4.
Kim
Fouettés.
Fouettés.
Fouettés.
Repito nos meus pensamentos, girando e girando sem parar e quando enfim paro, me curvo esticando a ponta de um dos pés, mantendo os meus braços em posição como se eles fossem lindas asas.
Plié.
Tendu.
Plié.
Enquanto faço os passos mais complicados do balé clássico, é fácil imaginar uma linda e imensa plateia me assistindo. O som da orquestra sinfônica ditando a intensidade ou a ternura da história contada por uma dança leve como uma pluma, mas que também pode carregar uma tragédia no seu conto. Juro que consigo ver a sensibilidade nos seus olhos, as lágrimas emocionadas e me sinto viva com isso. E para finalizar...
Fouettés.
Fouettés.
Fouettés.
— Ah! — Solto um grito de susto quando sinto o meu pé esbarrar fortemente em algo duro, me fazendo desequilibrar repentinamente e em uma fração de segundos estou sentada no colo de Artêmis Mazza. Inevitavelmente o olho nos olhos completamente ofegante, mas ele está me olhando com tanta raiva que eu caio na real e tento sair de cima dele. — Me desculpe! — peço, mas os seus dedos no meu braço me mantêm bem onde estou e confusa, volto a olhá-lo.
— Posso saber o que estava fazendo no meu quarto? — Engulo em seco para essa fúria em suas palavras.
— Mas, eu não...
— Sim, você esteve lá! — Um tom rude e acusador, mas é o seu olhar feroz que me incomoda. — Achou mesmo que eu não ia perceber?
— Por que acha que eu fiz isso? — rebato malcriada tentando mais uma vez me afastar, mas ele me mantém presa a ele. Contudo, o fato de Artêmis aproximar-se do meu rosto e raspar a ponta do seu nariz na minha bochecha me desarma, mas só um pouco. A sua respiração quente se arrasta pela lateral lentamente fazendo o meu coração bater fora do compasso e no ato prendo a respiração.
— Eu preciso saber. — Sua voz áspera perto do meu ouvido me causa sérios arrepios e eu ofego violentamente. — Gostou do meu cheiro? — Abro os olhos abruptamente e quando ele se afasta encaro o risinho medonho nos seus lábios. — Gozou quando pensou em mim na sua cama?
— Seu... idiota! — rosno fazendo força para me livrar do seu agarre, porém, os seus dedos apertam ainda mais o meu braço e dessa vez o encaro furiosa.
— Um conselho, garota, não fique perto de mim, não ouse voltar no meu quarto. Você não vai gostar da minha reação.
— E o que vai fazer, me bater? — rebato atrevida.
— Você não me conhece, Kimberly, então não se meta comigo!
— O que há de errado com você? Por que age assim comigo? Por que afasta as pessoas de você dessa maneira? — pergunto com um sussurro agora, abrandando a minha raiva e por uma fração de segundos os seus olhos parecem relaxar também, mas é tão breve que não dá tempo de apreciar.
— Você está avisada! — Ele diz finalmente me soltando e imediatamente eu saio de cima dele. Contudo, quando Artêmis me dá as costas eu me pego rebatendo.
— E se eu não fizer? — Ele para a cadeira e gira só um pouco. O suficiente para me olhar nos olhos outra vez.
— Eu não respondo pelos meus atos.
— Você vai me bater? Vai me punir como se eu fosse uma criança? — questiono impulsiva, levando as minhas mãos na cintura. Ele ergue as sobrancelhas e se aproxima mais de mim. E lá está aquele sorriso do mal outra vez.
— Eu prometo fazê-la conhecer o inferno de perto. — Engulo em seco sentindo a força dessa sua ameaça. — Eu sou um garoto mal, Kimberly e não hesitarei em te machucar. Portanto, fica. Longe. De. Mim! — Então ele se vai e completamente trêmula procuro um lugar para me sentar.
***
Horas mais tarde...
— Toc! Toc! — Anne sibila entrando no meu quarto e me despertando dos meus pensamentos.
— Oi, Anne!
— Você não desceu para o almoço.
— Eu não estou com fome. — Desvio os meus olhos dos seus e vou para uma das imensas janelas para apreciar a bela vista do jardim.
— Eu trouxe algo para você comer.
— Valeu, mas é sério eu não estou com fome.
— O que aconteceu, Kim?
— Por que acha que algo aconteceu?
— Olha, apesar do pouco tempo que te conheço, eu sei que você não é do tipo de pessoa que se isola.
— Eu só estou com saudades de casa — minto
... Eu sou um garoto mal, Kimberly e não hesitarei em te machucar.
Respiro fundo para evitar esse pensamento.
— Você me leva pra dançar? — inquiro finalmente buscando os seus olhos.
— Dançar?
— Em um clube, uma boate, qualquer lugar que faça bastante barulho e que garanta uma boa diversão.
— Mas ainda é quarta-feira!
— É que eu realmente preciso disso — sibilo quase que implorando para ela.
— Está bem! Tem um barzinho muito bom na orla e ele fica bem perto daqui.
