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Capítulo Quatro

Diante do espelho tentava escolher o quê vestir. Não costumava ter essa dúvida, mas se tratando de Rogério tinha que estar impecável.

Estava num dilema, entre usar o básico composto por calça jeans e croped ou um vestido tubinho que valorizava meu corpo. As duas opções eram tentadoras e me deixava naquela dúvida.

Colocava cada peça na frente do meu corpo, tentando de alguma forma me decidir. É quando decido perguntar para a minha mãe, deixando o quarto e indo para o seu, onde diferente de mim já se arrumava.

- Qual é melhor? - Mostro minhas duas opções.

- Não gosto de você de vestido e sua outra opção está muito de periguete - E por apenas “parecer”, já era um bom motivo para minha mãe não gostar. Ela não gostava de periguetes, por a maioria da favela ficar se jogando em cima do meu padrasto.

- Ajudou muito - murmuro, saindo do quarto, dando de cara para a porta do quarto entre aberta de Pedro Henrique.

Até aquele momento ele ainda não havia feito nenhuma das suas “brincadeiras” e isto era estranho. A impressão que tinha as vezes, era que a vida dele só funcionava quando ele fazia algo de estúpido comigo. Era difícil acreditar que ele estava magoado pela nossa recente conversa, sempre ficava magoada com o quê ele fazia comigo e ele nunca se importou com isso.

Após alguns segundos parada no corredor, entro abruptamente no quarto, chegando a assustá-lo deitado de barriga para cima, mexendo no celular.

Inicialmente, ele não diz nada, apenas franze o cenho levemente e me olha de cima a baixo.

Continuo segurando os cabides, olhando fixamente para ele com a expressão séria. O que estava prestes a fazer, nunca tinha feito antes, mas o comportamento dele estava me assustando, já que ele nunca teve este tipo de comportamento antes e vê-lo daquela forma estava me incomodando. De verdade.

- Qual?

Ele olha para as opções, ficando mais tempo do que o necessário olhando-as.

Soltando o ar dos pulmões, desisto de tentar ter algum tipo de conversa civilizada com ele, me preparando para sair do quarto.

- O vestido - diz ele de repente, me surpreendendo, a voz suave, sem nenhum tom de raiva - Já vi você nele e fica bonita nele - Pelo menos nisso ele tinha razão, toda vez que vestia aquele vestido, aonde eu ia, sempre conseguia atrair olhares e não posso negar que eu gostava disso. E naquela noite, queria atrair o olhar expecifícamente de Rogério.

Por um momento, parei de pensar, ainda surpresa com a resposta explicativa dele e o olhei, percebendo que ele era mais observador do que pensei.

- Valeu - digo ainda pensativa, saindo do quarto.

Mesmo estando praticamente em cima da hora, tomei o cuidado para pensar nos mínimos detalhes. Desde a maquiagem até o perfume. Queria realmente seduzir e só faria isto se estivesse impecável. Então caprichei o máximo que pude, queria ser a estrela daquele churrasco, então eu seria.

Quando finalmente terminei, o churrasco já havia começado algum tempo. Mesmo com a porta do meu quarto fechada, podia ouvir o pagode soando solto na laje e ouvir também os passos de diversas pessoas.

Antes de sair, dou mais uma olhada no espelho, aprovando o cabelo médio na altura dos seios, a maquiagem bafônica que estava usando que, ressaltava os olhos e a boca pintada de vermelho, mas principalmente o vestido que era perfeito para a ocasião.

Estava perfeita. Me sentia perfeita.

Saio do quarto com destino à laje, encontrando algumas pessoas entrando e saindo, algumas delas já eram conhecidas de outros pagodes que Jorge fazia. Então não eram nem um pouco estranhas.

