Capítulo Três
Fazia exatamente quinze minutos que Pedro Henrique buzinava insistentemente e sem parar. Tudo isso para tentar me fazer me arrumar mais rápido, só que não estava adiantando nem um pouco.
Já havia terminado de me arrumar, mesmo assim, estava sentada nos pés da cama olhando as redes sociais, sempre tinha alguma novidade e estava em busca de alguma novidade relacionada a Rogério.
Desde o nosso término, ele não postava nada, nem suas idas aos bares, nada. Não havia nem uma marcação de seus amigos, primeiro com isto temi que algo tivesse acontecido, mas se tivesse, eu saberia. Depois, algo ainda mais pior, que ele deveria ter encontrado consolo nos braços de alguém.
Sem pensar duas vezes, preferia a primeira opção. Preferia que ele tivesse sofrido um acidente, que estivesse em coma ou sei lá seja o quê mas, não com outra pessoa.
Olhei toda sua rede social, as fotos recentes, em busca de algum comentário novo, mas não havia nada. Já não havia mesmo fotos nossas na rede social dele, diferente das minhas que ainda continuavam no mesmo lugar, mesmo assim, senti que algo estava acontecendo, só não conseguia adivinhar bem o quê.
Minha mãe para em frente a porta do meu quarto, soltando o ar dos pulmões.
- Sério, Manuela?
Ergo o olhar do celular.
- O quê?
- Pedro buzinando há quase uma hora e você aí sentada com esse celular.
- Não sei por quê ele está com tanta pressa - digo voltando o olhar para o celular.
- Você ainda pergunta? Se esqueceu do que o Jorge falou com vocês hoje de manhã?
Suspiro, olhando para ela.
- Não, mãe, não me esqueci. E não gostei nem um pouco disso - murmuro.
Ela olha para o final do corredor.
- Então é melhor começar a gostar, se não quiser voltar a passar fome. Claro, se quiser trabalhar nas cozinhas dos outros, vá em frente, mas eu que não quero mais essa vida pra mim - diz no mesmo instante, entre dentes - Agora levanta e vai logo - Dito isto, ela sai pisando duro, me deixando com mais raiva que eu estava.
Minha mãe não temia que Jorge fosse preso ou morto, até temia, mas o quê ela temia com todas suas forças, era ter que voltar a trabalhar, levantar cedo, ganhar menos que um salário mínimo e trabalhar para os outros.
Nunca soube o quê é isso, confesso. Assim que completei 18 anos, Jorge fez questão de montar uma loja de roupas para mim e o dinheiro que eu ganhava, dava e sobrava para mim, já que morava ainda com eles e não tinha que me preocupar com mais nada além de mim.
Ele fez a mesma coisa com o filho, mas diferente de mim e pelo filho sempre estar mexendo em algum carro velho ou moto, ele preferiu montar uma oficina. O quê no começo foi bom, pois não via a cara de Pedro Henrique mas, agora era dificilmente ele aparecer por lá.
Mas ali estava eu novamente, entre a cruz e a espada, sendo praticamente obrigada em fazer algo que claramente não queria. Não quis lidar com drogas, mesmo nosso estilo de vida vindo das drogas, principalmente minha loja de roupas que só teve um começo por causa deste dinheiro.
Jorge não havia me pedido algo simples, o quê ele queria era que eu colocasse minha vida em risco. Em troco de quê? Era isso que não conseguia entender. Por quê isto agora?
Pedro Henrique continua com sua sequência de buzinas e antes que minha mãe voltasse e me jogasse dali de cima, decido ir ao encontro dele e acabar logo com isto.
Mesmo ele me vendo, não para de buzinar, continua, fazendo de próposito com os olhos castanhos-escuros fixos em mim e um meio sorriso nos lábios.
- Vai parar ou preciso arrancar sua mão pra isso? - pergunto séria, cruzando os braços.
Ele dá uma última buzinada, longa.
