O divórcio
Estava quase passando da hora do almoço, quando finalmente terminamos de decorar a casa e Leah começou a colocar os legumes e vegetais na grelha da churrasqueira.
Impaciente, Leah os virava de um lado para o outro, com sua expressão dizendo mais do que palavras. Do outro lado, Maggie arrumava a mesa comprida de madeira meio que cabisbaixa.
Não era impressão minha, mas tinha quase a certeza de que o clima ali estava tenso. Como se houvesse algo pairando no ar.
Mas o quê?
Ao contrário dos vizinhos ao nosso redor, parecia que estávamos em um velório, prestes a enterrar alguma coisa e não era por quê Camille não estava ali.
Desde que a comemoração dos feriados se tornou algo comum em casa, lembrava que sempre acontecia entre nós. Maggie não falava com os pais, devido sua opção sexual e seu modo de enxergar as coisas e a família de Leah, morava no Japão e tinham comemorações bem diferente das nossas.
Nossos vizinhos não falavam, mas demonstravam que ter um casal de lésbicas tão perto de seus filhos, poderia de uma forma ou outra, intervir na educação e induzi-los a seguir pelo mesma opção.
Por causa disso, minha família não era bem vista na cidade. E já algum tempo, deixei de me importar com isso.
Em determinado momento, Maggie para de arrumar a mesa para ver algo no celular, isto acaba chamando a atenção de Leah, que se afasta da grelha quase que furtivamente.
Num movimento rápido, pega o celular da mão de Maggie e dá alguns passos para trás, segurando o aparelho o mais alto que pode.
- Leah, me devolve o celular - diz Maggie séria, tentando pegar o celular.
- Você não é tão apegada a este celular - Leah lembra - O quê está acontecendo?
- Tem como devolver?
- Não antes de falar o quê está acontecendo.
Observo o impasse em minha frente com a certeza de que sim, havia algo acontecendo e só eu não havia percebido ainda.
- Por que vocês estão brigando tanto?
Maggie me olha forçando um leve sorriso.
- Não estamos brigando. Só estamos tendo um certo... conflito ultimamente.
- Chama essas mensagem de conflito? - Leah pergunta de repente, encarando a tela do computador.
- Leah - Maggie tenta pegar novamente o aparelho.
- Está tendo um caso com o Johannes?!
Maggie engole em seco, passando a mão nos dreads a frente do corpo.
- Não queria que tivesse chegado a esse ponto - murmura.
- Nossa - Leah força um sorriso, dando alguns passos de um lado para o outro - Simplesmente ligou o foda-se para o nosso relacionamento.
- Já não estávamos bem algum tempo.
- Essa é a pior desculpa que poderia usar neste momento.
- Não é desculpa! Estou sendo sincera como sempre fui!
A ficha demorou para cair do que estava acontecendo, mas quando realmente caiu, senti como se a bolha ao meu redor simplesmente estourasse de uma vez, me trazendo de uma vez para a realidade que batia com toda força contra aquela redoma que um dia esteve ali.
Não era daquele momento, que Maggie simplesmente deixava de comparecer a refeições, alegando estar ocupada com alguma coisa. Isto não aconteceu somente na noite anterior e só me dei conta disso naquele momento. Já vinha se estendendo há algum tempo, um mês talvez ou logo depois que o verão terminou.
Me lembrava claramente de estar tudo bem no verão, enquanto trabalhava como garçonete no centro da cidade. Se isto vem desde antes mesmo do verão, Maggie havia escondido muito bem seu possível caso.
A única pessoa que vinha a minha mente quando escutava o nome Johannes, era um homem, assim como Maggie, que tinha ideais como ela e defendia as mesmas causas.
Tinha visto ele pelo menos umas três vezes, uma vez em um protesto e as outras duas vezes, entregando panfletos. Não chegava a ser um homem comum, já que os dreads em seu cabelo preto e as roupas coloridas, o fazia ser o diferencial em meio a uma multidão, junto com o jeito sonhador.
O problema não era Johannes, mas o fato de nunca ter imaginado Maggie com um homem e sim com Leah. Como sempre vi e imaginava que seria assim até o final da vida de ambas.
- É verdade? - questiono, ainda acreditando que poderia ser um engano e que Maggie tinha uma boa explicação - Maggie me olha, com os olhos marejando, indo contra tudo que estava pensando naquele momento - Mãe - Insisto.
- ... aconteceu, Robbie - sussurro.
Abro e fecho a boca, sem saber o quê dizer exatamente. Se é que tinha as palavras certas para usar naquele momento.
Minha mãe até então casada há 15 anos com Leah, estava deixando de ser bem diante dos meus olhos.
- Que bom que tivemos essa conversa - diz Leah, antes de deixar o aparelho em cima da mesa e entrar em casa.
Não consigo me mexer, muito menos desviar meus olhos de Maggie, enquanto teorias insanas surgiam em minha mente.
