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Gabriel

Não tinha como se acostumar com a ideia, mesmo que tivesse me esforçado para isso.

Cada vez mais que eu pensava, via o quanto era ruim. Não era uma coisa boba, simples, era algo permanente e que traria consequências graves para mim. Poderia ser preso, na melhor das hipóteses, e na pior, poderia acabar na cadeia com uma sentença de quarenta anos por ter planejado e executado um policial.

Minha mãe iria morrer de desgosto, penso apreensivo. Ela iria preferir que eu tivesse morrido junto com o policial.

A manhã inteira minha mente trabalhou a todo vapor, pensando em tudo que poderia acontecer, causando com isso uma forte dor de cabeça que me fez tomar dois comprimidos para dor e acabar capotando em poucos minutos.

Acreditava que quando acordasse, minha mente estaria mais limpa e meus pensamentos mais organizados, isso ajudaria a pensar sobre o que fazer, já que eu não tinha muitas alternativas a não ser fazer o que havia prometido que faria.

Se eu levasse para um lado mais prático, só precisaria atirar, me concentrar e atirar. Só temia não ter a mira tão boa de quando era criança e acabar destruindo tudo sem ao menos ter tentado direito.

Infelismente não poderia errar, não poderia haver erros e muito menos hesitação, tinha que ser o mais frio que pudesse e pensar em cada passo que daria.

Parecia ser o plano perfeito, afinal, só que não sabia se eu seguiria isso à risca, meu nervosismo era algo que precisava controlar, temia que ele pudesse estragar tudo na hora.

Estava dormindo quando escutei meu nome sendo chamado sem nenhuma delicadeza, da forma mais bruta possível, como se quisessem que acordasse logo, em um pulo, se fosse necessário.

- Gabriel!! - Davi grita praticamente da porta do quarto, fazendo dessa forma com que me sentasse bruscamente assustado, olhando-o fixamente - O Juninho tá te chamando.

O fato de ter sido acordado daquele jeito, não acelerou meu coração, e sim por ouvir o nome de Juninho.

Ele poderia estar ali com uma boa notícia. Notícia essa que poderia ser que Caveira havia mudado de ideia e que mandaria outra pessoa fazer o serviço, só não pularia de alegria na frente dele, por que ia parecer que eu era um covarde, mas com certeza por dentro, iria soltar fogos de artifício, levantar minhas mãos para o céu e agradecer Deus pelo livramento e por me ensinar o caminho certo que eu deveria seguir.

Com pensamentos positivos, saio rapidamente do quarto quente sem janelas e vou para o portão, encontrando novamente Davi deitado no sofá velho.

Do lado de fora encostado em um pálio preto, estava Juninho, com seu cigarro de baseado, curtindo sua brisa. Tudo só me fez acreditar que ele só podia estar ali por causa do que havia pensado.

- E aí - digo saindo de casa, conseguindo até esboçar um sorriso rápido.

Sem dizer nada, ele se afasta do carro e abre o porta-malas. Me aproximo hesitante, olhando para o compartimento, franzindo o cenho no mesmo instante e percebendo o quão idiota e inocente eu havia sido.

Juninho não estava ali para dizer que não era para fazer o serviço e sim para me fazer escolher o armamento que usaria.

Meus olhos vagam pelas armas pretas brilhantes, reconhecendo algumas, inclusive alguns silenciadores. Como eles conseguiam tanto armamento, nunca descobri, só sabia que chegava ali na comunidade com mais facilidade do que eu conseguia chegar na praia da Barra sem ser parado pela polícia e levar um enquadro.

- Como vai matar o cara sem arma? - Ele pergunta, após dar mais um longo trago no cigarro.

- Tem razão - Continuo encarando as armas.

Uma breve pausa acontece, antes de Juninho me dar um tapa bem no meio das minhas costas, tirando meu equilíbrio.

O fuzilo com o olhar, controlando a vontade de meter minha mão na cara dele.

- Escolhe logo uma aí.

- Uma arma? - repito incrédulo, pensando de imediato onde guardaria uma arma sem que minha mãe visse - Não sei se...