Me equilibro com facilidade nos saltos pontos de agulha, subindo devagar os degraus, até finalmente chegar na laje que estava completamente iluminada e com mais de meia dúzia de pessoas. Num canto da laje, havia o grupo de pagode que Jorge sempre chamava, era dali mesmo da favela. No começo não eram muito notados, mas a partir do momento em que Jorge começou a chamá-los toda vez que tinha algum churrasco, aniversário ou qualquer coisa que fosse em casa, os estabelecimentos locais e até mesmo favelas vizinhas, começaram a convidá-los para tocar.

As músicas que tocavam e cantavam não eram de autoria própria, só que conseguiam cantar com uma vibe tão boa, tirando do fundo do baú aquele pagode que todo mundo conhecia.

Naquele instante mesmo, estavam cantando uma do Alexandre Pires e mesmo eu não curtindo 100% pagode, me via tendo uma recaída as vezes e cantando junto.

Pego uma cerveja no outro canto, aonde a diversidade era garantida, contendo a vontade de ir até a churrasqueira abastecer meu estômago. Meus olhos varriam todo o local em busca de Rogério, sabia que ele estava por ali, ele sempre ia a todos os churrascos que Jorge fazia, mesmo nós tendo “terminado”. Ele queria mostrar que estava bem, mesmo eu sabendo que ele não estava.

Tomo a cerveja em goles na minha mão, tentando disfarçar meu nervosismo, misturado com ansiedade. Ignorando veemente aquela pequena voz em minha mente, que dizia que ele podia muito bem não estar ali, que poderia estar em qualquer lugar da favela. E com outra pessoa.

Comecei a cogitar no mesmo momento, em ligar para um dos mototáxis conhecidos e mandar um deles ir atrás dele. Sei lá, saber onde ele estava e se não ia comparecer ao churrasco, pensava em várias alternativas ao mesmo tempo, querendo de alguma forma encontrar a melhor para aquele momento, já que não podia pedir conselho para absolutamente ninguém.

Estava prestes a pegar o celular e ir na minha primeira alternativa, quando o vi, sentado. Em sua frente havia alguns conhecidos e por causa deles não havia visto ele ali.

Não preciso nem dizer que meu coração acelerou, quase saiu do meu peito e pensei que iria ter uma parada cardíaca. Tudo aconteceu muito rápido e realmente pensei que sairia dali direto para o hospital, antes mesmo de colocar meu plano em prática.

Ele não olha na minha direção, o quê me chateia. Não era possível que ele não estava me vendo ali. Eu era a única bonita dali, toda montada, atraindo alguns olhares, menos o dele. Ou será que não estava bonita o suficiente?!

Pedro Henrique estava num canto isolado, com a mesma cara de sempre, tomando uma cerveja que dava minha cara a tapa se já não estava quente.

Num ato de desespero, me aproximo de repente, pisando firme no chão, atraindo de imediato o olhar dele. Seus olhos vão dos meus pés até a cabeça, enquanto ele ergue as sobrancelhas, seus lábios se entre abrem e vejo que por um momento, esqueceu até mesmo o quê estava pensando. Era exatamente aquela reação que queria de Rogério, mesmo assim até aquele momento, não tinha nem olhado na minha direção!

- Estou bonita? - pergunto com a voz um pouco trêmula.

Ele demora mais uma vez para responder.

- Está - diz baixo, não permitindo que eu entendesse.

- É sim ou não, Pedro Henrique - digo impaciente.

Finalmente seus olhos encontram os meus.

- Sim, Manuela! - diz alterando a voz - Tá com problema de audição?

- Você que tá falando pra dentro - Olho na direção de Rogério, que continuava com a conversa enigmática, sorrindo de vez em quando, sem olhar em nenhum momento na minha direção.

Bebo mais um pouco da cerveja, mordendo o lábio. Colocando minha cabeça para pensar. Precisava chamar atenção dele de alguma forma, sem parecer mais desesperada que estava e vulgar.

Mais como?

O grupo de pagode sai de Alexandre Pires e entra em Alcione, cantando com maestria a música Ébano. Era um sinal divino e o quê eu precisava.

