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Maresia

A alta veio horas depois, após uma bateria de exames.

Apesar dos medicamentos, minha cabeça ainda doía. Cinco pontos foram minha recompensa, pelo erro que cometi ao pular.

Depois de um banho e de vestir meu pijama flanelado, encontrei Maggie terminando de arrumar minha cama.

- Vou fazer biscoitos - Anuncia, quando deito e faz questão de me cobrir, como se tivesse ainda 7 anos.

- Não tenho mais 7 anos.

- Sempre vai ter 7 anos para mim, girassol - Ela continua a arrumar o cobertor ao meu redor - Pensei em fazer os biscoitos do alegria.

Biscoitos da alegria era especificamente biscoitos veganos, a base de aveia, fubá e erva-doce.

- Não vai por maconha, não é?

- Se quiser eu ponho.

Sorrio sem mostrar os dentes.

- Melhor não.

- Se mudar de ideia, estou na cozinha.

Observo Maggie sair e em poucos segundos, estava sozinha pela primeira vez desde meu salto errôneo. Se fechasse meus olhos, podia ouvir a surpresa das pessoas antes de eu cair na água e ver alguns rostos espantados, ao colocar a cabeça para fora da água.

A lembrança trouxe o latejar atrás da minha cabeça, o quê me fez levar a mão até o local e parar assim que senti os pontos ali.

Volto a olhar para a porta entre aberta, assim que ouço passos no corredor. Leah coloca a cabeça para dentro do quarto, erguendo as sobrancelhas ao encontrar meu olhar.

- Aí está você - diz entrando no quarto - Não parece tão ruim quanto Robert disse.

- Pra vir aqui, ela deve ter aumentado um pouco a história.

- Não é por que a minha história entre eu e Maggie terminou, que a minha que tenho com você acabou também - diz com a voz firme - Como está a cabeça?

- Doendo.

- E os remédios? - Ela olha ao redor - Já tomou?

- Maggie não acha necessário. Ela disse algo sobre plantas medicinais e que os medicamentos, inofensivos para eles, era mais maligno do que pensavam.

- Maggie sendo Maggie.

Mexendo as mãos em cima do meu abdomên, franzo os lábios.

- Estou fora, não é?

- Isso não é importante agora.

- Desde dos meus 7 anos, diz o quanto é importante as competições e agora simplesmente diz que não é?

- No momento isso não importa, você poderia ter se machucado seriamente.

- E só o fato de eu ter me machucado, anulou quaisquer chance que eu tinha de ser patrocinada.

Ela baixa a cabeça, encarando o chão de madeira.

- Você tenta de novo.

No final das contas, mais uma das minhas suspeitas estavam certas.

Maggie entra de repente no quarto, com uma bandeja de bambu com uma tigela de biscoitos e um copo de leite de soja. Por um momento, fica surpresa com a presença de Leah, contornando a situação rapidamente.

- Que horas você chegou?

- Ainda estou com as chaves. Esqueci de entregar.

Maggie assenti rapidamente, olhando para mim.

- O quê você vai tentar de novo?

- Anulei completamente minha participação na competição - digo sem rodeios.

- Não devia estar preocupada com isso.

- Já disse isso à ela - diz Leah.

- A vida é tão bonita para ficar se prendendo a frustrações.

- Não estou frustrada - Tento esclarecer.

- Sei que não é fácil como atleta perder - Ela se aproxima da cama, colocando a bandeja ao lado, para me ajudar a sentar, mesmo eu com a convicção que não precisava - Mas a vida é cheia de altos e baixos.

- Se concentra na sua recuperação - Leah complementa - Depois a veremos o quê se dá pra fazer. Talvez eles até reconsiderem.

Forço um sorriso, enquanto uma parte até pequena em mim e escondida, não queria uma reconsideração. Não queria uma segunda oportunidade.

- Qualquer coisa faço uma leva desses biscoitos e levo pra eles - diz Maggie sorrindo.

- Nem todo mundo é vegano - diz Leah.

O sorriso some do rosto de Maggie por um instante.

- A crueldade que fazem com os animais, já devia ser um motivo para serem.

- Não é bem assim que as coisas funcionam.

- Você era carnívora e hoje não é mais - Leah estreita os olhos, soltando o ar dos pulmões.

- Nunca deixei de ser. Só... comia escondido.

Maggie ergue as sobrancelhas surpresa, abrindo a boca num O.

- Você mentiu para mim - diz quase num sussurro.

- Estamos quites então - Dito isto, Leah sai do quarto, não demorando para Maggie segui-la, continuando a discussão.

Sentada na cama, começo a comer os biscoitos, ouvindo a discussão ao longe. A discussão continua, por pelo menos dez minutos, até cessar de repente e som do carro de Leah se afastando chegar em meus ouvidos.

