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Capítulo 02

Felipe abre a porta para mim e em seguida entra. Ele é sempre tão educado.

— Por isso todas se apaixonam por você — brinco, apertando meu cinto. — Com todo esse cavalheirismo...

Ele retribui meu sorriso.

— Posso ser cavalheiro, mas com você isso vai além — ele diz. — Você é minha melhor amiga. Eu não saberia tratá-la como trato as outras.

— Sei, finjo que acredito. — Provoco só para ver sua reação.

Ele se vira para mim, coloca uma mecha de cabelo atrás da minha orelha e desliza o dedo por minha bochecha. Meu corpo responde imediatamente a seu toque e eu fico sem fala. Lipe me olha nos olhos.

— É sério, Ana. Com você é diferente — enfatiza, e eu sinto que ele quer dizer mais alguma coisa, mas se contém. — Agora vamos — fala, por fim. — Antes que sua mãe reclame que você demorou.

Eu assinto, ainda o observando.

Felipe coloca uma música para tocar no rádio e vamos o caminho todo cantando e rindo. Com ele eu posso ser eu mesma, sem me preocupar com o que vai pensar de mim. E é isso o que alimenta meu medo de revelar meus sentimentos. Não quero, com umas poucas palavras, estragar o que construimos por mais de uma década.

Já no supermercado, começo a escolher as coisas, com Lipe ao meu lado, me ajudando, e quando estamos no corredor dos molhos, uma senhora se aproxima de nós, com olhos gentis e um sorrisinho no rosto.

— Com licença. Só queria dizer que vocês formam um casal muito bonito. Há quanto tempo estão juntos? — pergunta, em um tom simpático.

Quando abro a boca para corrigi-la, Lipe envolve o braço em minha cintura, alheio ao modo como meu coração acelera, e sorri para a mulher.

Agradeço à senhorinha mentalmente.

— Estamos juntos há três anos. — Ele pisca para mim, e decido entrar na brincadeira.

— Oh, sim! Três anos de muito amor. — Dou um beijo em sua bochecha. Como não sou boba, vou me aproveitar da oportunidade.

A mulher sorri, e por um momento me sinto mal por mentir.

— Continuem assim. Seus filhos serão lindos. — Depois de garantirmos que continuaremos, ela acena para nós, contente, e sai.

E quando some de vista, nós começamos a rir.

— Você não presta. — Respiro fundo, tentando controlar o riso. Ele dá de ombros.

— Nunca disse que prestava.

Balanço a cabeça em negação, mas me forço a não pensar mais nisso pelas próximas horas. Passo minhas compras e Felipe me ajuda a levar para o carro, e então dá partida.

— Está gostando de morar sozinho? — eu pergunto.

— Estou sim. Nada melhor do que ter minha liberdade. Só faço as coisas que quero e na hora que quero. E como agora fui promovido a gerente da loja, consigo me virar sozinho sem a ajuda de meus pais.

— Acho que se morasse sozinha, iria sentir saudade da minha mãe. Sempre fomos só nós duas. Como cresci sem pai, criamos uma relação ainda mais forte. — Meu coração se aperta só de me lembrar que nunca tive a oportunidade de saber como meu pai é. Nem por foto. Mas nunca pressionei minha mãe por isso.

— Eu sinto falta dos meus pais, mas com o tempo você se acostuma. Já somos adultos, Ana. Às vezes chega a hora de abandonarmos o ninho.

— Você tem razão.

Vamos o restante do caminho conversando. Eu adoro ouvir o som de sua voz, principalmente o som de sua risada. Quando chegamos, ele leva parte das sacolas para dentro. Minha mãe para o que está fazendo ao vê-lo.

— Bom dia, Felipe. Obrigada por ajudar minha princesa.

Para ela, não importa quantos anos eu tenha, sempre serei sua princesinha. Mas ouvi-la me chamar assim na frente dele é um pouco embaraçoso.

— Mãe, eu não sou mais criança.