- Segura - digo para Pedro Henrique, lhe entregando a minha cerveja pela metade e indo para o meio da laje, sambando no ritmo da música.

Poderia parecer impossível sambar sobre um salto tão alto e fino, mas quando praticamente se crescia no samba, era a coisa mais fácil do mundo. Sambando, atraí mais olhares, olhares estes nos quais recebia muitos elogios quando frequentava o samba da favela.

Tentava soar o mais natural possível, deixando a apreensão de lado e demonstrando todo meu gingado que tinha herdado da minha mãe que, conseguia por qualquer uma daquelas meninas ali no salto.

Jogadas de cabelo de um lado e para o outro, mantendo um sorriso sexy no rosto, finalmente percebo o olhar de Rogério em minha direção. Podia jurar que ouvi os anjos cantando amém. Assim como os caras que estavam com ele, seus olhos estavam fixos em cada movimento que fazia e tentava não fazer contato visual diretamente com ele, fingindo nem estar o vendo ali.

Um homem se aproxima, me acompanhando no samba, mentalmente agradeci, pois dessa forma o deixaria um pouco com ciúmes e percebendo o erro que estava fazendo em se manter longe de mim.

Quando a música estava quase no fim, dou as costas para Rogério, continuando a dançar, dando um bom vislumbre da minha bunda naquele vestido apertado e é quando meu olhar se cruza com o de Pedro Henrique. Ele tinha os olhos em mim e diferente de Rogério, sua expressão deixava claro que estava gostando.

Reviro os olhos, parando de dançar no exato momento em que param de cantar, voltando para onde estava com Pedro Henrique.

Tomo mais um pouco a cerveja, evitando de olhar na direção de Rogério. Sabia que ele estava me olhando, podia sentir seus olhos em minhas costas e pedindo mentalmente para olhar na direção dele.

Só que não iria olhar. Não naquele momento. Se ele iria pagar de superado, também queria pagar um pouco, só para deixá-lo intrigado.

- Vai beber essa cerveja quente até quando? - pergunto para Pedro Henrique, que segurava a mesma cerveja.

Ele olha para a cerveja quente em sua mão e depois para mim.

- Nem percebi que tinha esquentado.

Reviro os olhos, pegando a latinha de sua mão, aproveitando que a minha tinha acabado para pegar mais e olhar na direção de Rogério. E bingo! Ele estava mesmo me olhando e quando nossos olhares se cruzaram, pude sentir a faísca que sempre existiu entre nós.

Sem esboçar qualquer reação, pego duas cervejas e volto para onde estava, pisando com firmeza.

- Podia ter ido pegar - Pedro Henrique murmura.

- Não sabe agradecer não? - Abro a minha, tomando um bom gole. Ele suspira, fazendo o mesmo - Mas você pode agradecer fazendo uma coisa para mim - Seus olhos se fixam no meu, enquanto tomava o líquido.

Ele afasta a latinha da boca, erguendo uma sobrancelha.

- O quê você quer?

Sorrio de canto, não entendendo como ele não estava pensando o mesmo que o meu. O óbvio.

- Quero que vá dar um recado pra mim.

- Pra quem?

Engulo em seco.

- Rogério.

- Não - diz sem pensar.

- Pedro Henrique - digo irritada - O quê custa?

- Pra mim? Muita coisa.

Olho para as pessoas na laje.

- Fico devendo uma pra você.

- Não sei no que você pode me ajudar - Ele faz menção em sair de onde estávamos, mas seguro seu braço, fazendo-o parar no mesmo instante.

- Por favor - sussurro, olhando dentro dos olhos dele. Por um segundo, seus olhos se fixam em minha boca. Até que ele abaixa o olhar, respirando pelos lábios entre abertos.

- É pra falar o quê?

- Pra ele me encontrar no meu quarto - digo sorrindo. Ele volt a me olhar novamente, entretanto com a expressão séria, como se desaprovasse o quê havia acabado de dizer, mesmo assim, acaba fazendo o quê pedi.