- Escolhe uma logo, porra. Cê tá lerdo hoje, hein - Ele passa na minha frente, pegando uma metralhadora, minha mãelisando-a com um cigarro preso na boca.

Arregalo um pouco meus olhos, sem conseguir me imaginar segurando uma daquela. Conhecia o poder de fogo e sabia o quão mortífera poderia ser, não que existisse uma arma inofensiva, mas a metralhadora...só o tamanho daqueles projéteis.

- Devia usar uma dessa - diz empurrando a metralhadora, que era pesada, mesmo não parecendo.

Seguro a arma quase a deixando cair no chão, mantendo a postura.

- Não tem algo menos...? - Minha mente grita grande.

- Preciso? - Ele chuta, sem se dá o trabalho de ler minha mente - Tem essa grminha mãeda - Ele joga o objeto quase circular em mim, me fazendo soltar a arma e o segurar com meu coração quase saindo pela boca - Porra, cara! - grita, se agachando para pegar arma - Se essa porra tivesse carregada, ia levar um tiro agora - Ele assopra uma parte, passando a mão em seguida.

Meu coração continuou batendo descompensado, enquanto ainda segurava uma grminha mãeda. Ele havia me JOGADO uma grminha mãeda e estava mais preocupado de uma queda havia deixado algum arranhão na arma.

- E aí? - diz calmamente, como se nada tivesse acontecido - Vai ficar só com isso mesmo?

O quanto era necessário para matar uma pessoa? Ou melhor, um policial do BOPE? Não fazia ideia, mas acreditava que tudo aquilo já era mais do que o suficiente e que não precisaria mais de nada. Claro, se ele fosse humano, de carne e osso como eu, então beleza, agora se fosse de aço, aquilo ali não faria nem cosquinha.

- Isso aqui tá ótimo - murmuro.

Ele assenti, dando outra tragada, me devolvendo de qualquer jeito a metralhadora, para em seguida fechar o porta-malas com um baque alto.

- Vão invadir amanhã - diz coçando o queixo - Tá ligado, não é? - Não estava nem um pouco, mas só conseguia imaginar que ali viraria um verdadeiro inferno - Eles vão entrar pela porta da frente, então significa que vai tá mais fácil do que imagina.

- Como assim?

- O cara vai tá mais vunerável do que pensa, não tanto, né. Mas se for inteligente, vai pegar ele no sapatinho.

Não tinha como me esconder em uma viela e esperar ele passar, era suícidio. Também não poderia fazer isso de dentro de uma casa, era mais suicídio ainda, só me sobrava...

Uma pipa corta o céu, atraindo meu olhar por uma fração de segundos. Teria que fazer pelo alto, concluo, voltando minha atenção para Juninho. De cima de alguma laje, de modo que ninguém me notaria.

O problema era não ser notado. Este era meu problema naquele momento.

- Entendi.

- Entendeu mesmo? - Ele coloca uma mão no meu ombro.

- Entendi - Repito, engolido em seco.

- Isso aí - Ele passa a mão rapidamente na mi8nha cabeça, antes de dar a volta no carro e entrar dentro do mesmo, me deixando parado, praticamente no meio da rua, segurando uma metralhadora e uma grminha mãeda.

Arrasto meus pés para dentro de casa, não conseguindo mover um músculo se quer dos meus braços.

Davi ao me ver, senta de imediato, arregalando os olhos.

- Que porra é essa, Gabriel?! - grita chocado.

Olho para meus braços, entendo exatamente de onde estava vindo todo aquele choque dele.

- Se a mãe saber disso ela te mata! - Ele continuo.

- Então é melhor ficar coma a sua boca fechada - murmuro, indo para o nosso quarto, indo guardar no lugar mais óbvio que poderia pensar.

Em baixo da cama.

Davi me segue, ainda abismado.

- Nego, tu vai fazer o que com isso?

- Menos que você souber melhor.

- Os cara vão te colocar numa furada.