— Imagina, foi um prazer ajudar sua princesa — Lipe diz, e eu o encaro sem jeito. Ele sorri e sinto minhas bochechas queimarem. E pelo jeito que minha mãe me olha, ela deve ter percebido.

Nunca consigo esconder nada dessa mulher.

— Você não quer ficar pra almoçar? — pergunta ela.

— Não posso, mas obrigado pelo convite. Meus pais estão me esperando. Como domingo é o único dia que podemos almoçar juntos, não posso faltar.

— Que pena, gostamos tanto de ter você conosco. — Ela me olha e sorri.

A senhora Orsini está querendo que passemos mais tempo juntos. Essa não dá ponto sem nó.

— Podemos marcar outro dia. Agora tenho que ir. Até mais. — Se despede de nós duas com um beijo na bochecha e eu o acompanho até a porta.

Quando volto para a cozinha, minha mãe está me encarando e sorrindo.

— Há quanto tempo você está apaixonada por ele? — pergunta, vindo em minha direção.

— Não estou apaixonada por ele, mãe — digo, tentando convencer a mim mesma sobre isso. — É só amor de amigo.

— Filha, eu te conheço muito bem. Nos somos melhores amigas, não somos? — Me olha nos olhos.

— Claro que sim, mãe.

— Está estampado na sua cara. Você já falou pra ele?

— Mãe, eu não sei se ele sente o mesmo. E se estragar nossa amizade? São quinze anos tendo ele ao meu lado. Não posso colocar tudo a perder.

— Pense bem, Ana. Faço muito gosto desse namoro. Vocês são amigos desde a infância, e sabe como a mãe dele e eu torcemos por vocês. — Seu entusiasmo é notável.

— Tenho medo. Ele sai com tantas garotas, e nunca namorou ou se apaixonou por ninguém. Pelo menos que eu saiba. Isso seria estranho. Será que logo eu conseguiria mudar isso nele? Já me fiz essa pergunta várias vezes.

— Minha filha, tudo tem a primeira vez. Você é linda e inteligente, e qualquer homem que namorar você será muito sortudo. Você só vai saber se tentar. Pense bem pra não se arrepender depois. — Beija minha testa. — Agora vai lá arrumar seu quarto que eu preparo o almoço.

E é isso que eu faço. E quando termino, pego o celular e vejo que tem duas mensagens não lidas de Bia.

Bia: Ana, acordei com uma ressaca da brava.

Bia: Você está aí?

Ana: Oi, fui ao mercado e esqueci de levar o celular. Desculpa.

Bia: imagina, pensei que ainda estava dormindo. Alguma novidade?

Ana: Lipe me levou e me trouxe.

Bia: Que fofo. E você já contou a ele o que está sentindo? Você precisa se abrir, Ana. Às vezes na vida precisamos arriscar.

Ana: Você sabe o que penso sobre isso.

Bia: Eu sei, mas você é uma mulher forte e corajosa. Toma coragem de assumir logo isso. Estou torcendo por vocês. Só quero te ver feliz, e esconder esse sentimento não está te fazendo bem.

Ana: Obrigada, amiga. Te amo.

Bia: Eu também. Mais tarde mando mensagem. Agora vou tomar um remédio e um banho. Beijo.

Ana: Beijos.

Passo a tarde toda no computador, adiantando alguns trabalhos da semana. Esse é meu primeiro emprego, e não quero vacilar. O senhor Carlos é bem exigente, e por causa disso nenhuma secretaria para naquele escritório. Quando dou por mim, já está anoitecendo. Me levanto, acendo as luzes e vou até a janela. E então vejo Felipe chegando em casa. Deve ter saído com alguém, pois não pode ter ficado até essa hora com os pais. Ele me vê olhando em sua direção, acena e faz um coraçãozinho com as mãos. Aceno de volta e fecho a janela rapidamente.

Agora ele vai pensar que sou uma louca que fica vigiando cada passo seu.

Mas o que Bia me disse ainda permanece em minha cabeça. Eu preciso tomar coragem e assumir o que sinto por ele. Não posso continuar reprimindo esse sentimento ou vou acabar enlouquecendo.

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