- Só falta você me dizer que ele é meu pai.
- Ele não é, Robbie! De onde tirou isso? - questiona surpresa.
- Por que isso agora?
- Casamento é uma montanha-russa.
- Leah gosta de você. Não pode ignorar isso e...
- Nem tudo o quê parece é. E já tem algum tempo que venho percebendo que não cultivo os mesmos sentimentos mais.
- Mãe!
- Vivemos uma linda história e vou levar isso marcado em minha alma pelo resto da minha vida, mas está na hora de virar essa página e recomeçar.
- Com o Johannes?
Ela desvia o olhar para o chão, respondendo desse modo minha pergunta.
- Não vai mudar muita coisa, Robbie. Você ainda poderá ter contato com Leah, vai continuar competindo. A vida vai continuar fluindo.
É necessário admitir que odiava o otimismo e o modo que minha mãe via o mundo. Nem tudo se resolvia com paz e otimismo. As vezes era necessário mais do que isto, para conseguir manter a paz.
- Os legumes! - diz de repente, correndo até a churrasqueira, de onde tira as pressas os legumes e vegetais que estavam quase queimando.
Passo por ela, andando em direção da casa. No caminho para meu quarto, paro abruptamente ao passar pelo quarto que Leah dividia com Maggie, e a ver jogando suas roupas de qualquer jeito dentro de duas malas em cima da cama.
- O quê está fazendo? - pergunto, entrando no quarto.
- Você ouviu o quê ela disse.
Solto o ar dos pulmões.
- Ela pode cair na real e ver o quê está fazendo.
- Ou não - Ela continua jogando as roupas dentro das malas - Quer um conselho? - Dou de ombros. Geralmente Leah só dava conselhos esportivos, como se manter concentrada, observar o adversário e coisas do tipo - Quando perceber que não cabe mais na vida de ninguém, vá. Tentar ficar é pior.
Sustento seu olhar, absorvendo suas palavras.
Não me considerava uma expert em relacionamento, já que o primeiro e o último que tive dos 17 aos 20, não vingou como queria.
Por um lado, entendia o quê ela estava sentindo. Coração partido doía de uma forma que não tinha palavras para descrever. Pelo menos ela não pegou Maggie nos amassos com outra pessoa e mesmo tendo visto tudo, não saiu como a louca, histérica, da história.
Leah continua a “arrumar” suas coisas e a única coisa que consigo fazer é ajudá-la, colocando as roupas com um pesar enorme em uma das malas.
Quando terminamos, ela simplesmente me abraça, um abraço longo e sólido. Nunca havia sido o tipo de pessoa que distribuía abraços gratuitos, como Maggie, mas quando resolvia abraçar, era como se transparecesse o quê sentia naquele momento.
Da janela do meu quarto, observo quando ela coloca as malas no porta-malas do carro e hesita antes de entrar no veículo, passando o braço pelo rosto antes de se sentar atrás do rolante.
De todos os 4 de Julho, aquele seria o que mais ficaria marcado em minha memória.
Quando meu celular toca de repente, paro de encarar a rua sem movimento para pegá-lo e ver que era uma solicitação de chamada de vídeo de Camille.
Secando os vestígios de lágrimas em meus olhos, atendo, notando de imediato que a mesma estava num lugar com outras pessoas.
- Como está a comemoração por aí? - Nego com a cabeça de um lado para o outro. O sorriso some aos poucos do rosto de Camille, que começa a se afastar das pessoas ao seu redor - O quê foi?
- Queria tanto você aqui - murmuro.
- Cadê as mães?
- Leah descobriu que Maggie está tendo um caso com Johannes.
Ela ergue as sobrancelhas surpresa.
- Maggie tendo um caso? Com aquele cara que vive no mundo da lua? Não pode ser...
- Leah foi embora.
- Com certeza quando as duas sentarem e tiverem uma conversa, tudo irá se resolver.
Fecho meus olhos por alguns instantes.
- E se não se resolverem?
- Você costumava ser mais otimista.
- Nunca fui otimista a este ponto - Lembro.
- É a Maggie e a Leah. Há quanto tempo elas estão juntas? 10 anos?
- 15 - Corrijo.
- O.k 15. Quantas vezes nestes 15 anos já viu elas ameaçarem se separar?
Dou de ombros, puxando pela memória.
- Pelo menos umas quatro vezes.
- É. E no final, conseguiram contornar a crise - Fico em silêncio, sem ter uma ideia se o fato de Leah ter saído de casa era preocupante ou não - Elas vão se entender como das outras vezes, só precisamos ter paciência como sempre.
- Não quero que elas se separem - Admito baixo, sem olhar para ela. Percebendo que chegava a ser um desejo da minha parte.
- Nem eu quero. A impressão que sempre tive, é que uma foi feita para a outra.
Também tinha aquela impressão as vezes, mas agora sentia que tudo estava em cheque e inclusive isso.
