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— Antônio já acabou suas tarefas? — Minha mãe perguntou carinhosamente. Faço um sim, com a cabeça e começo a guardar os meus materiais. — Ótimo querido! — Ela sorri. — Seu pai já chegou, vá encontrá-lo. O jantar será servido em alguns minutos.
— Tá bem mamãe. — Saio correndo pela casa. O meu pai está sentado em um sofá de vime dourado, com algumas almofadas grandes e florais no centro da sala. Ele sorri ao me ver. Papai passa o dia inteiro fora de casa. Minha mãe sempre diz que o trabalho dele é muito perigoso, por isso eu nunca irei visitá-lo em seu trabalho. Assim que me aproximo dele, pulo em seus braços e ele me abraça rindo alto e me beija.
— O que o meu garoto fez hoje na escola? — pergunta comigo ainda em seus braços. Começo a relatar os meus feitos, quando a porta da sala é aberta bruscamente e um homem alto e muito bem-vestido passa por ela. Seus olhos maus encaram o meu pai e depois a mim. A cicatriz em sua face me causa medo.
— Vai lá para dentro filho. — Meu pai pede com um tom baixo. Ele parece nervoso e me põe no chão, para eu correr para fora da sala, mas eu não vou muito longe dali. Fico escondido atrás da cortina grossa que fica bem na entrada do cômodo. Daqui eu não consigo ver muita coisa, mas escuto a conversa dos homens e alguns sons que eles fazem lá dentro.
— O que faz aqui, Cicatriz? — Meu pai pergunta em um tom irritado.
— Casa bonita, Alexandre! Elegante… gostei dela!
— Saia da minha casa, agora! — pede em tom firme. O homem parece não se importar com suas palavras.
— Você não manda mais em nada aqui, Alexandre - diz calmamente.
— Não seja idiota, Cicatriz! — Meu pai rebateu intimidante e o homem apenas rio alto.
— Só para você saber, Alexandre, seus homens estão mortos lá fora e você está sozinho. Vê algum segurança aqui para te ajudar? — Um silêncio toma conta do lugar por um curto espaço de tempo.
— O que você quer? — Percebo a raiva nas palavras que saem da boca de meu pai.
— Seu poder, sua fonte, seus lucros. Nada de mais.
— Leve o que quiser, Cicatriz, só deixe a minha família em paz e tudo será seu. — Ele volta a rir.
— Não é bem assim, Alexandre, você sabe. — Meu pai respira fundo.
— O que quer dizer com isso?
— Só pode haver um rei aqui e para que outro rei venha dominar o lugar, o primeiro precisa morrer. — Eles fazem silêncio por uns poucos instantes.
— O que está acontecendo aqui? — Ouço a voz da minha mãe exasperada na sala.
— Alexandre, eu já disse que não quero… — Ela começa a falar, mas é bruscamente interrompido.
— Vai lá para dentro Laura! — Meu pai pede com um tom áspero.
— Sua esposa é muito linda, Alexandre! — Cicatriz diz audacioso.
— Laura, por favor, vai lá para dentro! — Ele insiste. Escuto o som dos saltos altos ecoarem rápido pelo piso de madeira e saindo da sala em seguida.
— Se quer me matar, faça isso longe da minha casa, Cicatriz. Longe do meu filho e da minha mulher. Peço que poupe a minha família. _Ele suplicou. Dá para sentir o seu nervosismo.
— Faremos assim, Alexandre. Eu mato você primeiro, depois mato a gostosa da sua mulher e faço do seu filho o meu cachorrinho de estimação. — Ele riu alto e os seus homens o acompanham.
— Não se atreva! — Meu pai esbravejou e antes que terminasse de falar escutei dois tiros na sala. Fechei os meus olhos bem apertados e levei as minhas mãos aos meus ouvidos.
— Tragam-na para mim — ordenou e eu senti o meu coração disparar forte no meu peito. Em seguida escutei os passos firmes saindo da sala e logo depois a minha mãe começou a gritar, pedindo que a soltasse, chamando o nome de meu pai. Ela foi levada até a sala e mais dois tiros soaram na casa, e o silêncio reinou logo em seguida. Com medo, comecei a chorar e a tremer também. — Encontrem o garoto. — Voltou a ordenar. Apavorado saí do meu esconderijo e corri apressado para as escadas.
