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Capítulo 4

Capítulo 4

A manhã em Bullut amanhecia lentamente, com o sol tentando romper a névoa fria que envolvia a cidade. Samy observava as nuvens espessas enquanto caminhava pela rua de paralelepípedos que a levava ao colégio Fitzgerald. O ar estava úmido, carregando o cheiro das árvores e das lareiras acesas nas poucas casas que ainda se mantinham aquecidas pela manhã. Os passos de Samy eram lentos, e a mochila pendurada em seus ombros parecia mais pesada do que realmente era. Ela não estava com pressa. Nunca estava.

O colégio Fitzgerald, uma instituição particular, era uma das poucas construções grandiosas em Bullut. Enquanto as ruas da cidade transbordavam melancolia e decadência, a escola parecia intocada pelo tempo. Os muros altos e as janelas arqueadas, embora antiquados, eram o símbolo de um lugar onde as oportunidades ainda existiam, pelo menos para aqueles que as buscavam.

Samy, no entanto, não se encaixava ali. Seus colegas de classe vinham de famílias ricas ou influentes da região, e seus caminhos já estavam traçados: herdariam negócios, iriam para grandes universidades e, eventualmente, escapariam de Bullut. Mas Samy? Ela não tinha um plano, nem um futuro claro à sua frente. Fitzgerald era apenas um lugar onde ela passava horas, uma pausa temporária na monotonia de sua vida. Embora fosse inteligente e tivesse potencial, as adversidades da vida pareciam segurar seus pés ao chão, impedindo-a de voar.

Mesmo assim, havia algo dentro de Samy que nunca se apagou: um desejo profundo de liberdade. Esse desejo era uma chama pequena, quase imperceptível, mas constante. Ela sabia, no fundo, que não poderia viver para sempre naquela cidade sufocante, presa em uma rotina sem esperança. Sonhava, ainda que vagamente, em escapar, mas a realidade sempre parecia esmagar qualquer tentativa de pensar além das fronteiras invisíveis que Bullut impunha.

Na escola, Samy se refugiava na literatura. Os livros que lia eram sua única verdadeira janela para o mundo. Ela se perdia nas páginas de romances e aventuras que a transportavam para outros lugares, lugares onde as pessoas eram livres para ser quem quisessem, onde suas histórias eram feitas de escolhas e não de obrigações. Era nessas histórias que ela encontrava consolo, nos personagens que também lutavam contra suas próprias prisões.

Ela se lembrava de uma frase de um dos livros que lera recentemente: A liberdade é o sonho mais perigoso de todos, porque uma vez que você a vislumbra, não consegue viver sem ela. Aquela linha ficou gravada em sua mente. Talvez fosse esse o problema. Samy vislumbrou a liberdade, mas ainda não sabia como alcançá-la.

Enquanto cruzava o portão da escola, com a cabeça cheia de pensamentos, foi surpreendida pelo som de risadas atrás de si. Eram seus colegas de classe, andando juntos em um grupo. Eles estavam bem vestidos, com mochilas de marcas caras e celulares novos nas mãos. Eles riam, despreocupados, falando sobre festas e viagens que fariam no final de semana. Samy olhou para eles de relance e sentiu uma pontada de ressentimento. Eles pareciam tão livres, tão distantes dos problemas que ela enfrentava diariamente.

Ela nunca se permitiu invejar abertamente a vida deles, mas não podia evitar pensar como seria ter uma família que se importasse, um pai que a tratasse com amor, ou mesmo a chance de ir para uma universidade longe dali. Às vezes, Samy se perguntava se havia algo de errado com ela, se era culpa sua por não se encaixar, por não se sentir parte daquele mundo brilhante e cheio de possibilidades.

Entrando na sala de aula, Samy se sentou no fundo, como sempre fazia. Puxou seu caderno e uma caneta, esperando o início da aula de literatura. A matéria era uma das poucas que despertava seu interesse, e o novo professor, Jasper Rizzo, tornara tudo ainda mais interessante. Havia algo nele que a fazia prestar atenção de uma maneira que nunca havia feito antes. Ele parecia diferente dos outros adultos de Bullut, como se tivesse visto o mundo além daquela cidade e trazido algo novo consigo.

Quando a aula começou, Jasper entrou na sala com sua postura séria, mas sua presença preenchia o ambiente de maneira magnética. Ele tinha uma forma única de ensinar, de capturar a essência dos textos e colocá-los em perspectiva, como se cada frase pudesse mudar o modo como as pessoas viam a vida. Naquele dia, ele começou a falar sobre um romance que explorava o tema da liberdade, e Samy, quase sem perceber, mergulhou nas palavras dele.

-Liberdade -disse Jasper, olhando diretamente para a turma, -é a capacidade de fazer escolhas. Mas o que muitos de nós não percebemos é que, mesmo quando acreditamos estar livres, muitas vezes estamos presos por correntes invisíveis, expectativas, medos, traumas. A verdadeira liberdade exige coragem, e essa coragem muitas vezes precisa ser despertada por algo ou alguém.

Samy sentiu um frio na espinha ao ouvir essas palavras. Era como se Jasper estivesse falando diretamente para ela. Suas correntes invisíveis estavam em todo lugar: no medo de repetir a história de sua mãe, na culpa de deixar seu pai para trás, na sensação de não ser suficiente. Mas, no fundo, ela sabia que desejava essa liberdade mais do que qualquer outra coisa.

Quando a aula terminou, Samy permaneceu sentada por um momento, refletindo sobre o que havia acabado de ouvir. Jasper passou perto de sua mesa, e, por um breve instante, seus olhos se encontraram. Havia algo naquele olhar que a fez sentir que ele sabia mais sobre ela do que deixava transparecer. Mas Samy desviou o olhar, fechou o caderno e saiu da sala.

De volta ao corredor, os pensamentos sobre liberdade a acompanharam como uma sombra. Ela não podia continuar vivendo assim, apenas sobrevivendo. Sabia que precisava encontrar uma saída de Bullut, mas como? As oportunidades pareciam escassas, e sua situação familiar era uma âncora pesada. No entanto, pela primeira vez em muito tempo, sentiu uma leve faísca de esperança.

E enquanto caminhava de volta para casa, Samy olhou para o horizonte além da cidade. As montanhas ao longe eram uma lembrança de que havia algo maior do que aquela vida presa entre as quatro paredes de Bullut. Ela queria mais. Ela precisava de mais. E, de algum modo, acreditava que um dia encontraria uma maneira de escapar.

Mesmo que fosse sozinha, mesmo que ninguém a entendesse, Samy faria o impossível para alcançar a liberdade que tanto sonhava. Samy, mesmo com todas as suas cicatrizes emocionais e rebeldia, mantinha dentro de si um desejo inabalável de sair daquela cidade. Ela sabia que não seria fácil, mas a chama de liberdade que ardia dentro dela crescia a cada dia, alimentada por sua dor, seus sonhos e a promessa de que, em algum lugar, havia um futuro melhor esperando por ela.

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