Uma luz no fim do túnel
Beca continha a todo custo a euforia ao meu lado. Naquela manhã, teríamos a primeira aula prática de Sobrevivência no Mar.
Diante de uma piscina extensa, vestida em uma regata e short, além do colete salva-vidas, não me sentia eufórica, pelo contrário, revivia sentimentos que não queria mais, incluindo a ansiedade.
- Todos pra água! - diz o instrutor.
Como uma manada de elefantes, os alunos começam a entrar de uma vez na piscina, alguns se jogando e outros apenas sendo sensatos o suficiente para usar a escada ao lado.
Sendo sensata naquele momento, evito qualquer tipo de salto e respiro pela boca, quando a água alguns graus abaixo do que esperava, toca minha pele.
- Vamos ver se realmente a prática funciona - diz novamente o instrutor, jogando algo no meio da água - O que teriam que fazer se o avião fizesse um pouso de emergência no mar?
Movendo os braços de um lado para o outro, a água ainda batia no queixo de Beca.
- Primeira coisa, abrir o bote - diz em meio aos murmúrios que surgiram, após a pergunta do coordenador.
Devido a falta de concentração e a pressão que estavam colocando uns sob os outros, alguns alunos ficavam disputando em quem conseguiria abrir o bote, falhando miseravelmente no processo.
Com três braçadas, Beca se espreme entre os homens ao redor e faz a mágica acontecer.
O bote amarelo comprido infla rapidamente.
- Mais agilidade! - grita o instrutor -Homens passageiros, mulheres comissários!
Os homens se movem para a beira da piscina, enquanto permanecemos ao lado do bote. Após o apito do instrutor, começamos a nadar até os “passageiros” e um a um, trazê-los para o bote.
Uma tarefa que exigia força, já que mesmo com o colete salva-vidas, o corpo humano ainda tinha um certo peso.
Fiz o mesmo trajeto mais cinco vezes, antes de terminar minha conta de passageiros.
Na beira da piscina, o instrutor anotava tudo, atento a cada movimento que fazíamos.
- Invertam os papéis!
Durante as próximas horas, continuamos dentro da água, efetuando cada manejo, enquanto o instrutor continuava a anotar, sempre alternando nas mudanças de exercícios.
Num determinado momento, horas mais tarde, quando estávamos no bote simulando determinada situação, vejo quando um homem se aproxima do instrutor e ambos começam a conversar.
O instrutor mostra a prancheta para ele e em seguida aponta na nossa direção, especificamente para mim, ao lado de Beca.
Poderia ele estar apontando para Beca? Poderia. Mas senti os olhos do instrutor e do homem em mim.
A conversa não durou muito, já que ainda estávamos sobre treinamento e depois de algum tempo nos observando, o estranho com pinta de playboy foi embora, permitindo que eu voltasse minha atenção para o empate que estava entre os demais alunos.
- Se fosse de verdade, todos nós já tínhamos morrido - diz Beca, com o queixo tremendo, no vestiário.
- Agora sabemos o por quê que temos que evitar a água.
- Queda de temperatura - diz passando as mãos nos braços - Li isso uma dúzia de vezes na aula teórica, mas na hora deu branco.
- Estávamos sob pressão - E em avaliação. Cada movimento e decisão contava, muitos acabaram por agir na emoção e não raciocinando direito.
- Só não entendi o por quê quis ficar com aquele pó.
- Era um corante de marcação. Na água ficam visível por até três horas - Continuo me vestindo, desejando mais roupas além daquelas, já que podia jurar que até meus ossos estavam gelados.
Na escadaria, enquanto andávamos para fora do prédio, a maioria dos alunos comentava sobre a aula do dia, alguns dizendo que preferiam estar perdidos em uma selva do que em alto mar, já que no mar não havia muito o quê se fazer, além de ser racional e preservar o máximo de energia possível, principalmente se estiver na água, sem nenhum bote ou algo que boie por perto.
- Robbie! - Beca chama, quando saio do prédio e dou alguns passos na calçada. Olho na direção que estava, notando que estava num grupo de cinco pessoas de dois homens e três mulheres - Vem com a gente. Vamos beber num bar aqui perto.
Sem muito pensar, caminho até eles, tendo o braço de Beca me envolvendo por um instante.
RockHouse aparentemente era um belo bar, todo em madeira, com vários ambientes e super descolado. O interior conseguia se parecer com um grande barril, com mesinhas feitas de barril.
No andar térreo um artista local fazia um show ao vivo, praticamente a maioria das mesas estavam ocupadas. Mas isto não pareceu incomodar ninguém do grupo, já que não pareciam se importar e foram para a escada que levava para um loft com espaço moderno. De lá de cima, tínhamos uma vista quase que previlegiada do show que estava acontecendo.
