1- longa noite (elena)
Eu nunca havia de desejar tanto um descanso como essa noite, meus saltos me matam, e esse vestido, o que me deu na cabeça em colocá-lo. Desde que me mudei para cá e decidi seguir minha carreira de policial, a cidade, ou melhor, o bairro Branco, nunca mais foi o mesmo, não que o crime por essas ruas não aconteça mais, mas sim que diminuíram significativamente.
Durante anos eu nunca havia me sentido tão bem, esses quase seis anos que vivi aqui me fizeram uma pessoa menos desumana, porém não me fizeram esquecer-se de meu objetivo nessa vida, colocar todo ser que não merece a liberdade, atrás das grades, essa é a maneira fácil nem queira saber a difícil.
Finalmente consigo avistar mais á frente à luz de um táxi. Aliviada em sentir já o descanso de meus pés, eu caminho em sua direção, porém ouço meu celular tocar sobre a bolsa, e assim que vejo o nome sobre a tela eu suspiro pedindo que não fosse nada que me tirasse o conforto de minha cama.
— Sim, Beto. — Digo ainda caminhando pela rua escura.
— Está em casa? — ouço algumas vozes e passos logo após nosso silêncio.
— Infelizmente, não. — informo aos suspiros.
— Ótimo precisamos de você aqui! — Sem me deixar dizer uma palavra a mais, ele apenas diz que irá me enviar o endereço em breve, desligando logo em seguida.
— Droga! — digo alto após desligar o celular, e como se já não fosse o suficiente eu vejo o táxi se afastando rapidamente. Desesperada eu começo a gritar tirando em seguida meus saltos e correndo em direção ao mesmo com a falsa esperança de que ele iria me ouvir. — Merda! — agora estou eu aqui, desorientada sobre essa rua escura e com um caso nas mãos.
MENSAGEM DE BETO. CASA B, CONDÔMINO A1 (RUA DAS FLORES).
Andando sem rumo eu penso bem em ligar para Beto e dizer que não poderia está indo o quão rápido quando eles precisavam, ou pior, dizer que eu não poderia está indo porque já era tarde e eu tinha acabado de perder meu táxi. Que droga de desculpa é essa? É meu trabalho, meu dever, e nem que eu tenha que ir a pé eu vou comparecer.
Atenta a qualquer sinal de movimento sobre a rua, eu caminho segurando firme minha bolsa e sapatos, mas nunca perdendo a postura e a harmonia sobre minha silhueta. Cantarolando uma melodia qualquer para que eu não me sentisse tão só do que eu realmente estava, eis que vejo um clarão bater mais à frente e o som de pneus pouco mais calmos do que parecia de estar, segundos atrás.
Era um carro destrambelhado, não se dava para ver muito pela falta de luz sobre o local, já que pouco dos postes ainda faziam seu bom trabalho. Ao parar sobre a calçada e acena por ajuda, o velho carro diminui mais ainda sua velocidade me dando então a visão de um velho Chevette, e a grande fumaça que sai de seu interior assim que uma das janelas é aberta.
— Fala ae chefa! — disse o jovem camuflado por grande quantidade de fumaça sobre seu veículo. É claro que eu não o deixaria dirigir em minha presença naquele estado, afinal tenho um trabalho a fazer, e morrer em um acidente não é meu propósito. Dando a volta pela parte da frente do carro, eu abro a porta o pedindo sem muita formalidade que passe para o outro estofado.
— Meu Deus, garoto. — disse indignada por tal odor sobre o automóvel. Abaixando não uma, mas ambas as janelas sobre o carro ao máximo, eu coloco meu cinto pouco frouxo sobre o corpo e dou partida. Aos poucos o odor ia se dispersando deixando então uma enorme nuvem de fedor por toda a pista.
— E então chefia, para onde vamos? — perguntou ele me vendo revirar os olhos e arrancar em seguida o enrolo de sua mão, o jogando pela janela.
