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4 de Julho

O suor se acumulava em minha testa e escorria pelo meu rosto, enquanto mantinha o ritmo da corrida.

Meu corpo já dava sinais de fadiga e cada passo que dava, era uma tortura e me dava impressão que a qualquer momento, minhas pernas me deixariam na mão.

Continuo dessa forma por alguns segundos, até parar e me apoiar em meus joelhos sem fôlego. Meu estômago ronca, mas o ignoro, lembrando do meu objetivo.

Estava cogitando a ideia de voltar para casa, quando um grupo de quatro homens vem na minha direção, conversando alto e bebendo.

Girando os calcanhares, começo a andar de volta para casa. Poderia dizer que os conhecia muito bem, já que estudamos na mesma escola.

- Ei!! - Um deles chama, porém não paro de andar. Foi inútil, já que os senti ao meu redor poucos segundos depois - Não vai falar com a gente? - Um deles pergunta, o que me faz erguer a cabeça e olhar para o rosto pouco iluminado.

- Estou com pressa.

- Pra ir jantar com suas mães? - Outro pergunta com irônia.

O terceiro homem se inclina sobre mim, passando o braço por cima dos meus ombros.

- Me tira uma curiosidade - diz contendo um sorriso - Já ouviu a diretora e a treinadora...?

Olho para ele indignada, tencionando o maxilar.

Apesar de ouvir sempre aquele tipo de pergunta, nunca me acostumava. Sempre piadinhas escrotas sexuais.

- Deve ser o maior tesão - diz outro.

- Eu não iria achar ruim se a minha mãe trepasse com outra mulher - diz o homem do outro lado.

Um deles passa a minha frente, ficando na minha frente. Mesmo com a pouca iluminação, sabia que havia um sorriso malicioso em seu rosto.

- Você fica hesitada, quando escuta elas?

- Pelo jeito, você deve ficar quando escuta seus pais - digo séria, mantendo a todo custo minha voz firme, apesar de meu coração estar acelerado, quase saindo para fora do peito.

- Uuuuuuuh - Os outros três homens dizem ao mesmo tempo, num tom de zombaria.

Por um momento, o silêncio se instala, mas não demora para ser quebrado pelo homem a minha frente.

- E você sabe o quê é um pau? - pergunta ainda em tom irônico - Já sentou em um ou vai preferir ser como a sua mãezinha hippie?

- Não fala da minha mãe - Já andava farta de todos os comentários e piadas e se era para mim dar um basta, que fosse naquele momento - De nenhuma das duas.

Ele levanta as mãos em defensiva.

- Parece que alguém já se esfregou em outra xota - Me deixando ser levada pela emoção, movo meu braço contra o rosto dele, conseguindo por sorte, acertar em cheio o lado esquerdo.

Ele recua um pouco, pego de surpresa, assim como os três atrás de mim que não ficaram completamente sem reação.

O homem a minha frente só precisou de poucos segundos para se recuperar e vir na minha direção, já me fazendo imaginar o quê poderia fazer contra mim, já que a força dele sem dúvida era o triplo da minha.

Antes que o pior acontecesse, ele para abruptamente quando um carro da polícia se aproxima com as luzes ligadas.

Rapidamente ele abaixa o braço erguido e arregala um pouco os olhos, dando um passo para trás.

- Boa noite, policial - diz o homem em minhas costas.

- Tá tudo bem aí?

O da frente começa a gaguejar instantaneamente.

- Na verdade não - digo rapidamente, para minha própria surpresa ao ouvir minha voz trêmula - Eles estão me assediando.

O policial desce imediatamente da viatura.

- Parece que temos um problema aqui então.

- N-não... Era só uma brincadeira - diz outro.

- Brincadeira? - questiono, os olhando incrédula - Vocês são homofóbicos e fazem isso desde quando eu era criança!

- Larga mão de ser mentirosa! - O da frente vocifera.

- Sabe o quê estou vendo aqui? - diz o policial, coçando o queixo - Quatro homens, aparentemente alterados pelo álcool intimidando uma mulher em uma via pública sem muita iluminação - Ele olha cada um, para por último me olhar - Estou errado?

- Não - digo sem hesitar.

- Foi o quê pensei - diz com um leve sorriso - Senhores, por gentileza, encostem na viatura e documentos. E a senhora, cuidado ao voltar para casa.

Assinto, continuando a andar, dessa vez em passos largos e rápidos.

Entro em casa rapidamente, paranóica que poderiam ter se livrado do policial e estarem me seguido. Mas olhando pelo olho mágico, não vi ninguém.

- Maggie? - Ouço a voz de Leah e em seguida seus passos, ela para no meio do caminho ao me ver, a expressão se tornando meramente decepcionada - Ah, é você, Robbie.

- Ela ainda não chegou?

- Ainda não - Ela força um sorriso, um sorriso que sabia muito bem o quê significava. Estava triste e não gostava de demonstrar isso.

E o fato de Maggie estar horas atrasada para o jantar, deixou de ser algo normal e se tornou anormal.

- Já tentou ligar para ela? - pergunto indo até o telefone ao lado do sofá.