— Ótimo!
— Ok, vou ligar para algumas amigas.
— Combinado.
— Mas você precisa comer, hein? — Ela aponta para o prato e eu faço uma figa com os dedos, beijando-a em seguida, e a minha amiga retribui um sorriso para mim.
— Eu te adoro! — E quando a porta se fecha me jogo em cima da minha cama para encarar o teto.
Uma amiga. Eu tenho uma amiga em quem posso confiar. Penso me sentindo bem com esse pensamento.
***
À noite...
— O que vai beber? — Anne pergunta com uma animação que chega a me contagiar, porém, dou de ombros. Eu nunca bebi na minha vida, então o que importa o que vou beber essa noite?
— O que pedir pra você, eu quero o mesmo.
— Sério?
— Sério. — A agitação da música começa a envolver o meu pé. Portanto bato a ponta seguindo o ritmo gostoso e minutos depois a minha amiga me estende um copo, que eu não hesito em segurar o levando a boca no mesmo instante. Um sabor amargo e extremamente ardente preenche o meu paladar, e eu faço uma careta. — Nossa, isso é horrível! — ralho a fazendo rir.
— Vodka pura e sem gelo.
— Como você consegue beber isso?
— Você se acostuma. — Ela ralha, mas prefiro olhar as pessoas ao nosso redor se divertindo. Contudo, um estranho sentado sozinho em um canto obscuro me chama a atenção com as suas roupas caras e quietude, como se estivesse ali apenas para observar o movimento. Ele me lembra de alguém que eu deveria manter bem longe dos meus pensamentos.
... Fica. Longe. De. Mim!
Lembrar do tom áspero e grosso da sua voz me faz entornar a bebida de uma vez, mas dessa vez sem caretas.
— Mais um.
— Oh, vai com calma, garota. A noite está só começando. — Ela pede, fazendo sinal para o garçom e imediatamente vamos para a pista de dança. Eu nunca me senti tão livre assim e a minha primeira vez está sendo realmente fantástica. Dispensar os homens cheios de segundas intensões não foi nada fácil. Eles são mesmo bem persistentes, mas a melhor parte dessa noite foi o porre que eu tomei. — Vem, eu te ajudo a ir para o quarto. — Anne sibila baixo para não acordar as pessoas da casa. Voltamos para casa antes do previsto e eu devo dizer que a culpa foi toda minha. Dois copos. Dois copos foram o suficiente para me deixar maluquinha.
— Sabia que esse é o quarto do malvadão? — Aponto quando passamos na frente da sua porta.
— De quem?
— Do malvadão Artêmis Mazza. Sabia que ele tem manias? — Rio quando ela me faz deitar na cama e começa a tirar os meus saltos.
— Como sabe disso?
— Ele gosta de tudo beeeem certinho.
— Você precisa dormir um pouco, Kim.
— Ele é bem malvadão — sussurro me virando de lado e sentindo a sonolência chegar sorrateira. Logo sinto um beijo da minha amiga nos meus cabelos.
— Boa noite, querida! — Ela diz e segundos depois escuto a porta se fechar.
— Artêmis Mazza, você é um malvadão. Você diz coisas que machucam, sabia? — Continuo com o meu lamento. Contudo, me forço a sentar-me no colchão e zonza encaro a porta fechada. — Eu também tenho umas verdades pra te dizer — ralho saindo da cama com dificuldade e começo a caminhar para a saída. — Você precisa me ouvir seu... seu... malvadão — rosno me encostando na sua porta quase sem forças. Giro a maçaneta e a abro em seguida. Mesmo com a minha visão um tanto turva o vejo próximo da sua mesa e quando ele percebe a minha presença gira a sua cadeira na minha direção.
— O que faz aqui? — Ele inquire quando adentro o seu quarto.
— Você! — digo com um tom de acusação, porém, um tanto embolado.
— Você bebeu?
— Você é um ridículo, sabia? — Ele bufa alto.
— É melhor ir para o seu quarto, Kimberly.
— Viu? Você é tão ridículo que nem consegue falar o meu apelido. Kimberly isso. Kimberly aqui. Se afaste de mim, Kimberly! — imito a sua voz, porém, quando chego perto o suficiente tropeço nas minhas próprias pernas e caio no seu colo rindo logo em seguida.
— Que merda você está fazendo, garota idiota! — Artêmis retruca irritado. Entretanto, ergo a minha cabeça para enfrentar os seus olhos irritadiços sem segurar o meu riso.
— Não adianta se esconder aí dentro, malvadão — resmungo enquanto acaricio o seu rosto com as pontas dos meus dedos. — Eu sei que você não é esse monstro que faz questão de mostrar para mim. — Meu tom de voz fica ainda mais baixo e no ato olho para a sua boca que lança algumas rajadas de ar quente na minha pele. — Ela parece macia...
— Kimberly, pare com isso! — Ele rosna e ergo o meu olhar para encontrar o seu.
— Me beija, Artêmis! — Minha voz agora é quase um sussurro. — Me beija — peço, dessa vez chegando mais perto.