— Se eu fosse você colocaria o cinto, mas como não sou. — disse aumentando a velocidade segundos antes que ele pudesse abrir sua boca, para se queixar de tal ação que acabara de presenciar. Com as mãos firmes sobre o volante e beirando quase os 100 km por hora eu pude ainda assim, escutar as lamentações do jovem ao meu lado que apertava fortemente o estofado abaixo de seu traseiro enquanto eu sofria com suas garrafas de cerveja ao baterem em meu calcanhar.
— Por favor, Deus, eu prometo ser um bom garoto se me deixar sair vivo desse carro. Eu prometo nunca mais vender as coisas de minha mãe e arrumar um emprego assim como ela pede todos os dias. — Ao ouvir suas palavras eu seguro meu riso e continuo minha trajetória. Felizmente assim que o celular toca eu vejo mais a frente meu destino.
— Onde você está? Precisa que eu a busque? — bem que ele podia ter feito essa pergunta minutos atrás.
— Chego em dois minutos. — disse desligando em seguida.
I
— Obrigado Deus! — exclamou ele exaltando o mesmo. Tirando o cinto segundos depois de nossa parada, eu procuro eufórica por minha bolsa logo mais ao meu lado, e então após finalmente ao encontrá-la eu retiro meu bloco de notas da mesma e rabisco algo sobre uma das folhas a desfalcando e entregando em seguida nas mãos do jovem.
— É sério que você vai me multa?! — reclama ele estendendo o papel a frente.
— Não seja tão reclamão, isso não é nada. A final você infringiu a lei. — Digo vendo sua cara feia enquanto eu abria a porta.
— Mas você também fez isso. Você também infringiu a lei! — disse ele levantando sua voz.
— Eu sou a lei. — Informei em um tom baixo. — Ah já ia me esquecendo. — Sem delongas eu juntei meus saltos assim como fiz com as garrafas de cerveja sobre o tapete.
— É sério vai levar minhas cervejas? — perguntou arregalando seus olhos castanhos.
— A noite hoje vai ser longa. — Sorri me retirando em seguida e escutando um palavrão saltar da boca do rapaz negro e magrelo.
Caminhando mais a frente consigo notar o porte de Beto, que agora me olha confuso reparando em meus pés descalços. Sem hesitar eu caminho em sua direção o vendo fazer o mesmo até que finalmente está próximo o suficiente de meus olhos. Com suas mãos grandes ele tira as garrafas de meu corpo sorrindo e evitando olhar novamente para mim.
— É só seguir em frente, não tem como se perder. Eu vou por isso no carro. — Assenti o vendo partir em seguida.
Realmente não havia como se perder, as viaturas e carros particulares estavam amontoados tudo em um só lugar. A faixa amarela ao redor me dava logo mais a frente à visão de uma casa de luxo. Afinal nada mais justo para esse condomínio de alto valor. Parando um momento para colocar meus saltos eu observo um dos agentes a levantar a faixa já a minha espera, e como sempre, Felipe me aguardava com seu sorriso sem dentes e sua barriga gorda que cismava em ficar para fora de seu avental.
— Que bom que chegou chefe, a senhorita vai se surpreender. — disse nos guiando.
— Nada mais nessa vida me surpreende. — Declarei observando a grama bem aparada e úmida graças ao aspersor. — Ei! — gritei correndo até o jardineiro ao lado. — O que pensa que está fazendo? — perguntei o vendo soltar a bucha das mãos.
— Ele não estava aqui antes chefe, eu juro. — Informou Felipe pegando as coisas do rapaz a nossa frente. — Vá! — ordenou ele fazendo em seguida o mesmo obedecer a suas palavras em completo silêncio. — Que isso não se repita mais. — Digo o vendo assentir e seguir juntamente a mim até o cômodo claro mais a frente. O sangue sobre o piso branco faltava pouco escapar para o lado de fora, a bagunça sobre o quarto e objetos jogados ao chão, era o que mais me chamava atenção, até mesmo antes do corpo. Após uma boa volta sobre o cômodo eu me locomovi até o rapaz sobre os lençóis brancos, estava nu. Um pequeno furo sobre a testa.