— Ali! — Um deles gritou e antes que eu alcançasse aos degraus, eles me pegam. Gritei feito louco, me debati tentando soltar-me, mas era inútil, eu sou pequeno demais. Os homens me soltam diante do homem com a cicatriz no rosto e inevitavelmente olhei para o meu pai caído no chão. Um tiro no peito e outro na cabeça. O corpo estava caído em uma grande poça de sangue. Imediatamente eu me apavorei e o homem se agachou na minha frente, segura o meu rosto dos dois lados e me fez olhá-lo.
— Você vai me servir muito, garoto — falou baixo, porém firme e sorriu. Eu me afastei dele e o encarei enraivecido.
— ODEIO VOCÊ! — gritei, mas ele apenas riu de mim.
— Marrento ele, não é? Taí, vou te chamar de Marrento.
(…)
Abri os meus olhos, puxando o ar com força, sentindo o meu peito doer com a opressão. Apavorado olhei para todos os lados e me doei conta de que estava em um hospital. Tentei me acalmar e forcei a minha mente a lembrar como eu vim parar aqui.
— Seja bem-vindo de volta, senhor Fox! — Uma enfermeira disse entrando no quarto.
Caralho, do que ela me chamou? Indaguei internamente.
— O senhor ficou desacordado por duas semanas. Como está se sentindo? — pergunta, enquanto verificava os aparelhos.
— Com sede — falo com a voz arrastada. Sinto-me fraco e sonolento. A enfermeira sorri para mim.
— Vou chamar o médico, ele irá avaliá-lo e só então saberei o que lhe dar - informa, se afastando.
Fecho os meus olhos e volto a abri-los, encarando o teto a minha frente. Lembranças do aeroporto vem com força. Jasmine entregando uma pasta cheia de dinheiro, para o Cicatriz, um jatinho particular pronto para a nossa fuga e depois, ela fugindo para longe de nós dois, para longe de mim… Cacete! Ele ia atirar na própria filha? Filho da puta! Ele ia matar a Jasmine! Lembro-me de entrar em uma luta corporal com o meu algoz, tentando tomar a arma de suas mãos, então escutei o disparo. O meu peito começou a queimar como o inferno e cambaleei para trás. Cicatriz me olhou nos olhos e desferiu outro disparo, mas esse acertou o meu braço. Puxei a respiração com dificuldade. Não sei quanto tempo se passou, mas logo pude ouvir as sirenes, muitas delas. Olhei para trás e vi a minha princesa subir na moto e ir embora com ele. Ela parecia feliz em seus braços.
Forcei-me a levantar do chão e me arrastei para a lateral do carro. Os policiais se aproximam e as prisões começam a ser efetuadas. Vi quando algumas pessoas começaram a embarcar em um avião a uns três metros de onde estávamos e vi ali a minha grande chance. Ainda abaixado, puxei a pequena maleta caída no chão para perto de mim e me arrastei para longe dali. Quando alcancei uma distância segura, ergui o meu corpo e procurei andar normalmente para não chamar a atenção. Em um carrinho de malas encontrei um boné e uma camisa com a logo do aeroporto. Vesti-me discretamente e me misturei as pessoas, saindo dali quanto antes.
— Bom dia, senhor Alex! — O médico diz assim que entra no quarto. Porra, por que eles estão me chamando assim? — Como está se sentindo? — pergunta.
— Meu peito dói muito e não consigo respirar direito. Como… como vim parar aqui?
— Não se lembra do que aconteceu, senhor Fox?
Fox? Alex? Mas, que droga é essa?
— Não — falo com dificuldade.
— O senhor estava em um avião e um dos passageiros estava armado, e ele… — O encarei perdido. Não foi isso que aconteceu realmente. Penso, mas não falo nada.
— Atirou em mim? — Completo a sua frase. Não sei de onde ele tirou essa história tão sórdida, mas isso vai me ajudar e muito a sair daqui sem nenhum problema.
— Foi o que nos disseram, senhor Fox. Não entendemos bem como tudo aconteceu.
— Estou com sede. — insisto, o interrompendo.
— Claro, a enfermeira lhe dará um pouco de água, mas não pode exagerar ainda. O senhor levou dois tiros e perdeu muito sangue. É normal que se sinta fraco por um tempo. E não se preocupe coma a perda de memória, logo tudo fará sentido. — Faço sim, com a cabeça.