5.
Artêmis
— Me beija, Artêmis. Me beija!
Ela pede tão sofregamente e tão perto do meu rosto que me sinto instintivamente atraído pela pele sensível. Inevitavelmente os meus olhos encaram os seus lábios carnudos pintados de um tom de rosa claro e me pego fechando os meus olhos quando o desejo me inflama por dentro. O meu coração luta bravamente dentro do meu peito, rasgando cada músculo seu com violência em uma busca brutal pela sua liberdade assim que a minha boca roça suavemente na sua. Deus, como quero reivindicá-la para mim, mesmo sabendo que não tenho esse direito. As minhas veias antes gélidas começam entrar em ebulição, a queimar, arder de uma forma quase insuportável, e logo me sinto sufocar com essa aproximação tão absurda quanto avassaladora. Contudo, antes que algo realmente aconteça aqui, Kim parece perder as suas forças e a sua cabeça pende repentina sobre o meu ombro.
— Kim? — A chamo baixinho, porém, levemente ofegante, mas ela não se mexe. — Kim, você dormiu? — ralho com um tom debochado. Contudo, ela não se mexe e não me responde. — Era só o que me faltava! — resmungo com um mal humor insuportável quando penso que terei que me virar para levá-la de volta para o seu quarto.
Garota maluca, inconsequente, insuportável! Como ela pode beber até chegar a esse ponto?
Sem ter muito o que fazer me dirijo para o quarto de hóspedes com ela aconchegada no meu colo e faço um esforço sobrenatural para colocá-la do jeito que dá na sua cama. Entretanto, não saio do seu quarto em seguida. Apenas a olho por algum tempo e após me repreender por tal atitude, volto para o meu quarto e para o meu trabalho também.
... Me beija, Artêmis!
Essa frase se repete dentro da minha cabeça por várias e várias vezes roubando a minha concentração e eu bufo ainda mais irritadiço, largando uma caneta de todo jeito em cima dos papéis. O meu ato me incomoda e eu a alinho com as outras sobre o tampo da mesa, tendo a certeza de que está posicionada corretamente. E quando finalmente consigo alinhá-la, me perco em uma imagem que me deixa possesso. A sua boca tão perto da minha, simulando um beijo que eu cogitei dar-lhe.
— Você não pode penetrar as minhas barreiras, Kimberly Martin. — rosno fechando as minhas mãos em punho. — Não sem a minha permissão — Impaciente com os meus próprios pensamentos, me forço a me afastar da mesa e vou para perto de uma janela. Observo por algum tempo a quietude da noite lá fora e quando resolvo ir para a cama, os meus olhos param em cima do porta-retrato que está em cima da mesinha de cabeceira.
Sorrio para a imagem de Corina que sorri para mim e suspiro me lembrando o quanto ela me machucou quando resolveu me deixar no momento que eu mais precisei dela. Meneio a cabeça fazendo não.
— Isso não vai acontecer de novo. Não vou permitir que me machuquem assim outra vez — ralho virando a imagem para baixo e me preparo para ir para a cama
***
No dia seguinte...
— Bom dia, família! — falo com um humor gratuito me acomodando na mesa da sala de jantar e me sirvo uma xícara de café.
— Bom dia, Artêmis! — Minha cunhada responde com o mesmo tom animado e os outros falam logo após ela.
— Bom dia! — Escuto a voz da bailarina bem atrás de mim e percebo o meu humor mudar da água para o vinho na fração de segundos.
— Nossa, que cara é essa, irmã? — Olívia resmunga com um tom preocupado aguçando a minha curiosidade. No entanto, não ergo a minha cabeça para olhá-la. — Você está péssima, Kim! — Ela continua e logo a escuto arrastar a cadeira que fica de frente para mim. Só então me dou o trabalho de olhá-la do outro lado da mesa e constatar algumas olheiras, mas é a sutil careta de dor que aumenta o meu estresse. No entanto, resolvo não me envolver e me forço a engolir mais uma dose do meu café.
— Eu estou meio enjoada essa manhã. — Ela lamenta e eu reviro os olhos internamente. Contudo, trinco o maxilar para não me meter nessa conversa outra vez.
— Vocês precisavam ver, a Kim arrasou na noite passada. — Anne comenta um tanto festiva aguçando a curiosidade de todos, porém, me dedico a cortar um pedaço de queijo e ignorando completamente o assunto. — Eu nunca a vi tão animada daquele jeito. — A amiga fala e ela acha graça. — E os homens? Gente, eles praticamente a devoravam com os olhos, mas quando ela quis subir no balcão do bar, resolvi encerrar a nossa noite antes que ela começasse a se despir ali mesmo. — O som das risadas ao nosso redor me faz comprimir os lábios e a vontade de dizer umas boas verdades para essas duas.
