Capítulo 01
Após uma semana dura de trabalho, nada melhor que uma balada para esquecer os problemas e se divertir até a madrugada. Eu mereço. Nós merecemos. Olho para Beatriz e Felipe, meus melhores amigos, que me acompanharam até a boate e estão se enchendo de bebida no bar. Beatriz eu conheci no último ano do ensino médio, quando ela havia acabado de se mudar de São Paulo para o Guarujá, e eu fui a primeira pessoa na turma a conversar com ela; e foi um pouco surpreendente descobrimos tantas coisas em comum. Mas não deu outra; logo nos tornamos inseparáveis.
Já com Felipe as coisas foram mais diferentes. Nos conhecíamos desde que éramos crianças, e com cinco anos de idade, já nos considerávamos melhores amigos. Éramos tão próximos durante as várias fases de nossas vidas que nossas mães brincavam ao dizer que um dia acabaríamos nos casando. E, no fundo, eu sabia que não eram apenas palavras da boca para fora. Elas queriam que isso acontecesse. Seria uma união definitiva das nossas famílias, como sempre sonharam.
Mas nossa amizade nunca foi mais do que isso.
Pelo menos até alguns anos atrás.
Eu suspiro e aperto o copo de bebida, fingindo não vê-lo a poucos metros de mim, flertando com uma morena alta e muito mais bonita que eu.
Desde que se mudou para a casa ao lado da minha, quase dois meses atrás, os sentimentos adormecidos que nutria por ele despertaram, me deixando confusa, desapontada e enciumada com qualquer coisa que ele diga ou faça. Era tão mais fácil antes, quando eu só o via como o garotinho magricela e sorridente que me seguia para todo lugar, e não esse homem lindo, forte e confiante que se tornou.
A boate está lotada, com pessoas dançando, rindo e se divertindo por todos os lados, e a música é tão alta que mal dá para ouvir meus pensamentos. Com o álcool acentuando minhas emoções, eu olho mais uma vez para ele e penso em como é difícil me controlar enquanto o vejo levar essa vida de garanhão, com uma mulher diferente a cada dia, sem nunca se prender a nenhuma delas, como se se cansasse delas após poucas horas ao seu lado. Quem poderia dizer se o mesmo não aconteceria comigo?
Tento reprimir meus sentimentos, mas é mais forte que eu.
Decidida a não facilitar para essa mulher, que já está prestes a se jogar sobre ele, eu o puxo para a pista de dança, levando Beatriz junto, e rio para fingir que não foi nada; apenas o álcool me deixando mais alegrinha. E parece que funciona, pois o foco de Felipe agora está em nós duas, como se nunca houvesse existido outras garotas. Ele se volta para mim, com um meio-sorriso nos lábios, e começa a fazer uma dancinha boba, movendo os braços e a cabeça, sem se importar com quem está olhando. Não consigo conter o riso. Nesse momento, somos duas crianças nos divertindo em uma festa, e não dois adultos cheios de problemas e palavras não ditas.
Por volta das duas da madrugada, quando já dançamos até nos cansar, Bia decide ir embora e manda uma mensagem para seu motorista vir buscá-la. Os pais dela são muito ricos, sendo donos da maior empresa de construção civil da Baixada Santista. Mas isso nunca fez dela uma garota metida e esnobe. Lipe e eu a acompanhamos até o lado de fora e noto que ela é a mais alterada do grupo. Está tão bêbada que não para de cantar, com a voz toda embolada, várias das músicas que ouviu na balada. É impossível não rir.
— Vocês dois formam um belo casal, sabiam? — diz Bia, de repente, apontando de um para o outro, e isso faz a diversão sumir do meu corpo e meu coração acelerar. Porque ela sabe. Beatriz sabe o que sinto por Felipe, e temo que, fora de si como está, ela possa contar algo a ele.
— Bia, você está muito engraçada assim — Lipe ri, alheio às minhas preocupações.
— Estou falando sério! — Ela me abraça, e sua falta de equilíbrio quase nos derruba. — Amiga, você acha que devo pintar meu cabelo? — Bia passa os dedos pelas mechas loiras, com um olhar pensativo.
— Não, seu cabelo está perfeito — digo, e abro um sorriso aliviado quando seu carro chega e Felipe, cavalheiro como é, abre a porta para ela.
— Eu amo vocês! — Bia grita, com a cabeça para fora da janela, quando o carro dá partida. — E vocês dois deviam se amar.
— Será que ela tem noção que eu te amo? — Lipe fala, olhando para mim, e sinto minha respiração falhar por um momento. Ele envolve o braço em minha cintura e me puxa para perto dele, e então beija minha testa. — Você é minha melhor amiga, como não iria te amar?
Sorrio para ele.
Claro que sou sua amiga. Nada além disso.
O que eu esperava, afinal?
Dividimos um Uber para casa e, enquanto não chegamos, me encosto em seu ombro e fecho os olhos. Estou muito cansada, e seu cheiro é tão bom, tão inebriante. Sem me dar conta, acabo adormecendo. E acordo com o toque de seus dedos em meu rosto; uma carícia suave e relaxante.
— Ei, docinho. Nós precisamos descer. — Sua voz baixa em meu ouvido me causa arrepios.