— Seu nome é Marcos da Silva... — Antes que ele pudesse continuar eu me aproximei mais do mesmo o olhando bem.
— Ele por um acaso é...
— O irmão de Bruno? — completou entrando sobre a porta. — Sim é ele. — Nesse momento eu me agacho o observando com mais atenção.
— Encontraram algo? — eu apenas o vejo assentir e dizer o básico do básico.
— Já chamamos o legista. — Informou.
— Sente esse cheiro? — pergunto a Beto o vendo se aproximar.
— Sangue?
— Não, quer dizer, sim. — O peço para se abaixar. — Cheiro de sangue, rosas e... sexo. — Digo o vendo levantar delicadamente sua sobrancelha. Após o encara por um curto tempo, eu me viro sendo atraída por uma lixeira logo mais ao lado. Logo mais acima de alguns papéis amassados e a ponta do lençol, uma camisinha me chama a atenção, com um sorriso firme sobre os lábios eu levo minha mão até ela a segurando com um dos papéis sobre a lixeira. — E então? — digo a mostrando para o mesmo.
— Para quem não tem namorado, está experiente demais em relação ao cheiro do sexo.
— Pelo menos eu não fico por aí procurando alguém pra me fazer companhia à noite. — Digo me levantando e caminhando à frente.
— Mas eu não faço isso! — seus passos firmes me seguiram até o corpo gordo de Felipe.
— Leve isso para análise.
— Elena de onde tirou isso? Quem te contou essa mentira? — ele me olhava nos olhos, seus pequenos olhos escuros se encontravam sérios.
— Fique tranquilo, ninguém aqui é mais criança. — A verdade era que eu sabia que sobre minhas palavras, nem uma delas havia um pingo de veracidade. — Estou exausta. — Declarei. — Ainda não posso acreditar que algo assim está acontecendo no meu bairro.
— Uma hora alguém se vingaria pelas mortes que ele cometeu junto ao irmão. — Informou. — Acho que ele mereceu nada mais justo para alguém que tirou vida de mulheres e crianças.
— Você acha que isso foi vingança? Então por que nem um dos guardas reagiu?
— Talvez tenha sido uma prostituta.
— Prostituta? — retruco. — Então não era verdade que ele iria se batizar?
— Bem ele é humano, provavelmente queria aproveitar seu último dia de pecados.
— Ei! Vocês dois — disse sobre a porta. —, acho melhor virem aqui. — Sem delongas caminhamos à frente o seguindo até mais ao fundo da casa onde encontramos sobre a piscina um mar vermelho e corpos a flutuarem sobre a mesma.
— Ainda acha que foi vingança? — o interrogo vendo os buracos de bala sobre a testa dos homens abaixo. — E os vizinhos? Alguém viu algo?
— Não, exatamente nada.
— Droga. — disse me retirando. — Quero todos eles o mais rápido possível na logística. Como algo assim pode está acontecendo em meu bairro, desde quando as pessoas aprenderam a matar assim? Que diabos eu estou lidando?
— Eu vou te levar para casa. — Sem o questionar, eu apenas caminho ao seu lado o vendo desativar seu alarme e abrir a porta ao lado do passageiro para mim. Estendendo sua mão a frente ele me estimula a sentar-se e fecha a porta em seguida. Ao passar o cinto sobre o corpo, não pude deixar de notar seu jeito descolado e jovem de sempre, sua camiseta solta sobre o corpo e seus antebraços firmes... Um suspiro me corrói o pulmão me fazendo apertar o cinto sobre mim, mas infelizmente todo aquele caos some em questão de segundos assim que ouço o som da porta ao se abrir. — Tudo bem? — eu apenas assenti me colocando em meu lugar.