Pedro Henrique atravessa a laje e passa pelos caras perto de Rogério, se inclinando sobre ele para falar perto de seu ouvido. É questão de segundos, até que Rogério olhe para mim e depois para mim e eu com um sorriso no rosto, interpreto aquele olhar na minha direção como um sim.

Depois disso, Pedro Henrique se afasta deles e atravessa novamente a laje, seus olhos se cruzam com os meus, enquanto ele toma mais um gole da sua cerveja e sai da laje.

Os próximos minutos foram tensos e estava vendo o momento de simplesmente ir até Rogério e pegar na sua mão e, levá-lo eu mesma para meu quarto. Mas não podia fazer isso, ele podia estar esperando uma oportunidade para se afastar daquelas pessoas e precisava esperar o tempo dele.

Depois de vinte minutos, foi o que ele fez, se afastou discretamente e saiu da laje. Meu coração dispara novamente em meu peito e minhas mãos começam a suar com o quê estava prestes a acontecer. Pretendia não dizer nada, iria fazê-lo voltar para mim de outra forma, sem palavras, lembrando como éramos bons juntos entre quatro paredes.

Cerca de cinco minutos depois, após verificar que minha mãe e Jorge estavam ocupados com outras pessoas ali, faço o mesmo, sentindo meu coração pulsar com mais força com a cada passo que eu dava.

O grupo de pagode continuou tocando, dessa vez uma música que eu também gostava e que de certo modo me dava mais forças para o quê estava fazendo.

Não havia ninguém no primeiro andar, todos os cômodos estavam vazio e isso me fez pensar que Pedro Henrique deveria ter saído ou até mesmo estar com a mãe dele. A segunda opção não era ruim, já que o quarto que ela estava era à prova de ruídos, o significava que o mundo poderia estar desabando que ela não ouviria e que não seria perturbada de algum forma.

Claro que não estava pretendendo fazer nenhum barulho alto, mas verificar que não havia ninguém também no segundo andar, além dela, me deixaria mais relaxada e confiante.

Antes de ir para o meu quarto, passo no banheiro do corredor e me olho no espelho. Passo a mão pelo cabelo o arrumando, assim como o batom que estava intacto e a maquiagem. Estava ainda perfeita e queria continuar até ter as mãos de Rogério pelo meu corpo.

Só de pensar nisso, nas mãos dele percorrendo meu corpo, indo nos exatos lugares que eu gostava e que me excitava, já me deixava molhada. O sexo entre nós era bom, as vezes mediano, por estarmos cansados, entendia perfeitamente que as vezes Rogério não estava com disposição mas, já fazia uma semana que havíamos terminado e só conseguia pensar no fogo que Rogério deveria estar sentindo e no que poderia fazer comigo.

Aquela não era a primeira vez que transavámos no meu quarto e pretendia não ser a última. Ele costumava entrar no meio da noite em casa, depois de eu driblar toda a segurança em volta da casa e ter que subornar os soldados que vigiava o perímetro, para não contar nada para minha mãe e principalmente Jorge.

Tinha planos que ele passava à noite inteira comigo, nos meus braços, na minha cama e se brincasse o dia seguinte também. Já que não seria difícil mantê-lo ali escondido.

Saio do banheiro, andando em passos quase silenciosos, sentindo minha mão escorregar um pouco antes de girar a maçaneta e me deparar com a escuridão. Pensei em cogitar a ideia dele não estar ali, mas na minha cama, mesmo com a baixa luminosidade, vi um silhueta e um sorriso surgiu em meu rosto. Então sem dizer nada, entro no quarto, meu coração continuava descompensado, me obrigando a respirar pela boca.

Como da primeira vez, me aproximo timidamente da cama, sentindo suas mãos ainda mais tímidas que eu, repousar em minha cintura e a apertar devagar.

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