- Numa furada vou tá se arregar agora - digo me virando para ele - Já aceitei. Agora vou ter que fazer.

Ele sustenta meu olhar.

- E isso aí vai ser quando?

Engulo em seco, sentindo minha boca ficar seca no mesmo instante, como se fizesse dias que eu não bebesse água.

- Amanhã - sussurro.

- Amanhã?! - Ele repete pensativo - Amanhã não é quando...?

- É - Interrompo ele - Vão invadir a comunidade.

Ele passa a mão pela cabeça, a coçando em seguida.

- Mandaram você matar um policial - Ele conclui com a voz baixa - Caraio, Gabriel. Tu tá fodido.

- Não. Eu não tô.

- Claro que tu tá! - diz elevando a voz - Não sabe nem atirar!

- Fala baixo, porra!

- Os caras vão te matar assim que matar ele.

- Não se eu fizer direito - Ele balança a cabeça de um lado para o outro, pensativo, evitando de me olhar.

- Vou ajudar você.

- O quê?! - Dessa vez sou eu que elevo a voz, incrédulo, pasmo ou seja lá qual palavra que exista para uma surpresa desse tipo - Claro que não. Tá louco?!

- Louco tá você indo nessa sozinho.

- Não quero sua ajuda - digo entre dentes - Nem ferrando.

- Vai preferir morrer invés de aceitar minha ajuda? - diz sério - É isso mesmo? Quer dar esse desgosto pra mãe?

Cruzo os braços, pensando nas palavras dele. Havia um fundo de verdade, parcial, mas havia, entretanto, não queria por ele naquela sujeira, já bastava eu que estava começando a me sentir em uma areia movediça.

- E desde enquanto sabe atirar? - digo baixo.

- Fica na sua que vai dar certo. Só esconde isso aí direito - diz apontando para uma parte da metralhadora que estava para fora da cama.

Apesar de Davi ser mais novo do que eu, as vezes ele era mais sensato e conseguia me passar a visão de certas coisas. Davi assim como eu, havia crescido vendo certas situações, só que ele se envolveu com pessoas que não deveria e fez coisas também que nossa mãe desaprovava. Por isso, acreditei que ele poderia me ajudar nessa.

Não que soubesse que ele havia matado alguém, se ele tivesse matado alguma vez, até aquele momento, não sabia. Só se fosse saber depois.

Como todos os dias, nossa mãe chegou no horário de sempre. A tensão era sentida por mim e Davi, menos por ela, que seguiu sua rotina da noite normalmente, esquentando a janta que eu havia feito após seu banho.

Justamente na hora que estávamos indo jantar, no noticiário daquela noite falaram sobre a invasão que aconteceria na manhã seguinte e isso não só prendeu a atenção da minha mãe, como a minha e a de Davi.

- Meu Jesus amado - Ela murmura - Proteja amanhã todo mundo aqui - Ela pega um prato, andando em passos curtos até o fogão - Não seria melhor se entrassem em um acordo? A polícia e os... - Ela se detém com um suspiro - Nem todo mundo teve as mesmas chances, alguns estão vivos só pela graça do Senhor.

Comemos em silêncio, pelo menos minha mãe, já que eu estava numa discussão séria com meus pensamentos e enfiando comida guela baixo, já que não estava nem um pouco com fome.

A hora de dormir foi a pior parte, não conseguia achar uma posição confortável, minha cama parecia ser mais dura do que o habitual e o travesseiro uma pedra. Quando finalmente peguei no sono, foi depois das 2 da manhã.

Foi Davi que me acordou na manhã seguinte e não os passos da minha mãe prestes a sair de casa. Sem dizer uma palavra, ele me sacode e em seguida sai do quarto, indo para o banheiro, sento na cama, sentindo que não havia dormido nada, que havia passado a noite toda em claro ou lutando com alguém, já que todo meu corpo estava moído literalmente.

Um banho depois e dois goles de café, enrolo a arma e a grminha mãeda em um pano grosso e deixamos a casa. Sem saber para onde ir, acabo seguindo Davi, que parecia saber muito bem para onde estava indo.