Pegando meu celular, entro nas redes sociais, não permanecendo por muito tempo. Ver como meus antigos colegas de sala estavam, era angustiante; muitos deles, haviam seguido seus sonhos e a minoria, se contentado com o quê a vida havia oferecido.

Já podia começar a me sentir parte da minoria.

Olhando o quarto ao meu redor, constato que não havia me sobrado muita coisa, agora que estava de molho.

Não estava nem um pouco a fim de colocar meus hobbies de infância em prática, muito menos em ajudar Maggie em algum protesto.

Foi neste momento que uma breve solução surgiu em minha mente, temporária, mas que ajudaria em me ajudar a tomar uma decisão de longo prazo.

Camille atende no segundo toque, com seu sorriso estonteante estampado no rosto.

- Acredita que já iria ligar? - diz se movendo na cozinha clean - Como foi com os juízes?

- Não foi - digo sem emoção na voz - Bati a cabeça quando pulei.

Por um instante ela me olha com os olhos meramente arregalados, antes de engolir em seco e balançar a cabeça de um lado para o outro.

- Você está bem?

- Levei cinco ponto e a mamãe já mencionou todas as ervas que usara para meu tratamento.

- Não consigo imaginar como deve estar se sentindo - diz mexendo uma panela.

- Estou bem. Sério - digo atraindo seu olhar - Só quero neste momento, me distanciar dessa cidade, principalmente agora com a separação e com o caso de Maggie quase vindo a tona.

- Sabe que as portas da minha casa estarão sempre abertas, não é?

Assinto lentamente.

- Foi por isso que liguei.

O sorriso volta a aparecer no rosto de Camille.

- No seu lugar, seria o que eu faria.

- Está me chamando para sua casa?

- Veja isso como um convite. Umas férias - Sorrio quase que instantaneamente - Então?

- Por mim tudo bem.

- Acho que chego aí na hora do jantar.

Dessa vez é minha vez de erguer as sobrancelhas, ao ser pega desprevenida.

- Vai vir me buscar?

- Você não pode sair daí sozinha. Lembra? - Nem que eu quisesse, conseguiria, já que o modo protetora de Maggie havia sido ativado e sendo assim, ela não desgrudaria de mim.

- A gente se vê em breve então.

Ela assenti antes de desligar.

Novamente sozinha, saio da minha cama em direção do closet, onde preciso subir num banquinho ao lado para conseguir pegar a mala na última prateleira.

Sem saber quanto tempo ficaria longe, começo a pegar algumas peças de roupas, sempre lembrando das oscilações de tempo. Até que percebi, que uma mala era definitivamente pouca, precisando optar por uma menor.

Em meio a bagunça que fiz e idas até o closet, uma caixa colorida me chama atenção, precisamente por quê na tampa havia meu nome recortado em papelão e pintado.

Abro a caixa, encontrando em seu interior posters de aviação, pequenas maquetes e um diário, aonde explicitamente eu dizia que meu sonho era estar entre as nuvens.

Não me referia estar entre as nuvens como em um sonho ou uma metáfora, mas estando dentro da única coisa que fazia isso facilmente, atravessando oceanos e viajando por cima das nuvens: um avião.

Era difícil imaginar uma menina gostando de aviões e tudo que fosse relacionado. Mas era possível.

Lembrava com clareza da emoção que senti ao viajar pela primeira vez de férias, em ser gentilmente tratada pelas aeromoças e pelo cuidado que tinham com cada passageiro.

Acredito que foi naquela viagem de férias, um ano antes de ser encurralada na prancha acima da piscina, que me apaixonei pela aviação.

Aquela paixão ainda persistiu por alguns anos, até eu precisar deixá-la de lado para me concentrar nos saltos ornamentais.

E talvez este seja meu maior arrependimento, minha frustração.

Já fazia algum tempo que havia terminado de arrumar minhas coisas. Faltava uma hora para o jantar, quando escutei um carro parar em frente de casa, o quê me fez ir até a janela do quarto e reconhecer o carro de Camille, vendo a mesma descer segundos depois.

Ainda ao lado do carro, me notando na janela, ela assenti para mim, antes de andar até a porta.

Dou uma longa olhada em meu quarto, antes de pegar as duas malas e sair do cômodo. Antes mesmo de descer os degraus da escada, escutei a surpresa de Maggie ao ver Camille, enquanto a enchia de perguntas e questionamentos, principalmente o por quê que Conrad não havia vindo também.

- Robbie, o quê está fazendo fora da cama? - Maggie me questiona, assim que termino de descer os degraus, não deixando de notar as duas malas que carregava - Por quê essas malas?

Camille coloca a mão no ombro de Maggie.

- Vou aceitar aquele chá, mãe - Relutante, Maggie desvia o olhar de mim e a olha.

- Vou por a chaleira no fogo - diz antes de se afastar descalça, entrando na cozinha.

- Deixa comigo - Camille sussurra, abrindo as mãos em frente ao corpo, antes de seguir Maggie.

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