- Ficou esse tempo todo lá em cima pra quê? - Ele me olha de cima abaixo.
- Não é da sua conta - Contorno o carro, entrando no veículo.
- Tava falando com seu namoradinho? - Ele pergunta, sentando na frente do volante.
- Já disse que não é da sua conta.
- Então não vai querer saber onde foi que vi ele ontem.
Pressiono os lábios, respirando fundo. Era um maldito jogo de Pedro Henrique, já havia caído nisso algumas vezes e ele não tinha nenhuma informação útil para me dar, só queria tirar com a minha cara e se divertir as minhas custas, quer dizer, com meu sofrimento, pois era o quê ele sabia fazer muito bem.
- Não quero saber.
Ele dá partida, me dando uma rápida olhada.
- Tem certeza?
Continuo pressionando os lábios.
- Vamos acabar logo com isso, tá? Tenho mais o quê fazer.
- Ah, sei muito bem - Ele murmura, os olhos na rua - Ficar dentro do seu quarto chorando por uma pessoa que não quer você.
- Você não sabe de nada, cala a boca - digo sem pensar duas vezes.
- E você sabe, não é?
- O relacionamento é meu, Pedro Henrique. Não seu - digo erguendo uma sobrancelha ao olhar para ele.
- Me diga uma coisa - diz pela primeira vez em tom sério, entrando em uma rua - Seu relacionamento é a dois ou a três?
Engulo em seco, demorando alguns segundos para entender aquela pergunta.
- Me deixa em paz.
- Responde aí.
- ME DEIXA EM PAZ, PORRA! - Altero a voz, deixando minha irritação ainda mais em evidência não só por ele, mas também por Jorge por me fazer estar naquele momento dentro de um carro com ele.
Pela primeira vez em sei lá quantos anos, Pedro Henrique resolve me obedecer e me deixa em paz. O quê poderia ser facilmente considerado um milagre.
Ele assim como a minha mãe, não entendia meu relacionamento, não entendia Rogério por completo e a verdade é que não fazia nenhuma questão de fazer eles entenderem. Já não me importava com isso e a única coisa que me importava era Rogério, só isso.
Sabia dos deslizes de Rogério, mas como mencionei agora, eram deslizes e erros todo mundo comete. Ninguém é perfeito, é? Não!
Só que na cabeça de vento de Pedro Henrique, todos tinham que ser perfeitos e isto incluía meu namorado.
Sabia que o quê Jorge nos mandou fazer, era tedioso. Na primeira boca, Pedro Henrique desce do carro e conversa com os responsáveis, não prestei atenção na conversa e nem queria, só queria ir embora dali o mais rápido.
A conversa dura mais tempo do que o necessário e ele repete todo este processo nas próximas duas. Em determinado ponto, o calor já estava me matando e a sede começava a persistir, tentava me decidir se iria me arriscar em busca de água ou se aguentaria ali por mais um pouco.
E quando chegasse em casa, não iria só beber água, também tomaria um bom banho e depois descansaria.
Pedro Henrique entra no carro com um suspiro, ligando o motor no mesmo instante, pelos próximos minutos dirige concentrado na rua, até que na quarta boca, se vira para mim.
- Sua vez.
Ergo as sobrancelhas, sem ter ideia do que ele estava falando.
- Do quê?
- Vai lá ver como estão as coisas.
- Mas é você que está fazendo isso - Lembro, temendo que ele tenha esquecido o quê estava fazendo desde que saímos de casa.
- Já fiz isso, agora é sua vez - Olho para os quatro homens na calçada sem conseguir me imaginar indo até eles.
- Não - digo com um meio sorriso. Nem fudendo que iria até aqueles caras, que fazia questão de igManuelar no meu dia a dia, perguntar sobre drogas.
- Vou ter que ligar pro meu pai? - pergunta sério, sem aquele tom de brincadeira brincalhão.
- Está me ameaçando?