Andamos até a entrada da comunidade e depois ruas abaixo. Por último Davi me faz subir em um muro, uma casa, para depois chegar em uma laje de onde tínhamos uma visão previlegiada da entrada da comunidade.

A rua abaixo era larga, o que facilitaria um pouco na hora de atirar.

- Cabeça fria - Davi sussurra, apoiando com maestria a arma no chão.

Os minutos seguintes começam a se arrastar, começo a pensar ao ver os moradores seguirem sua vida normalmente, que a invasão havia sido adiada e que sairíamos dali com as nossas mãos limpas.

Só que mudo completamente meus pensamentos ao ver uma agitação incomum. Comércios sendo fechados bruscamente, crianças colocadas para dentro de casa e moradores correndo.

Estavam se escondendo, concluo, olhando para o começo da rua, aonde o BOPE entrava por dois caminho. O primeiro era duas ruas acima, lá havia um pequeno grupo avançando na mesma direção e ali havia outro, sendo guiado justamente pelo cara que queríamos.

- Ele ali - sussurro, olhando fixamente para ele.

Davi segue meu olhar, estreitando os olhos.

- Aquele ali?

- É. O comandante.

Respirando pela boca, ele começa a acompanhá-lo com a arma, esperando o momento certo para atirar. Tinha a impressão que meu coração iria saltar a qualquer momento para fora da minha boca e cair nos pés deles lá em baixo.

Toda aquela tensão estava acabando comigo, só queria acabar logo com aquilo e voltar para minha vida normal, esquecer que um dia havia cogitado a ideia de entrar para o tráfico.

Aquilo havia sido uma loucura? Havia. Uma completa ideia maluca vindo de uma pessoa que não via outras alternativas. Mas eu iria encontrar outra alternativa, nem que demorasse ano, deveria ter. Minha mãe costumava dizer que havia jeito para tudo, menos para a morte.

E mais uma vez, vi que a minha coroa tinha razão.

- Joga a grminha mãeda - diz Davi de repente.

- O quê? - digo distraído.

- A grminha mãeda, nego. Joga - Pego a grminha mãeda, olhando-a fixamente. Temendo tirar aquele pequeno ferro e o troço explodir bem na nossa cara.

Pressionando os lábios e tentando não pensar muito, puxo o maldito ferrinho e jogo diretamente no nosso alvo, agradecido pela minha mira ainda ser boa.

Menos de cinco segundos depois, a grminha mãeda explode, fazendo com que todas as casas ali balançassem.

Por um momento, me sinto surdo, tudo o que conseguia ouvir era um zunido quase infinito. Ao meu lado, Davi tentava se manter na posição, segurando com firmeza a metralhadora como se fosse um bote salva-vidas.

Olho novamente na direção em que estava os policias, os notando completamente dispersos, com o comandante caído no chão. Mesmo com a distância entre nós, dava para perceber que ele ainda estava vivo, ferido, mas vivo.

- Vou atirar - Davi anuncia.

- Não. O cara já tá ferido - digo rapidamente.

- Ferido não é morto, Gabriel - diz sério - Se ele sobreviver, é você que os caras vão matar.,

Engulo em seco, respirando pelos meus lábios entre abertos.

- ... as vezes ele já tá até morrendo - sussurro, com meu lado humano gritando para não deixar ele puxar o gatilho.

- E correr o risco dele não tá?

Antes que pudesse dizer alguma coisa, escuto primeiro o som e depois vejo a claridade saindo do canto da metralhadora. Três tiros sincronizados, diretamente no alvo.

Ergo minhas sobrancelhas surpreso, desviando minha atenção do alvo para Davi que olhava fixamente para o alvo.

- O que você fez?! - Tento controlar minha voz, puxando a arma da mão dele.

- O que era pra você fazer - Ele rosna, soltando a arma, se afastando devagar da beirada da laje.

Continuo parado, sem acreditar no que havíamos feito, me arrependendo na mesma hora de um dia ter pensando em entrar para aquela vida.

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