Eu amo quando ele me chama assim. Felipe me deu esse apelido porque, quando criança, eu amava doces, e sempre lhe implorava para roubar alguns para mim nas festas de aniversários que íamos.
Sorrio, querendo aproveitar mais um pouco esse momento.
— Lipe, me deixa dormir só mais um pouquinho...
Ouço sua risada em meus cabelos, e ela me atinge em cheio.
— Temos que descer do carro para o Uber poder ir pra outra corrida. — Sua mão continua a acariciar meu rosto, a voz paciente.
Eu suspiro.
— Tudo bem, já que não tenho escolha. — A contragosto, me endireito e abro os olhos.
Lipe paga o Uber, dando um extra pelo tempo que demoramos para descer, e me acompanha até a porta de minha casa.
— Boa noite, docinho. Até amanhã. — Ele beija minha bochecha.
— Boa noite, Lipe. Até amanhã.
Entro em casa com muito cuidado para não acordar minha mãe. Não quero levar uma bronca por chegar a essa hora, e bêbada. E assim que chego no meu quarto, me arrasto até o banheiro e escovo meus dentes, tiro o vestido, visto uma camisola e vou direto para a cama. E meu pensamento logo volta para Felipe. Sua voz, que é tão boa de ouvir, seu toque suave... Como será o gosto dos seus lábios? Como seria ter ele por completo só para mim? Me aconchego no edredom e me permito sonhar um pouco.
***
Depois de tomar um remédio para dor de cabeça e um banho rápido, me visto com uma regata branca e uma calça jeans, deixando meus cabelos pretos soltos, e desço para a cozinha, onde encontro minha mãe sentada na cadeira e bebericando seu café em sua xícara de porcelana favorita. Nela há uma foto de nós duas juntas, com a frase "Melhor mãe do mundo" escrita em letras vermelhas e chamativas. Lembro-me de quando a presenteei com ela e sorrio.
Indo até ela, beijo sua bochecha e me sento ao seu lado.
— Bom dia, senhora Carla Orsini. Como se sente nessa maravilhosa manhã de domingo?
Ela ri do meu tom exagerado e formal.
— Bom dia, senhorita Ana Orsini. Estou me sentindo adorável — responde, e eu acabo rindo com ela.
Minha mãe nem parece ter quarenta anos. Sua pele é bem-cuidada e seus cabelos estão sempre pintados de preto para esconder qualquer fio branco que possa aparecer. Por isso as pessoas geralmente pensam que ela é minha irmã mais velha. Somos muito parecidas fisicamente, mas na personalidade acredito que tenha puxado a meu pai, que infelizmente nunca conheci.
Depois do café, decido ir ao supermercado comprar o que falta para o almoço, e me deparo com Felipe em frente a casa lavando o carro, sem camisa e com o peito todo molhado. Como se hipnotizada, fico olhando para ele com cara de boba, sem conseguir desviar a atenção. E então ele me vê e acena. Meu rosto cora e eu torço para ele não ter notado minha expressão.
— Bom dia, docinho. Você está linda como sempre — ele diz, com um sorriso encantador no rosto.
— Bom dia, Lipe. Dormiu bem?
— Dormi sim, e você? Está indo a algum lugar? — Lipe pega uma toalha e começa a enxugar o abdômen, e eu sigo com os olhos cada movimento seu.
— Sim — respondo assim que consigo me livrar desse transe. — Vou fazer compras no supermercado.
— Então espera. Vou trocar de roupa e te levo de carro. Pelo menos não traz as compras nas mãos. — Ele começa a juntar rapidamente as coisas que estava usando.
— Eu não quero incomodar.
Mas seria uma boa ideia. Não precisaria andar nesse sol forte e eu ainda passaria um tempo com ele. Juntaria o útil ao agradável. Lipe olha para mim e sorri. E meu coração se derrete para ele.
— Você nunca me incomoda. Só espera dois minutinhos. Já volto.
Ele entre na casa, levando as coisas consigo, e eu me encosto no carro para esperá-lo.
Queria tanto entender o que estou sentindo. Tudo me diz que é amor, mas estou com medo de assumir isso para mim mesma. Ele nunca me deu nenhum sinal de que sente algo a mais por mim. Eu sei que Lipe me ama como amiga, mas será que me amaria como mulher?
Essas perguntas sem respostas ainda vão me deixar louca.
Não demora para ele sair todo arrumado, com uma calça jeans escura, camisa preta e tênis na mesma cor. Seu cabelo castanho-claro agora está perfeitamente penteado, diferente da bagunça de pouco tempo atrás.
— Vamos, Ana? — me chama, me trazendo de volta à realidade.
— Vamos. Estava perdida em pensamentos — respondo sem jeito.
— E em quem estava pensando? Em mim? — pergunta em um tom brincalhão, mas mesmo assim sinto meu coração acelerar.
Se eu dissesse que sim, o que ele diria?
Não. Não posso fazer isso.
— Claro que não! Nós somos amigos. Isso seria estranho, né? — Olho para ele em busca de uma resposta, mas ele apenas beija minha bochecha e pisca.
— Nunca pensei sobre isso — é o que diz.
E essas palavras vagas, mesmo eu tentando evitar, me dão esperança de uma chance para nós dois.