— Eu não me lembro de muita coisa da noite passada. — Kim fala me fazendo encará-la outra vez. — Lembro-me de beber aquela bebida com gosto horrível, de dançar muito, até me cansar e depois... — Ela para de falar e o meu coração para violentamente esperando pelo resto da sua frase. — Eu acordei na minha cama.
Ela não se lembra!
Meu cérebro grita quando penso no que quase fizemos na noite passada bem no meio do meu quarto. O quase beijo que por pouco não exterminou parte das minhas barreiras. Ela não se lembra do toque atrevido na minha boca, do calor que por pouco não consumiu o meu gelo. Ela não se lembra de nada! Isso é frustrante.
Não, isso é perfeito! Isso. É perfeito que não se lembre de nada.
Então, por que isso está me incomodando tanto?
Irritado, largo a faca de repente no meu prato atraindo todas as atenções para mim e me afasto um pouco da mesa.
— Eu já terminei. Te espero lá fora, Athos — aviso para o meu irmão passando o guardanapo no canto da minha boca. No ato, Kimberly se levanta da sua cadeira.
— Não vai comer, Kim? — Olivia inquire fitando a sua irmã com preocupação.
— Não. Já disse, o meu estômago está embrulhado.
— Inconsequente! — rosno baixinho.
— O que disse? — Ela retruca me encarando, mas dou de ombros.
— Nada! — retruco de volta e saio.
— Eu vou praticar a dança no jardim, mais tarde pego um copo de suco na cozinha. — Kimberly avisa e eu fecho as mãos em punho.
De verdade, eu não entendo por que isso me deixa tão fora de mim. A vida é dela, certo? Portanto, as decisões são dela também. Ela pode e deve fazer o que quiser da sua vida, inclusive se matar desse jeito, e eu não tenho nada a ver com isso! Assim que chego à sala de visitas, paro bem no centro dela e como se um ímã gigante me atraísse vou direto para a janela onde a vejo se preparar para mais algumas horas exaustivas de balé. Kimberly alonga os seus braços, depois o seu pescoço e por fim as pernas. Chego a suspirar de antecipação quando ela se prepara para dar os seus primeiros passos. Pernas longas e estiradas com uma suavidade incrível para um lado e depois para o outro. E quando ela eleva o seu braço com a leveza se uma pena me vejo chegando mais perto do vidro transparente.
É tudo tão simétrico, tão lento e gracioso e ela é tão...
— Está na hora, Artêmis. — Athos avisa repentino e sou imediatamente obrigado a me afastar da janela.
— Ótimo, a Olívia não vai hoje?
— Ela vai direto para a empresa com a Anne e nós vamos resolver algumas pendências no fórum.
— Tudo bem!
***
Alguns dias...
— Por que essa reunião de última hora? — pergunto adentrando o escritório da casa e encontrando o Romão sentado em um dos sofás, segurando um copo de uísque.
— Feche a porta, Artêmis! — O meu irmão ordena com o seu tom arrogante de sempre e eu faço o que me pede.
— E então?
— A Estela, ela foi ao meu escritório hoje. — Ele anuncia e eu franzo a testa. Contudo, parece que Romão já está por dentro de tudo.
— O que ela queria? — inquiro me aproximando.
— Ela nitidamente me ameaçou.
— Como assim?
— Ela me perguntou se eu estava gostando de brincar de casinha e mencionou que sou o papai do ano. — Franzo o cenho.
— Mas como ela...
— Isso não importa, Artêmis. Estela disse claramente para eu ter cuidado e ainda mencionou que eu podia perdê-los com um piscar de olhos.
— O que pretende fazer, amigo? — Romão finalmente se pronuncia.
— Seguranças, quero dezenas deles guardando a minha família.
— A Olívia não deveria estar aqui para decidir isso.
— A Olívia nunca vai concordar, mas é necessário.
— Athos, eu não acho uma boa ideia — rebato. — Ela é a sua noiva e precisa saber das suas decisões.
— Ela quer destruir a minha família, Artêmis e eu não vou ceder a um capricho da Olívia. Ela terá que aceitar isso e ponto final! — Ergo as minhas mãos em redenção.
— Ok, faça como quiser, Senhor Mazza, mas não diz que eu não te avisei! — retruco saindo do escritório e ao sair do corredor vejo Kimberly passar por mim. Diferente das outras vezes a garota não me dirige um olhar, nem sequer uma palavra. É como se eu não estivesse ali.
Foda-se! Penso, é melhor do que uma intrometida fuçando a minha vida e agindo feito uma maluca invadindo o meu espaço. Penso e decido ir para o meu quarto.