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CAPÍTULO 8

Capítulo 8

CLOE SMITH

-Chega de ficar delirando, Cloe Smith. Hora de levantar a bunda do chão e encarar a realidade, mais um cheio de tarefas domésticas que nunca têm fim.

É o que digo a mim mesma para acordar para vida e logo salto nos meus pés sigo para pegar algumas peças de roupa para usar durante o dia e que sejam confortáveis o bastante para encarar o calor do verão que já está castigando a casa ainda no início da manhã. Faço minha higiene rapidamente no banheiro do quarto, após me vestir com um vestido leve e fresquinho de estampa floral, e calçar meus chinelos de borracha amarelos. Depois disso, me apresso a descer para o segundo andar de casa, imaginando que vovó deve estar impaciente a minha espera para fazer o café da manhã.

-Até que enfim hein, achei que não iria cair mais da cama hoje, porque pelo amor de Deus... Faz um tempão que eu estou aqui plantada feito uma idiota e com fome esperando que a minha única neta possa preparar no mínimo um pouco de café, já que eu sou uma idosa que não tem mais condições de fazer isso sozinho, pois senão já teria feito isso há um século atrás.

Essa é a primeira coisa que vovó diz, a primeira reclamação do dia, assim que ela percebe minha presença na entrada da cozinha.

-Eu sinto muito vovó, acabei perdendo o horário e dormi mais do que devia, mas...

-Ainda bem que pelo menos reconhece que está errada, né senhorita Cloe? Mas não existe essa de "mas", e nem tente inventar desculpas para a sua preguiça, menina. Eu sou uma mulher velha, não posso ficar esperando pela sua boa vontade e disposição a vida inteira, preciso me alimentar no horário certo ou vou acabar morrendo por sua culpa, você sabe muito bem que tenho horário para tomar os medicamentos de hipertenção e diabetes.

-Desculpe, isso não vai se repetir vovó.

Eu me desculpo pela segunda vez, enquanto corro feito uma louca desesperada de um lado para o outro na cozinha para acelerar o preparo da reifeição e assim ela não continue a me repreender por intermináveis minutos sobre a mesmo assunto.

-Às vezes eu acho que você faz isso de propósito, sabe? Para ver se "essa velha chata" bate as botas logo de uma vez e você fica livre de mim para sempre.

-Vovó!

Eu me viro para ela, com um misto de surpresa e indignação estampados no rosto diante da acusação cruel que ela acabe de fazer, e por causa do movimento rápido e descuidado, acabo derrubando um pouco da água fervente da chaleira que estou coando o café preto sem açucar que faço todas as manhã para ela, queimando a pele do meu antebraço.

-Que foi? E por acaso eu estou mentindo? Porque é isso que parece para mim, do jeito que você cuida de mim, nem preciso de inimigo. Embora eu tenha te criado com muito mais cuidado e dedicação desde que era apenas um bebê chorão e sozinha no mundo.

Queima. Arde. Dói para caramba.

Machuca demais... e eu não estou me referindo ao líquido que marcou minha pele de um vermelho vivo, mas sim das palavras que mais uma vez saem da boca da última pessoa na terra que deveria me dizer coisas como essa. Contudo, eu não digo nada. Prefiro morder a ponta da língua e me manter calada ao mesmo tempo em que a sirvo o café na xícara de porcelana branca, acompanhadas das bolachas prescritas para sua dieta pelo médico. É ruim... tanto engolir a raiva, a vontade de gritar uma dúzia de pensamentos que se passam por minha cabeça e chorar, quanto os bolachas de gosto horrível que eu também sou obrigada a comer com ela no mais absoluto silêncio sepulcral que há durante a refeição e que eu não faço a mínina força para quebrar.

-Vovó eu acabei de lavar a louça do café, precisa de mais alguma coisa enquanto preparo o almoço?

-Você já regou as pobres flores e o gramado do jardim essa manhã?

-Ainda não...

-Então faça isso logo, garota, antes que reste apenas um punhado de grama seca e morta no final de semana.

-Tudo bem, já estou indo fazer isso agora.

Eu respondo deixando algumas panelas sob o calor do fogo baixo no fogão e me dirijo para frente da casa fazer como ela manda, mesmo pensando que poderia realizar a tarefa mais tarde, porém como não estou nada afim de arranjar confusão e mais brigas do que já tivemos essa manhã, então eu simplesmente obedeço, percebendo que ela segue logo atrás de mim em meu encalço.

Pelos céus, será essa mulher acha que eu vou fugir de casa para sempre sem nenhuma explicação? Pois essa é a única explicação que eu imagino para ela estar me seguindo com sua cadeira de rodas de perto. Embora eu realmente tenha tido vontade de fazer isso, uma vez ou outra, é claro que não possuo coragem suficiente para bancar a louca dessa forma e abandoná-la assim. Isso me incomoda um pouco e me deixa um tanto irritada, vendo-a vigiar meu serviço de perto, entretanto, novamente não digo nada e começo a regar as plantas da lateral do terrno para o centro, com a mangueira de comprimento médio, que basta para molhar o jardim por completo.

-Olha, aquele não é o novo vizinho?

