal de Al Saloom. Nenhum táxi parava, talvez por que era horário de rush, vai saber, e quando finalmente consegui um, tinha certeza que chegaria uns dez minutos atrasada do horário combinado.
Agora além de ter certeza de que eu era pobre por causa do vestido não tão chique como da estirpe dele, o tal árabe ia achar que eu seria uma péssima candidata por ser atrasada. Já tinha começado com o pé esquerdo! Mas que maravilha! Dubai definitivamente não estava querendo me dar sorte.
Respirei fundo. Ia dar tudo certo. Só ser charmosa. Não que eu fosse boa com isso. Por papai, poderia tentar convencer o cara, mas minha mãe mesmo disse que acha que não foi ele que leu as histórias das possíveis candidatas. Afinal, era rico. Tinha gente para fazer isso por ele. Era por isso que ele queria inovar e escolher entre dez meninas. Por que ele era tão rico que não tinha o que fazer, ou queria que os trabalhadores para ele tivessem algo para fazer enquanto ele provavelmente ficava comprando carros cromados em ouro. Eu tinha ouvido falar de algo assim. Uma vez eu vi uma reportagem. Claro que podia ser Fake News. Mas também falava que o tal ricaço não só cromou a carruagem, vulgo carro, como também havia cromado um trem.
É não ter o que gastar o dinheiro para ser tão babaca a esse ponto.
Mas também acho que o meu possível pretendente não era rico a esse ponto.
Acho pelo menos. Vai saber. Espero que não. Odeio pessoas idiotas e mesquinhas.
Corro da calçada até a entrada do restaurante parando apenas para ajeitar o vestido e recuperar o ar. Pergunto ao garçom qual é a mesa do Senhor Hamzaf e ele me aponta para uma das maiores mesas do local, de fato, com nove meninas ali. Faltando apenas eu, é claro.
O tal Senhor Hamzaf está de costas, mas parece ser realmente riquinho chique. De costas dá para ver que ele está usando um terno cinza feito sob medida. Os cabelos são bem negros parecendo uma pedra ônix. De repente, me sinto envergonhada. Não só porque estou chegando atrasada, mas porque todas as meninas ali parecem realmente bonitas e boas candidatas para a vaga.
As que consigo ver que não estão de costas para mim enquanto caminho até a mesa tem cores variadas de cabelo e de pele. Há morenas, ruivas, loiras, cabelos sem cor definida que parece castanho cor de madeira desbotada como a minha – na verdade acho que sou a única com essa cor que inventei de cabelo – mas há uma com cabelo castanho claro quase loiro também. Há brancas, morenas, negras, bronzeadas. E todas estão bem vestidas. Provavelmente a mãe delas pensou igual a minha mãe. É uma pena que só comigo isso não tenha dado lá muito certo.
― Com licença. ― Pedi baixinho enquanto sentava ao lado de uma ruiva sem coragem de olhar para o Senhor Hamzaf. A verdade é que estava com medo de logo já levar uma bronca ou ser a primeira a receber um tchau, vai para casa do árabe.
― Pensei que seu marido não ligasse para o fato de você ser desastrada. ― Congelei imediatamente na cadeira e arregalei os olhos olhando o Senhor Hamzaf.