Capítulo 2
Capítulo 2
A luz fraca da lâmpada pendurada no teto da cozinha mal iluminava o pequeno espaço. As paredes, amareladas pelo tempo e pelo cigarro de Ruan, pareciam apertar Samy cada vez que ela entrava ali. A casa que um dia deveria ter sido um lar agora era apenas uma estrutura desmoronando lentamente, um reflexo sombrio da vida que levava com o pai.
Samy, com 18 anos, sentia o peso de uma responsabilidade que não escolheu carregar. Desde que sua mãe os abandonara anos antes, ela teve que assumir o controle de tudo, as contas, as compras e, principalmente, as consequências dos vícios de seu pai. Era ela quem sustentava a casa com o pouco que ganhava trabalhando no bar, um lugar que Samy desprezava quase tanto quanto a própria casa. Contudo, era tudo o que ela tinha.
Ruan, seu pai, estava jogado no sofá da sala, a mesma posição em que ela o encontrara na noite anterior. Uma garrafa de bebida repousava em sua mão, quase vazia. O som da televisão velha ecoava pela casa, mas Ruan não prestava atenção. O olhar vazio e opaco era o de um homem que já havia desistido da vida, embora seu corpo continuasse ali, insistindo em ocupar espaço.
Samy passou por ele sem dizer nada, acostumada àquela visão. Não havia mais tentativas de conversas ou de compreender o que restava do homem que um dia foi seu pai. No início, logo após o abandono da mãe, ela tentou se aproximar de Ruan, mas tudo que encontrou foi a indiferença e o cheiro de álcool. Com o tempo, ela aprendeu a bloquear a dor de ser ignorada.
Enquanto passava pela sala, o cheiro azedo da bebida e o suor que impregnava o ar fez com que Samy prendesse a respiração por um momento. Ela precisava sair dali o mais rápido possível. Passou pela porta da frente, o ar frio da manhã invadindo seus pulmões como um alívio bem-vindo. No entanto, mesmo do lado de fora, o peso da casa a seguia. Não havia como escapar da realidade que enfrentava todos os dias. Ruan a explorava emocionalmente, sugando sua energia e sua vontade de seguir em frente.
Caminhou até o bar onde trabalhava, os passos rápidos denunciando sua urgência em fugir, mesmo que temporariamente, da prisão emocional que sua casa se tornara. -O Alçapão- era um nome apropriado para o bar. Um lugar apertado, sujo e sombrio, frequentado por pessoas que, assim como seu pai, procuravam qualquer maneira de se anestesiar da vida. Era um lugar onde esperanças vinham para morrer, e Samy sabia disso melhor do que ninguém.
Assim que entrou, o cheiro de cerveja azeda e cigarro velho a envolveu como uma segunda pele. Colocou o avental surrado e começou a arrumar as cadeiras em volta das mesas. O bar ainda estava vazio àquela hora, mas logo começaria a encher, e o caos habitual tomaria conta. Samy se preparava mentalmente para enfrentar mais um dia servindo clientes bêbados, lidando com assédios disfarçados de piadas e limpando a sujeira deixada para trás.
Apesar de sua rebeldia e das paredes emocionais que construíra ao seu redor, havia momentos em que Samy não conseguia evitar se perguntar se aquilo seria sua vida para sempre. Trabalhava no bar, cuidava do pai e sobrevivia dia após dia, sem nenhuma perspectiva de mudança. A estrada que levava para fora de Bullut parecia cada vez mais distante. Seus sonhos, outrora vagos e distantes, agora pareciam irreais, como fantasias de uma menina ingênua.
Enquanto Samy limpava o balcão, imersa em seus pensamentos, a porta do bar se abriu com um rangido alto, e um cliente já familiar entrou. O homem, um sujeito de meia idade com o rosto marcado por anos de álcool e noites mal dormidas, caminhou até uma mesa no canto e se jogou em uma cadeira, como se todo o peso do mundo estivesse sobre seus ombros.
-Ei, Samy, traz uma cerveja. -ele murmurou, sem nem olhar para ela.
Samy fez o que lhe foi pedido, sem vontade. Já perdera a conta de quantas vezes aquele homem havia entrado no bar nos últimos meses, e o padrão era sempre o mesmo, bebia até não aguentar mais, resmungava sobre o mundo e, eventualmente, saía tropeçando pela porta.
Quando ela colocou a cerveja em frente a ele, o homem a olhou com um sorriso torto, o hálito impregnado de bebida barata.
-Você devia sair daqui, garota. Uma menina bonita como você… esse lugar vai te destruir.
Samy congelou por um instante, sentindo um misto de raiva e tristeza tomar conta de si. O comentário, apesar de aparentemente amigável, era uma facada em uma ferida que ela já tentava ignorar há anos. Ela sabia que Bullut a estava destruindo, mas sair dali não era tão simples. Não podia simplesmente deixar Ruan para trás, por mais que ele fosse uma presença tóxica em sua vida.
-Mais alguma coisa? -Samy perguntou secamente, sem responder à provocação. O homem deu de ombros e voltou a beber, enquanto ela se afastava.
Quando o bar começou a encher, Samy entrou no modo automático. Sua mente vagava enquanto suas mãos faziam o trabalho, servindo bebidas, limpando copos e ignorando os olhares e comentários que alguns clientes lançavam em sua direção. Ela estava acostumada com isso. Eram todos iguais, homens que tentavam compensar seus fracassos com piadas sujas e promessas vazias. Ela não se deixava abalar, pelo menos não mais.
Porém, no fundo, Samy sabia que algo dentro dela estava mudando. Havia uma inquietação crescente, uma sensação de que não poderia continuar assim para sempre. Cada dia que passava, o peso da vida que levava se tornava mais insuportável, e a ideia de fugir parecia cada vez mais atraente, ainda que fosse apenas uma ilusão. Mas fugir para onde? E, mais importante, como?
Samy sabia que sua vida não mudaria enquanto estivesse presa em Bullut, trabalhando no bar, cuidando de um pai que nem sequer a via como filha. Ruan estava tão perdido em sua própria miséria que nem percebia o que estava fazendo com Samy. Ele a sugava, explorava suas emoções, e ela, apesar de tudo, permanecia ao lado dele, presa em um ciclo de culpa e dever.
Quando a noite caiu, e o bar finalmente esvaziou, Samy fechou o lugar e caminhou de volta para casa. A lua estava alta no céu, mas sua luz parecia fraca demais para iluminar o caminho que Samy precisava seguir. Ao abrir a porta de casa, encontrou Ruan no mesmo lugar de sempre, o sofá, com outra garrafa na mão. Ele não disse uma palavra. Samy o observou por um momento, sentindo um nó se formar em sua garganta.
-Você vai se destruir assim-, sussurrou, mais para si mesma do que para ele. Depois, subiu as escadas e se trancou no quarto.
Deitada na cama, Samy sentiu as lágrimas queimarem seus olhos, mas se recusou a deixá-las cair. Ela não seria destruída por Bullut. Não seria destruída por Ruan. Ela precisava encontrar uma saída. E, mais cedo ou mais tarde, encontraria.