Vovó diz de repente, depois de alguns minutos quieta, o que é uma raridade para ela, ao que eu pulo assustada com a aparição inesperada. Ergo a cabeça para olhar na direção que ela está apontando o dedo indicador, de modo bem rude e indiscreto, bem típico de vizinha fofoqueira, e logo eu o vejo. Imediatamente meus olhos descem para a altura em que suas mãos grandes e fortes estão, e no mesmo segundo sinto minhas bochechas esquentarem ao relembrar do que elas fizeram nas cenas que minha mente louca imaginou na noite de ontem.

-Hum... acho que sim.

Eu digo arranhando a garganta com certo constrangimento, fingindo não me importar com a presença do homem misterioso que está na calçada oposta a nossa, colocando o lixo para fora, e baixo o olhar no instante em que seus olhos verdes escuros se voltam em minha direção flagrando-me o observar de longe na mesma hora.

-Olá, vizinho! Bom dia!

Vovó grita para o cara chamando a atenção dele, sem nenhum pingo de vergonha, ao mesmo tempo em que eu tenho vontade de me esconder em um buraco na terra diante da falta de tato dela. Contudo, diferentemente do que vovó espera, o homem sequer destina um olhar para ela, e muito menos responde ao seu cumprimento.

-Ei, você aí do outro lado da rua! Qual é o seu nome?

Ela grita outra vez, porém nada de obter uma resposta.

-Sabia que é educado responder quando as pessoas falam com você, senhor vizinho?

Vovó insiste no diálogo em que só ela está disposta a estabelecer, e por um breve minuto tenho vontade de rir ao ver que encontrou pela primeira vez na vida uma pessoa que não se dobra as suas vontades, por mais persistente e incisiva ela esteja sendo. Meneio a cabeça discretamente de um lado para o outro, mordendo os lábios para não entregar meus pensamentos, e pelo canto dos olhos eu a vejo movendo a cadeira de rodas de modo inquieto de uma ponta a outra em nossa varanda, nervosa por não poder ir até ele, devido os três primeiros degraus que a separam da entrada da propriedade.

A senhora Marie Smith está inconformada por ter sido claramente ignorada pelo novo vizinho, e por essa razão não consegue se conter no lugar, e então, eu que estou concentrada apenas na tarefa de regar as plantas do jardim, não noto quando ela, devido a sua visão ruim, calcula mal o espaço em que a roda está passando, e acaba perdendo o controle da cadeira. Tudo acontece em questão de pouquissímos segundos, e eu mal consigo registrar quando a cadeira dela desce descontrolada o degrau mais alto e segue desenfreada para o segundo, e então eu corro para tentar evitar uma catástrofe, mas é tarde demais.

Eu penso que está tudo perdido no instante em que a cadeira se inclina para frente com ímpeto, prestes a derrubá-la do terceiro degrau para o chão, porém, de repente, algo a detém no ar, no exato segundo antes da queda final. Meu coração está disparado e minha respiração ofegante ao registrar como se fosse em camera lenta, um par de mãos segurando o corpo pesado da minha vó e a cadeira de rodas impedindo-a de meter a cara no chão.

São mãos fortes, grandes e que eu já havia visto uma vez... são mãos masculinas... são as mãos do meu vizinho, é o que concluo ao olhar para o dono delas que está colocando vovó de volta a varanda com segurança.

-Você é um anjo, rapaz! Acabou de salvar a minha vida.

-Você está errada, eu estou longe de ser um anjo, minha senhora.

O homem rebate com uma pontada de sarcasmo, ao que eu o fito com os olhos ainda arregalados pelo recente acontecimento, mas vovó se desmancha toda com um grande sorriso para o lado dele.

-Obrigada por...

Eu me apresso logo em agradecê-lo também por ajudar minha avó, porém, o olhar que ele me destina diz que ele não liga a mínima para nada do que estou dizendo.

-Eu não fiz nada demais, então não façam disso um grande caso, ok? Apenas esqueça, e tente prestar mais atenção aonde vai com essa maldita cadeira, dona.

O homem retruca um tanto impaciente e mal humorado, dando de ombros, como também faz pouco caso de qualquer sentimento de gratidão que estamos lhe oferecendo no momento. E então, da mesma forma que surgiu, como um piscar de olhos, ele desaparece, dando as costas como resposta para dona Marie Smith, o que é um feito raro e totalmente memorável para mim.

-Mas é claro que nós iremos lhe agradecer adequadamente, senhor vizinho.

Ela grita outra vez para ele de forma persistente, contudo, o homem já sumiu dentro da própria casa, ignorando-a por completo. Uau, isso é realmente algo novo e digno de ser notado. É o que penso comigo mesma.

-Venha Cloe, vamos entrar porque eu tenho uma tarefa para você fazer agora.

-Uma tarefa?

Mais uma? É que quero perguntar, mas não o faço por ter um grande apreço a minha bunda intacta.

-Sim. Você irá fazer um bolo em agradecimento pela boa ação do nosso vizinho, levar até a casa dele mais tarde quando tudo estiver pronto, e descobrir para mim qual é o nome dele ainda hoje, está me entendendo? Eu tenho que saber essa informação antes que aquelas irmãs Willous fofoqueiras venham na frente para ouvir isso primeiro.

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