- Está desligado.

- Ela nunca desliga o celular - Mesmo acreditando que a era moderna apenas separava as pessoas.

- Deve ter descarregado - Ela usa meu argumento inicial, aparentemente não acreditando no argumento.

- Não acredito que tenha descarregado - Ela mal usava aquele aparelho. Era sempre nós que ligava para ela.

- Ela já deve estar chegando - diz com um suspiro - vou fazer uns sanduíches, você quer?

- Não. Vou dormir - digo séria, colocando o telefone no lugar.

No quarto, fecho a porta com o pé e começo a me despir, desamarrando por último meu cabelo castanho cacheado.

Em baixo da água quente, obrigo meu corpo a liberar toda a tensão e me focar apenas no que estava por vir, que no caso, era a competição.

Depois do banho, me aconchego em baixo do cobertor e não demoro para pegar no sono.

Acordo o quê me pareceu ser meia hora depois, mas ao abrir os olhos percebo que já havia amanhecido.

Pego o celular ao lado do abajur, precisando semicerrar os olhos para ler o nome na tela.

- Feliz 4 de Julho! - diz Camille do outro lado sorridente.

- Já não era para estar aqui? Que horas são?

O sorriso some, dando lugar a lábios franzidos.

- Me desculpa.

- O quê?! Não, Cami - Sem Camille no 4 de Julho, não era 4 de Julho.

- Surgiu uns imprevistos e... - Ela se detém - Conrad quer ir para a casa dos pais. E é nada mais justo, já que nos últimos dois anos vamos passar aí - Conrad era o marido de Camille, haviam se casado a dois anos e ainda para mim, ele era uma pessoa estranha.

- Tá. Tudo bem - digo rapidamente, sem querer ouvir mais desculpas.

- Rob - diz devagar, me fazendo voltar a olhar para a tela.

- Ano que vem você vem.

- Aproveite por mim - Forço um sorriso, encerrando a vídeo chamada.

Sem Camille ali, não conseguia imaginar o 4 de Julho. Era como se não fosse haver fogos no 4 de Julho.

Soltando o ar dos pulmões, tiro o cobertor de cima do corpo, indo enfrentar meu dia.

Normalmente quando acordava na manhã de 4 de Julho, a casa já estava completamente decorada e havia uma mesa de café da manhã esperando com bandeiras. Logo mais, tinha um churrasco e pela noite os fogos de artifício que coloriam a noite.

Claro que neste intervalo, íamos para o parque entregar panfletos sobre conscientização ambiental e a liberação das drogas.

Era legal até, isto por causa de Camille.

- Não vai dizer que horas chegou ontem? - Ouço Leah questionar, enquanto descia a escada.

- Estava ocupada.

- Ocupada?

- É, Leah, me ocupo ás vezes. Pode parecer que não, mas me ocupo.

Paro na soleira da porta, notando Maggie fazer panquecas, enquanto Leah arrumava a mesa do café da manhã.

Leah é a primeira a me notar, seguida por Maggie.

- Bom dia - digo.

- Bom dia, girassol - diz Maggie.

- Cami avisou que não vai vir hoje.

- Ela tentou me ligar ontem.

- Parece que todo mundo tentou - diz Leah séria. Maggie a olha por um instante, antes de voltar a bater a massa das panquecas.

- Onde você estava ontem, mãe?

- É, Mag. Onde? - Leah insiste.

- Com uns amigos.

- Da organização? - Chuto, imaginando minha mãe organizando mais algum protesto em alguma cidade dos Estados Unidos.

- É - Ela sorri levemente.

Olho ao redor, notando que a casa não estava decorada e na mesa só havia algumas bandeiras que não chegava nem perto da real quantidade.

- O quê aconteceu com a decoração?

- Tivemos um imprevisto - Maggie começa a colocar as panquecas na frigideira.

- Por quê chegou tarde demais. Ou agora de manhã, quem sabe - Leah dá de ombros.

- Vou dar um jeito nisso depois do café - diz Maggie otimista.

- Ou vai nos deixar na mão de novo? - diz Leah, a olhando nos olhos, antes de sair da cozinha.

- O quê deu nela? - pergunto, olhando para a porta por cima do ombro.

Maggie dá de ombros, continuando o que estava fazendo.

- Não é nada - murmurando - Ela só acha que... vacilei e também acho.

Ergo uma sobrancelha.

- Com o quê exatamente?

Maggie fica em silêncio e naquele momento senti que havia algo sério por trás daquele silêncio. Maggie não era do tipo que se calava, pelo contrário, sempre preferia dizer o quê pensava; diferente de Leah, que quando algo a incomodava, simplesmente se fechava.

- Mãe, você sabe que pode conversar comigo, não sabe?

Ela me olha por alguns instantes.

- Geralmente sou eu quem diz isso pra você.

- É. Eu sei. Mas você parece que precisa...desabafar.

Ela solta o ar dos pulmões, inspirando profundamente.

- Só não sei como contar...

Leah entra de repente na cozinha com uma caixa.

- Vamos decorar ou não essa casa? - pergunta de modo abrupto, fazendo com que Maggie se calasse.

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