Ele dá de ombros, olhando para frente.
Inspiro profundamente, mordendo o lábios inferior.
- E o quê eu faço?
- O que eu estava fazendo.
Ergo as sobrancelhas sem ter ideia do que ele estava fazendo. Ele só descia do carro, conversava com eles e voltava. Se fosse isso, poderia fazer facilmente.
Irritada novamente com Pedro Henrique, por se negar em me ajudar, desço do carro atraindo os olhares masculinos em cima da calçada para mim. Caminho para eles determinada, parando antes de subir na calçada.
- E aí - digo com a voz firme, observando-os me cumprimentar com a cabeça - Como tá as drogas?
- Tá aí - diz um deles, sem precisar pensar muito.
Assinto devagar, sem saber o quê mais perguntar.
- Estão vendendo muito?
- Tá fluindo.
Franzo os lábios, os movendo de um lado para o outro.
- Então tá - digo voltando para o quarto, tentando fugir do calor e do sol.
Pedro Henrique me observa entrar no carro.
- Viu o caderno das vendas? - pergunta sem rodeios.
- E por quê eu faria isso?
- Por quê é por isso que estamos aqui? - Ele responde com outra pergunta.
- Eles disseram que as vendas estão boas.
- E como você vai saber se não ver o caderno?
- Não tem por quê eles mentir - Não fazia nenhum sentido. Eles não eram loucos de roubar o Jorge.
Ou eram?
Pela cara de Pedro Henrique, parecia que eles eram loucos sim.
Aparentemente irritado, Pedro Henrique desce do carro e vai conversar com eles. Não demorou para um deles voltar com um caderno e ele começar a folheá-lo e os encher de perguntas, depois disso, vão num canto e parece que mostram as drogas para ele.
Se era para admitir que Pedro Henrique se saía muito melhor que eu naquilo? Eu falaria só para me livrar.
Pedro Henrique volta algum tempo depois, ele não me diz nada inicialmente, apenas liga o carro e parte para a próxima boca.
- Vai querer que eu vá? - Ouso perguntar.
- Não - diz sem pensar duas vezes.
É assim pela próxima boca, a outra e a outra. Até que reconheço o caminho que estávamos indo, para casa finalmente.
- O melhor que você tem que fazer, é dizer para seu pai que dá conta sozinho - Sugiro, pedindo com todas as minhas forças que ele me escutasse.
- Não vou dizer nada pra ele.
Ergo uma sobrancelha.
- Não dou pra isso.
Ele suspira.
- Pensasse nisso antes.
- Como se tivesse como dizer não - Resmungo.
- Não vi ele obrigando você.
- É o seu pai, Pedro Henrique, não vejo você dizendo não.
- Por ele ser meu pai - diz dando de ombros.
- Você também tem medo dele.
- Não tem medo dele.
- Claro que não - A maioria daquelas pessoas tinham medo de Jorge. A maioria! Pois sabiam que ele conseguia ser justo e severo ao mesmo tempo, e modo como julgava os culpados não era nada bonito de se ver.
- Você não sabe de nada - diz baixo.
- E você sabe, né? - Olho pela janela, me imaginando facilmente em minha cama.
Na garagem de casa, hesito em sair do carro, ainda com as palavras de Pedro Henrique antes de sairmos de casa ecoando em minha mente. E se ele soubesse mesmo alguma coisa sobre Rogério? Naquele momento tudo era válido e eu precisava desesperadamente saber o quê estava acontecendo com ele e, se precisava de mim.
- Pedro Henrique - Chamo com a voz firme, atraindo a atenção dele no momento em que ele estava para descer do carro.
- O quê? - diz ainda com a voz séria. Qual era o problema dele? Normalmente era eu que ficava daquele jeito com ele e não ele comigo, geralmente ele fingia que não estava se importando com meu comportamento e continuava a me perturbar.
- Você viu mesmo o Rogério? - pergunto baixo, entretanto com a voz mansa.