Todos da mesma, menos eu, sabia o quê iria beber.
E o cardápio com bebidas diversas não ajudava.
- Já tem alguma empresa em mente, quando terminar o curso e passar na prova? - Beca pergunta, atraindo meu olhar.
Ergo as sobrancelhas, voltando o olhar para o cardápio.
- A empresa do Victor Krum.
Os demais na mesa tentam camuflar os risos.
Beca inclina a cabeça para o lado.
- É quase impossível entrar naquela empresa. Lá só se trabalha por indicação e boa experiência.
- Minha prima conhece uma pessoa, que já tentou três vezes e não consegue - diz o homem na ponta da mesa.
- Fora que quando se é admitido, ainda passa por uma avaliação deles - diz uma mulher perto de Beca.
- Não é algo fácil de se conseguir, Robbie - diz Beca num tom mais baixo.
- Isso não quer dizer que eu não vá conseguir - As palavras me assustaram por parte, não pela convicção ao usá-las, mas por ouvi-la uma vez de Leah, por acreditar que o medo me venceria.
- Queria ter esse seu otimismo - diz o outro homem com irônia, pegando o cardápio.
- A esperança é a última que morre, não é? - A mulher do lado de Beca comenta com sarcasmo.
Estava começando a me arrepender de ter aceitado sair com eles, quando o garçom se aproxima e coloca uma bebida rosa na minha frente com morangos decorando.
Olho para ele no mesmo instante confusa.
- Não pedi nada ainda.
- Ele pagou a bebida pra você - O garçom aponta em direção do bar, aonde estava o mesmo homem de horas atrás, que vi conversando com o instrutor.
Eu via e assistia noticiários demais, para saber que aceitar qualquer bebida ou alimento de uma pessoa estranha, era pedir para ser sequestrado ou ser estuprado.
Não querendo ser rude com o garçom, levanto, levando comigo a bebida.
Ele me observa se aproximar de costas para o balcão com os braços apoiados no balcão. A medida que me aproximava, diminuo a velocidade e sustento seu olhar.
- Não gostou da bebida? - Ele pergunta com naturalidade.
- Não aceito bebida de estranhos.
A expressão dele não se altera, pelo contrário, ele dá um gole na bebida âmbar, antes de falar novamente.
- Errada não está. Mas não tenho motivos para drogar você, se quer saber.
- Mesmo assim, obrigada - Coloco o copo sobre o balcão, girando os calcanhares.
- Vi você mais cedo - diz ele de repente, paro, me virando - Robbie, não é?
- Eles não deviam fornecer os nomes dos alunos para qualquer um.
Ele sorri com os olhos, os deixando mais bonitos por um momento.
- Só que eu não sou qualquer um.
- Pra mim parece - rebato.
Ele se levanta, estendendo a mão para mim.
- Leonard - Seguro a mão dele, sentindo sua mão dar um breve aperto na minha - Mas, por favor, só Léo - Soltando a minha mão, ele volta para o lugar que estava sentado - Se não quiser essa bebida, peça outra - Olho por cima do ombro a mesa que estava, percebendo que ninguém parecia notar minha ausência - Mas se quiser, pode voltar para seus amigos.
- Está tudo bem - Me sento ao lado dele, encarando o copo com a bebida rosa na minha frente - Eles não são meus amigos.
- Pareciam íntimos daqui.
- Estavam tirando com a minha cara.
- Por que fariam isso com você? - Ele pergunta, antes de dar outro gole na bebida.
- Por quê quero trabalhar na empresa de Victor Krum - Léo não diz nada, invés disso, toma mais de sua bebida quase transparente - Também acha impossível?
- Não é impossível. E é, para pessoas como eles - Ele repousa gentilmente o copo no balcão - O empenho deles hoje no exercício não foi muito boa. Mas já você... - Ele se inclina um pouco para frente - conseguiu se destacar com seu raciocínio.
- Você é instrutor?
O sorriso se torna largo em seu rosto, quando endireita a postura.
- Pode me chamar, se quiser, de seu passaporte.
Franzo o cenho sem entender.
- Isso com certeza foi estranho.
- Então me deixe explicar melhor - Ele passa o dedo pela lateral do copo - Posso ajudar você a entrar na empresa.
- Como? - pergunto incrédula.
- Só precisa de mim.
Rio, levantando.
- Com certeza isso deixa as coisas mais estranhas. Então, é melhor eu ir - Antes que conseguisse me afastar, Léo segura meu pulso.
- Você pode acreditar em mim ou deixar essa chance passar.
- Por que acreditaria em você?
Ele pega de dentro do terno um pequeno crachá. Um crachá da empresa de aviação de Victor Krum.
- Eu sou sua indicação, Robbie - diz pegando novamente o copo com o restante de sua bebida.
