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Capítulo 1

Capítulo 1

O relógio da torre central de Bullut batia sete da manhã, mas as ruas da pequena cidade mal despertavam. As casas alinhadas como soldados silenciosos, com suas fachadas desgastadas pelo tempo, pareciam refletir a monotonia que se arrastava por todos os cantos. A névoa matinal envolvia a cidade com um ar melancólico, como se o próprio tempo tivesse desistido de seguir seu curso ali, deixando Bullut estagnada, presa em um limbo de dias sempre iguais.

Bullut era o tipo de lugar que a maioria das pessoas apenas conhecia de passagem. A estrada principal que cortava a cidade era uma via que levava a destinos mais promissores, cidades maiores com luzes brilhantes e oportunidades que pareciam infinitamente mais atraentes. Para aqueles que viviam em Bullut, no entanto, essa estrada era uma lembrança constante do que nunca poderiam ter. A cidade parecia feita de promessas quebradas e sonhos esquecidos, e cada esquina contava uma história de resignação.

Samy Williams conhecia essas histórias. Aos 18 anos, ela já se sentia sufocada pela cidade, como se as paredes invisíveis de Bullut a aprisionassem. Ela morava com o pai em uma casa pequena e malcuidada, que ficava em uma rua onde os postes de luz piscavam constantemente, como se também estivessem cansados de existir. A casa, uma estrutura de madeira com pintura descascada, era um reflexo de sua vida: deteriorada, abandonada e cheia de rachaduras por onde escapava qualquer resquício de esperança.

Ruan, seu pai, não era o tipo de homem que inspirava qualquer sentimento além de pena. Sua vida girava em torno do bar local, onde passava a maior parte das noites afogando-se em bebida e desespero. Ruan havia trabalhado como caminhoneiro antes de se entregar ao alcoolismo, mas após o abandono da esposa, caiu em um ciclo de autodestruição. O bar era a única coisa que ele tinha; Samy, por outro lado, era o que restava para ele explorar. Ela trabalhava no bar quando não estava na escola, tentando juntar os pedaços da vida que seu pai havia destruído, uma tarefa que parecia mais impossível a cada dia que passava.

Samy acordou naquela manhã com a familiar sensação de vazio. Deitada em sua cama de colchão fino e roupas de cama antigas, olhou para o teto, que tinha algumas marcas de infiltração. As cortinas eram finas demais para impedir que a luz da manhã entrasse, mas o pouco que filtrava pelas frestas era suficiente para lembrá-la de que mais um dia havia começado.

Ela se levantou devagar, vestindo a jaqueta de couro que usava como uma armadura contra o mundo, mesmo quando não estava frio. Era seu jeito de manter as pessoas afastadas, um sinal de que ela não era alguém com quem se podia brincar. Samy era conhecida por sua rebeldia, algo que escondia sua carência e as cicatrizes invisíveis que carregava. Sua mãe havia ido embora quando ela tinha dez anos, deixando-a sozinha com um pai que parecia mais um estranho a cada dia. Desde então, Samy aprendeu a cuidar de si mesma e a fechar o coração para qualquer tipo de vulnerabilidade.

Quando saiu de casa naquela manhã, o ar gelado de Bullut bateu em seu rosto, trazendo com ele o cheiro familiar de asfalto molhado e grama úmida. A cidade estava silenciosa, como sempre. Poucas pessoas estavam nas ruas, e as que estavam não trocavam mais do que olhares apáticos. As janelas das casas permaneciam fechadas, com cortinas grossas que pareciam selar cada morador dentro de seu próprio mundo sombrio.

O único som que quebrava o silêncio era o barulho das folhas secas sendo arrastadas pelo vento. O outono em Bullut trazia uma beleza morta; as árvores, quase todas sem folhas, pareciam esqueletos que se recusavam a cair, resistindo ao inevitável inverno que viria. Samy caminhava em direção ao bar, onde logo mais teria que assumir seu turno, mas seu corpo parecia pesado, como se cada passo exigisse um esforço imenso.

O bar onde Ruan trabalhava e passava a maior parte do tempo se chamava "O Alçapão", um nome apropriado para o lugar. Era um estabelecimento sombrio, com luzes fracas e paredes cobertas de sujeira e poeira acumulada ao longo dos anos. As mesas, sempre ocupadas pelos mesmos rostos cansados e sem esperanças, eram onde os moradores de Bullut afogavam suas mágoas em álcool barato. Samy detestava aquele lugar, mas era o único meio de conseguir algum dinheiro. Ela ajudava a servir os bêbados, limpava as mesas e, ocasionalmente, tinha que impedir alguma briga de estourar entre os frequentadores mais agressivos.

O lugar tinha uma clientela fiel, mas não era por causa da qualidade do serviço ou da bebida. Era porque, assim como eles, "O Alçapão" era uma manifestação da própria Bullut: um lugar onde os sonhos vinham para morrer.

Enquanto atravessava a rua principal, Samy olhou para a estrada que levava para fora da cidade. Era um hábito que ela cultivava desde pequena. Aquela estrada era uma promessa, uma saída, algo que ela sabia que um dia tomaria, mesmo que não soubesse exatamente como ou quando. Sentia que Bullut estava sugando sua vida, prendendo-a em um ciclo de sofrimento e desespero, e isso a aterrorizava.

Chegando ao bar, encontrou Ruan já com uma garrafa na mão, como de costume. Ele a olhou por um breve segundo, sem dizer nada, antes de voltar sua atenção para a televisão velha que transmitia um jogo qualquer. Samy passou por ele, ignorando-o da mesma forma que ele a ignorava. Aquela relação fria e distante era tudo o que conheciam agora.

Ela respirou fundo e se preparou para mais um dia. Mas, enquanto arrumava as cadeiras e limpava as mesas, uma sensação de inquietação a invadiu. Algo dentro dela gritava que as coisas não poderiam continuar assim, que havia mais na vida do que aquele ciclo interminável de sofrimento. Samy estava cansada de Bullut, cansada de seu pai e, acima de tudo, cansada de se sentir tão vazia.

E, naquele momento, decidiu que não importava quanto tempo levasse, ela encontraria uma maneira de escapar das sombras que a cidade lançava sobre ela. Pois Bullut, com suas ruas silenciosas e ar de desesperança, era um espelho da vida de Samy: uma cidade aprisionada no tempo, onde os sonhos se perdiam nas sombras. Mas, ao contrário das outras almas que ali viviam, Samy não estava disposta a deixar que Bullut determinasse seu destino para sempre.

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