Ele ergue o queixo, parecendo pensar.
- Você quer saber mesmo?
- Se não quisesse, não estaria perguntando.
- Você e sua ignorância - Ele faz menção em sair do carro, mas sou rápida e seguro seu braço, pela primeira vez, o impedindo de sair e de me dizer o quê ele sabia.
- Ah, qual foi, Pedro Henrique. Custa me dizer?
- Quer saber mesmo? Custa muito.
Reviro os olhos.
- Vai me dizer ou não?
- Vi ele sim, Manuela - diz alterando a voz - E não estava sozinho não - Franzo o cenho, inicialmente sem acreditar nas palavras dele. Rogério não... claro, ele poderia estar sofrendo. Sim, poderia, mas não... - Tem certas coisas que a pessoa não precisa saber, não é? - Sua voz soa gentil enquanto me observa, depois disso, sai do carro, entrando na casa.
Não consigo sair do carro de imediato, muito menos sabia como estava me sentindo. Já havia vivenciado isso, sim, diversas vezes, mas sempre era como se fosse a primeira, sentia a mesma coisa, sofria da mesma forma e só queria que ele voltasse para mim e me amasse. Só isso.
Precisava trazer Rogério de volta para mim e só iria conseguir isso, com o churrasco que a minha mãe e Jorge estava planejando. Sendo assim, saio rapidamente do carro em busca da minha mãe.
Não a encontro no primeiro andar, apenas em seu quarto, deitada no meio da cama mexendo no celular enquanto a televisão falava sozinha.
- Mãe - digo ao entrar de repente no quarto.
- É o quê, Manuela?
- Vai fazer mesmo o churrasco? - Ela me olha por um momento, antes de voltar para o celular.
- Vai depender do Jorge.
- Tem como falar com ele?
- Por quê?
- Mãe - digo séria e impaciente - Só fala com ele e tenta fazer amanhã de noite - Já tinha quase tudo planejado em minha mente.
- Vou ver.
- Não, mãe. Fala com ele agora - Insisto.
- Mas que coisa, Manuela! - diz parcialmente irritada comigo, decidindo ligar para meu padrasto - Jorge - diz ainda irritada - Diz aí, vai fazer o churrasco? - Começo a ouvir a conversa nervosa, mexendo as mãos em frente do corpo.
Claro que minha mãe entra e sai facilmente do assunto principal, falando da vizinha, conhecidos e até do cachorro do outro lado da rua que latia demais. Gesticulo para ela voltar para o assunto do churrasco e a contra gosto ele volta, ouvindo atentamente o quê meu padrasto falava. Até que o quê pareceu ser uma eternidade depois, ela desliga e me olha forçando um sorriso, ao inclinar a cabeça para o lado.
- Ele vai fazer, Manuela. Agora pode sair do meu quarto e me deixar em paz?
Sorrio, mais do que feliz por meu plano estar caminhando.
- Você é a melhor mãe do mundo, sabia? - Seguro o rosto dela entre as mãos e beijo sua testa, querendo demonstrar todo meu agradecimento.
- Sei - diz séria, voltando para o celular. E só assim, saio do quarto saltitando.
Eu iria ter meu namorado de volta. Eu iria ter meu namorado de volta, cantarolo a música inventada por mim mesma em minha cabeça. Tão feliz que tudo ao meu redor se tornou mais do que colorido. Estava sempre disposta em fazer de tudo para salvar meu relacionamento, até ajudar meu padrasto a fazer um churrasco na laje, mesmo eu odiando aquela fumaça e o entre e sai de casa. Era tudo por Rogério e faria tudo novamente se fosse preciso.
Até esqueci que Pedro Henrique estava com raiva à toa. Ele também não importava. Não era o Rogério, se fosse, poderia até me importar, mas já que não era, e podia muito bem lidar com o próprio sentimento dele, sem ter que descontar a raiva dele em ninguém.
